Do quintal de casa, na sala, quarto, rua e em outros espaços arrojados, com o telefone ou micro-câmeras, esses criadores digitais criam conteúdos que depois são distribuídos nas várias plataformas digitais, com realce para o Tik Tok, Facebook, Instagram, YouTube e WhatsApp, alcançando assim o mundo da fama com retorno financeiro e assinatura de contratos que são justificados pelo número de seguidores que arrastam
É cada vez mais crescente o número de adolescentes, jovens e adultos que descobriram na produção de pequenos conteúdos digitais para a internet o modo de demostrarem o seu talento, ganhar fama e “facturar” alguns tostões que, com foco, chegam a milhões.
Do quintal de casa, na sala, quarto, rua e em outros espaços arrojados, com o telefone ou micro-câmeras, esses criadores digitais criam conteúdos que depois são distribuídos nas várias plataformas digitais com realce para o Tik Tok, Facebook, Instagram, YouTube e WhatsApp.
Através do número de likes, partilhas e comentários que viralizam no mundo digital, os conteúdos geram milhares de visualizações, tornando os seus autores conhecidos na internet e no mundo real, catapultando- os para os palcos da fama, onde de lá retiraram dividendos, assinaturas chorudas de contratos e respeito junto dos apreciadores das suas artes.
A actividade pelo mundo não é nova. Mas, em Angola, está cada vez mais a descobrir novos talentos que não encontram, nos canais tradicionais, espaços para demonstrarem a sua arte.
Entretanto, as abordagens destes conteúdos digitais são diferenciadas e para várias idades. Na sua generalidade, abordam questões do dia-a-dia, com uma certa dose de humor, o que acaba por prender, ainda mais, os seus seguidores e ampliar o número de partilhas.
Artur Pop: “valeu e continua a valer a pena’’
Artur Pop, que faz dupla com o humorista Imperador, disse que foi graças às criações digitais que hoje alcançou fama, dinheiro e respeito. O artista, que é hoje dos mais conhecidos humoristas angolanos, viu a sua fama no pico com o programa “A Família do Replay”, emitido na TV Zimbo, engrossando, ainda mais, o número de seguidores, que hoje ascendeu aos mais de 900 mil.
Ele e o Imperador são, igualmente, hoje, rosto de um dos maiores supermercados de Angola e fazem campanhas publicitárias para outras empresas e instituições. Entretanto, sem entrar em muitos detalhes da sua vida financeira, Artur Pop garantiu ao OPAÍS que tem uma estabilidade económica e que, hoje, dado todo o trabalho feito, não sai para menos de 500 mil kwanzas para um espectáculo quando é convidado a mostrar a criatividade nos diferentes palcos.
“Eu já fazia humor. Mas a minha fama começou na internet, quando comecei a fazer peque- nos conteúdos digitais. Saí do mundo da fama virtual para o real. E hoje todo mundo me conhece. Só posso dizer que valeu e continua a valer a pena a aposta que fiz da minha carreira através da internet”, apontou.
“É um investimento diário”, diz Sargento Apito
Sargento Apito é outro dos que alinhou à internet para desaguar a sua veia humorista e chegar mais rápido aos consumidores. A meio a toda a criatividade, “palhaçada” e senso elevado de humor, o artista garante haver muito trabalho, investindo diariamente para convencer o público que, todos os dias, esperam por vídeo seu novo na internet.
A ser seguido, actualmente, por 211 mil pessoas, Sargento refere que, por detrás daquilo que as pessoas consideram ser uma mera palhaçada, há todo um trabalho de entrega e muita dedicação para tornar o resultado positivo e cada vez mais angariar novos seguidores.
“Entramos nisso imitando o que se faz lá fora. Hoje, já sabemos que muita gente nos segue. Então, a responsabilidade é maior e saber o que vais levar para o público que te espera. E isso nos obriga a criar diariamente novas estórias com cabeça, tronco e membro”, frisou, assegurando que “não é um trabalho fácil. É uma coisa que requer largar tudo para se dedicar a ela”.
Agenda cheia
Sargento Apito disse ainda que toda fama que conseguiu na internet hoje é sentida quando sai às ruas e pela quantidade de convites que recebe todos os dias para participar de actividades culturais ou sociais. “Graças a Deus tenho uma agenda cheia.
Tenho um cachet entre 250 mil a 300 mil kwanzas por cada show. Isso sem falar dos contratos de publicidade que já tenho assinado com várias empresas. Diante disso, não tem como não viver dessa arte”, notou.
Bana Uíge conquista Angola com o talento da vida dura
Foi também por via da representação virtual que o grupo Bana Uíge, da província com o mesmo nome, conquistou Angola através dos seus vídeos engraçados que retratam o dia-a-dia do cidadão comum.
Assim como os outros, o quarteto se inspira nas histórias do quotidiano para apelar à sociedade sobre a necessidade de olhar para os grupos mais vulneráveis. Família, desemprego, traições, pobreza e riqueza são retratados nos seus vídeos humorísticos que chegam a atingir número elevados de visualizações, gostos, partilhas e seguidores.
Mayala Mambenza, um dos integrantes do grupo, disse que hoje, quer no Uíge como em Luanda, o quarteto é respeitado e goza de boas referências. Sem entrar em detalhes financeiros, garantiu que todos os membros do grupo hoje não têm uma outra actividade que não seja a de representação humorística virtual, que alcançaram mais de 392 mil seguidores.
De acordo com Mayala Mambenza, todos os dias o grupo procura inovar com as suas estórias humorísticas de formas a cativar ainda mais o público. “Todo o nosso trajecto começou no seio da família e amigos.
E, aí pensamos, se é possível fazerir as pessoas próximas, também será possível fazer rir o mundo através da internet. E é assim que começamos a trabalhar e hoje, graças a Deus, é a nossa principal actividade e está a dar tudo certo”, destacou.
Gêmeas Calute: facturar fazendo o que se gosta
Com mais de 476 mil seguidores, as gêmeas Calute hoje alcançaram a fama, respeito, sobrevivem e pagam as contas mediante aquilo que ganham com as suas actividades na internet.
O que começou como uma brincadeira, hoje, é das principais actividades rentáveis da família. Na conversa com OPAÍS, uma das gêmeas, Carla Dois, como se apresenta em público, disse que, no início, tudo era uma brincadeira.
A representação na internet, que era inicialmente para mostrar a semelhança entre as gêmeas, actualmente passou a ser “coisa séria” com o andar do tempo. “Nós começamos numa brincadeira.
Mas hoje essa brincadeira é a nossa principal fonte de renda e nos orgulhamos muito disso”, frisou. Carla disse que a família não permite que elas falem publicamente da vida financeira da dupla, resultante da exposição na internet.
Mas, no entanto, assegurou que é fruto das criatividades na internet que hoje conseguem pagar o arrendamento da casa em que a família vive, a escola, móveis, roupas, telefones e transporte.
As gêmeas são igualmente representantes de várias marcas comerciais e regularmente são chamadas para participarem de eventos e festas cujo preço fica entre os 350 e 400 mil por cada uma. “A nossa mãe não gosta muito que falemos de dinheiro. Mas podemos assegurar que hoje vivemos disso. É a nossa principal ocupação”, frisou.
“Regulamentação e organização são necessárias”, diz especialista em marketing digital
Nelson Canga, especialista em marketing digital, disse que a produção de conteúdos digitais é uma actividade que pelo mundo vem ganhando novos profissionais, pelo que Angola não é excepção.
Conforme referiu, quer para questões de entretenimento, divulgação de serviços e outros interesses, as pessoas singulares e colectivas estão, actualmente, a preferir recorrer à produção de pequenos conteúdos direccionados à internet de formas a alcançar o maior número de utentes, pelo facto de as redes sociais hoje serem, inegavelmente, o palco congregador de maior número de consumidores.
De acordo com Nelson Canga, até as próprias televisões a nível do mundo estão a imigrar para transmissões via internet, porque conseguem alcançar o maior número de consumidores e parcerias.
Para ele, embora a criatividade na internet seja uma actividade livre, ela carece de apoio do próprio Estado na organização e reconhecimento destes profissionais, por gerarem dinheiro e contribuir para a redução dos níveis de desemprego.
O especialista entende que, à semelhança de outros países, Angola já devia ter legislação própria para regularizar a produção de conteúdos na internet que tenham como propósito a protecção da criatividade e da segurança social dos fazedores destas actividades.
“Porque é preciso saber que, embora estejam a nos entreter, esses jovens, envolvidos na produção destes conteúdos, estão a trabalhar e dão emprego a outras pessoas que com eles trabalham. Então, tendo em conta que vêm crescendo, devem ser maior protegidos pelas instituições”, defendeu.
CNJ defende produção de conteúdos digitais alinhado às boas práticas
Ameio à fama e ganhos financeiros que retiram desta actividade, muitos criadores digitais têm pautado para a divulgação de conteúdos que mancham o nome e a reputação de certas pessoas e instituições, espalhando, em forma de gozo, falsas notícias.
A este respeito, recentemente, num encontro com os denominados “influenciadores digitais”, que decorreu em Luanda por iniciativa do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), de que é presidente Isaías Kalunga, este afirmou que, “hoje em dia, um influenciador digital tem a missão de ajudar o Estado angolano no combate ao crime, à violência a todos os níveis contra as mulheres e crianças e ao vandalismo, às notícias falsas, vulgo fake news, e a outros males que enfermam o país”.
Para isso, o CNJ pretende engajar-se para caminhar junto das pessoas que desenvolvem a moderna actividade de “influencia dor digital”, os criadores de conteúdo na Internet, e desenvolverem paradigmas de uso das redes sociais que sejam úteis para a sociedade. Isaías Kalunga disse ter conhecimento que os influenciadores digitais têm atravessado diversas dificuldades, como a aquisição de material de trabalho, nomeadamente telefones digitais, computadores, discos rígidos, câmaras, acesso à Internet de qualidade, para produzir os trabalhos.
O presidente do Conselho da Juventude, que prometeu prestar apoio aos influenciadores, afirmou que “a sociedade angolana espera que os mesmos ajudem no sentido positivo para que tenhamos uma comunidade que comungue dos mesmos valores, que paute por condutas em que sobressaiam a solidariedade, fraternidade e a igualdade de oportunidades para todos.
Sociólogo defende protecção de menores de conteúdos inadequados
Por seu lado, o sociólogo José Lourenço entende que a criação de conteúdos digitais é um procedimento normal, desde que não atenta contra as famílias e as instituições. Para o académico, o foco deve ser sempre na perspectiva do entretenimento, com respeito às pessoas que seguem estes conteúdos, sobretudo crianças.
“É preciso que estes criadores de conteúdos percebam que existe diferença entre humorista e influencer. Algumas vezes, pessoas sem noção acabam ofendendo a dignidade da pessoa humana com a produção destes conteúdos. Precisamos punir”, alertou. Outrossim, José Lourenço disse ser fundamental que os conteúdos criados sejam positivos e que contribuam para o bem-estar das pessoas.
A este nível, disse ser necessário chamar a atenção dos pais e encarregados de educação da necessidade de monitorização das actividades digitais dos menores de formas a protegê-los de eventuais conteúdos inadequados. “Sabemos que é impossível impedir as pessoas a estarem conectadas, mas é possível monitorizar os conteúdos que chegam às famílias através das redes sociais. É necessário e urgente, por conta da necessidade de protecção das crianças e adolescentes”, defendeu.