Mais escolas para formação artística, infras- estruturas adequadas, fundo de apoio e uma política cultural melhor dimensionada são elementos fundamentais para o desenvolvimento do país por via das artes, de acordo com o actor e produtor, Simão Paulino, em entrevista a OPAÍS. Com esse nicho resolvido, disse, não se ficará preso aos recursos não renováveis que hoje alimentam o Produto Interno Bruto (PIB). E, apesar disso, abordou de forma clara as valências da produção nacional, em que manifesta tristeza com o facto de parte da história da Rainha do Ndongo e da Matamba – Nginga Mbande – ser encenada por cidadãos de outros pontos do globo
Qual é a caracterização que se pode fazer das artes cénicas feitas no país, de modo geral, e em Luanda, em particular?
É muito abrangente olhar para o sentido e poder fazer uma avaliação pormenorizada, mas vou trazer aqui alguns elementos. Hoje, felizmente, nós temos estrutura de formação ligada ao teatro; falo concretamente do ex-Instituto Superior de Arte (ISART), agora Faculdade de Arte (FART), adstrita à Universidade de Luanda, e o Com- plexo das Escolas de Arte (CEART). Ou seja, não temos apenas formação para o teatro, mas para as diferentes disciplinas artísticas. Por um lado, temos esse ponto de par- tida que é vantajoso e importante para o desenvolvimento e crescimento da actividade artística. Com a existência destas duas estruturas olhamos com alguma satisfação, embora muito aquém da nossa realidade, porquanto nós temos 18 províncias. E era pelo menos importante que em cada uma tivesse uma ou duas instituições do género para poder acudir a demanda. Por outro lado, é o escoar destas pessoas que se formam.
Como assim?
Era importante conceber-se um sistema integrado. Primeiro, mui- tas das pessoas que se formam podiam dar formação nas instituições artísticas vocacionas à arte. Seria um ponto. Mas as instituições de ensino do Estado também podiam pegar nestas pessoas formadas, para darem aulas nas instituições em que se formaram, como uma forma de ressalvar a questão do desemprego pós-formação.
Como é que está hoje o “casamento” entre os autodidatas e aqueles que passaram por uma formação quer no país ou estrangeiro?
Com as escolas cá, os autodidatas procuraram aliar o talento à formação? Há muita gente a estudar, mas, ainda assim, como já fizemos referência, não é suficiente. Feliz- mente, a globalização tem as suas vantagens, pois hoje, por via de qualquer plataforma, podes capa- citar-te rapidamente com professores em qualquer parte do mundo, porque há aulas inclusive gratuitas. Mas o autodidatismo não pára. Ou seja, mesmo noutras partes do mundo a cada dia nasce um talento. Agora, agregado a isso, podes aprender mais daqui e dali para se ter mais domínio sobre o assunto e isso ainda acontece.
E em relação às infras-estruturas… Continua a ser tema de várias conversas entre os membros da classe?
Essa é precisamente outra questão. As infras-estruturas para a representação das actividades. Hoje em dia é difícil termos um grupo ou companhia capaz de dizer: estou em cartaz. Ou durante seis meses faço espectáculos. Não temos isso, por causa do vazio que podes encontrar em relação às infra-estruturas. Nós tivemos um Teatro Avenida, um gigante que até hoje não se sabe o passo que vai dar. Temos agora a ex-Assembleia Nacional que, por força de um Decreto, pode ser transformada em uma ‘Casa das Artes’, mas ainda não sendo uma realidade, fica na expectativa. Temos um Elinga Teatro que nos ajuda a se socorrer; tens uma LAASP, que vezes há tens de misturar com os velórios; e tens o Horizonte Njinga Mbande, um espaço que recebe e congrega muitas pessoas. Mas, de um modo geral, há déficit muito grande, isso em relação a Luanda. As demais províncias também têm salas. Ou são muito caras para se fazer espectáculos nelas, ou são salas adaptadas. E de adaptação é o que temos estado a viver, por falta precisamente de salas convencionais para o teatro.
A inexistência de espaços apropriados não retira qualidade na produção e apresentação da obra?
Felizmente, os grupos têm feito o seu papel, assim como as organizações dos festivais. Em momento algum e aqui devo reconhecer o papel fundamental de nós artistas, que ao invés de ficarmos no choro, no grito e no barulho, temos feito a nossa parte. Não paramos e continuamos a dar a nossa luta. A outra questão tem a ver com o financiamento, ou seja, apoio às actividades artísticas de um modo geral. Não existem apoios. E quando digo que não existem apoios é mesmo no sentido de que, se alguém consegue, no meio de 100, provavelmente cinco conseguem e os demais é o tal “se virem nos 30”.
Sente que não há interesse inclusive do empresariado em apoiar as artes, além daquilo que é a responsabilidade do Estado?
Na realidade, gostava de perceber o que é que se passa. Porque a actividade artística é rica e gera mui- to dinheiro. É importante que se diga isso, gera muitos empregos e garante, por exemplo, a construção de estradas e de mais escolas. E de- pois, a não ter diversidade de desenvolvimento financeiro ou económico, por via das artes também vamos sentir amanhã quando notarmos que o petróleo já não basta. O mundo hoje já pensa de outra forma. Quer o petróleo, quer o diamante, amanhã poderão não ser os elementos chaves. As lutas provavelmente poderão ser água, porque em muitas partes do globo o precioso líquido está a acabar. Ou poderá ser a arte como em outros países, em que já se dá a devida importância dessa actividade como trabalho. Então, ao não ser visto nessa perspectiva, todos nós nos questionamos para saber o que é que se passa em nós mesmos, em não valorizar a nossa actividade artística nas mais variadas disciplinas.
Como é que se pode reverter esse quadro?
Vou-lhe dar um exemplo ainda na senda do que dizia. Se anunciarmos um espectáculo de um artista estrangeiro, no Cine Atlântico que custa 30 a 40 milhões de Kwanzas, vai haver dinheiro para um dia. Quando os nossos artistas aqui pedem às vezes para 40 ou 60 espectáculos, como temos visto em festivais, esses valores não saem da cartola.
Acha que não se acredita no potencial artístico nacional e mais no estrangeiro, sem qualquer desprimor ao produto e produção local?
Não é que não se acredita. Acho que se acredita. Sabem que a gente tem feito muito com pouco. Há é uma varinha que precisa ser descoberta para nós entendermos realmente o que é que se passa. Nós temos de nos gostar mais. Nós temos dificuldade em olhar para o potencial de alguém e dizer assim: vamos tornar esse num activo do país. Podíamos pensar Matias Damásio, Anselmo Ralph, Sílvio Nascimento, Borges Macula, Álvaro Macieira, Etona, Yuri da Cunha, Bonga e outros. Tínhamos de torná-los activos. Ou seja, tudo o que toca ou faz-se tem de significar dinheiro. Dinheiro para o país. Porque se ele ganha e paga impostos, é muito dinheiro que vai aos cofres do Estado. Quando ele se torna num activo, significa dizer que tem de ter uma equipa, e esses são todos assalariados. E toda gente assalaria- da deve pagar impostos. Quer dizer, enquanto não pensarmos nisso e entendermos que o artista sempre que o precisarmos, só serve para o básico, quem perde não é o artista, é o país.
De quem dependerá essa transformação?
Precisamos dizer assim: o fulano tem talento nisso e é grande nesse sentido. Temos de o valorizar. Pagar o que o artista deve merecer. Enquanto não formos abertos nesse sentido, mas entendemos que o que está lá fora é o que podemos pagar mais, não crescemos. Quem perde somos nós. Nós temos essa e aquela riqueza, mas tudo tem tempo. Entretanto, temos sorte de ter empresas como Endiama, Sonangol, Unitel, Movicel, Angola Telecom, Ensa, Catoca. Temos muitas instituições. E, felizmente, a nossa terra nos dá essa riqueza e sorte. Ainda temos outras estrangeiras que actuam no nosso país. Tal como acontece no Brasil, não pode haver um filme feito no país e não ter assinatura de uma Sonangol ou de qualquer outra empresa nacional. É inconcebível sobretudo para quem esteja fora numa Petrobras e a pergunta é: qual é o fundo de uma Sonangol para a cultura? Porque o Governo não pode, sempre que discute o OGE, fazer cobertura para a actividade artística. Não consegue porque tem uma pilha de despesas. Entende-se, mas pode recorrer a outras empresas por via
da Lei do Mecenato.
Uma Lei do Mecenado bonita, mas que na prática nada se vê?
Falta que ela seja regulamentada. Ou seja, não misturar água e óleo tudo no mesmo sítio, pois se não levares ao fogo para ferver não conseguirás ter a mistura desejada, por- que vai estar sempre separado. Então nós temos essa confusão sobre a Lei do Mecenato, e depois a sua aplicabilidade ainda é de muita discussão. Há uma série de coisas que ainda não estão estruturadas, porque precisava de uma discussão consistente para o empresariado poder perceber que só tem vantagens sendo mecenas. É corrigindo esses aspectos que vamos ver que teremos desenvolvimento, não somente passando pelo sector petrolífero. Não podemos ter pessoas que de manhã são advogados e de noite vira artista.
Diante desse emaranhado de dificuldades, os artistas continuam resilientes, como diz. Com isso, temos mais qualidade ou quantidade?
Temos uma mistura dos dois. Nos outros sítios em que há dinheiro, com fundo para o efeito, editais etc., encontras qualidade e ao mesmo tempo quantidade. Pese embora a actividade artística seja imensurável. Nós, infelizmente, não temos crítica, e esse seria um elemento para crítica. Mas é fundamental que hajam pessoas especializadas que tragam elementos essenciais em relação às obras nas diferentes disciplinas artísticas. Quando não tens um fundo que funcione como tal, as pessoas fazem com o que podem. Não para abusar ou desrespeitar quem vá assistir; não é essa a perspectiva que trago. Porém, imagine que eu dentro da minha criatividade faça uma viagem aliada à técnica, que queira ter um avião e um barco.
O avião para baixo e barco para cima e tal. Preciso chamar especialistas para os vários cenários que vier a pretender. Para cada uma dessas pessoas que vai gastar o seu tempo, você precisa fazer injecção de valores. Cada uma das coisas que você implementa, em qualquer espectáculo e em qualquer modalidade, todas elas têm justificativas. Mas há vezes que não tens os elementos e você coloca porque acha que esteticamente fica bem. Só consegues ter uma planificação exitosa se tu (na pior das hipóteses) receberes dinheiro agora para um espectáculo que só vai acontecer em Dezembro. Aí tens tempo para preparar tudo. De qualquer modo, muito trabalho de qualidade tem sido feito.
“Njinga Mbande tem um pendor histórico muito forte”
Não acha oportuna que a construção de salas de artes cénicas acompanhem a expansão demográfica de Luanda, com o surgimento das centralidades e do Zango enquanto distrito populacional? Creio que o Governador Manuel Homem estará atento a essas situações, porque é muito ligado à juventude, e quem lida com essa franja ouve muitas coisas. Penso que ele terá alguma preocupação nesse sentido. Por esse motivo é que falei que existe uma varinha mágica que precisa ser tratada. Como é que um projectista, que trata de um espaço habitacional à dimensão de um Zango ou de outras centralidades do país, não põe infra-estruturas adequadas para esse efeito. E logicamente quem trabalha aqui na cidade e viva ou no Zango ou Sequele, que depois do serviço que já deverá ser complicado, tenha pernas para regressar à cidade para um espectáculo. Não há corpo que aguente. Para haver essa excepção, o espectáculo de- verá ser extremamente importante. De contrário é quase impossível. Daí acreditar também no vice-governador para área política e social, Manuel Gonçalves, que é um homem ligado à cultura. Quem sabe isso poderá ajudar para que se dê resposta às necessidades que se impõem em relação à província de Luanda.
Apesar de tantas dificuldades, com o pouco continua-se a fazer muito. Qual é o denominador para essa resiliência da classe artística?
Uma das coisas que os artistas têm em mente é o valor que o seu papel tem junto da sociedade. Inclusive junto das entidades que deviam tomar alguma decisão para o bem- estar deste sector e para o bem deles também. Sabe o que é ficar horas e horas na Assembleia Nacional, por exemplo, em que um diz aprova e outro não, com discussões acesas etc., mas quando vão à uma sala de teatro, de cinema, dança, música ou ver uma obra de arte, parece que aquele mundo das discussões, dos conflitos etc., dá uma pausa pela harmonia que lhe é dado a ver. É esse papel terapêutico que os artistas sabem que têm, é o que nos move a continuar a fazer o que a gente faz. Repare que os outros sectores empresariais quando não há dinheiro, a solução é imediata: encerra. Desemprega as pessoas. Mas os artistas não fazem isso. Até parece que os grupos de teatro apesar das dificuldades tendem a crescer mais. Para além da questão da terapia, eles têm como informar a sociedade sobre qualquer assunto. E muita gente se revê nos assuntos espelhados e são capazes de dar solução a algum imbróglio quer familiar, de trabalho, de saúde ou de qualquer outra natureza por acompanhar um produto artístico nas suas diferentes modalidades. É por esse papel galvanizador que temos que nos faz não desistir dela. Tem de haver um fundo de apoio à actividade artística.
O caso recente da pandemia e o confinamento por conta do Estado de Emergência, acha que os artistas jogaram um papel fundamental…
E não só. A única coisa que nesse período colocou as famílias mais bem-dispostas, depois de ouvir- mos a muitos relatos de morte, estresse, enfim, noutras partes do mundo que já vivia esse período e nós só viemos a vivê-lo em Março de 2020; o que começou amenizar esses ânimos, foi a activida- de artística. As lives, de música, dança, teatro, assistir a bons filmes, etc., fez com que as famílias em casa começassem a encontrar um outro campo interessante para poder abordar, sendo que todos os outros sectores tiveram que parar. A actividade artística foi o bálsamo para toda uma situação gritante que se vivia nessa altura. É importante deixar claro que só não desistimos por conta desse papel que jogamos na sociedade.
Vocês jogam esse papel fundamental com provas dadas, mas no vosso seio veem-se como aliados ou concorrentes?
As duas coisas. Somos concorrentes no bom sentido. Não de guerrilha e de confusões. Agora, claro, não vamos pintar aqui que no nosso seio tudo seja perfeito. Somos seres humanos, temos os nossos egos e há coisas que as vezes ocorrem dentro do nosso sector, mas que ao mesmo tempo são dirimidas e resolvidas.
Não é o que parece que esteja a acontecer com a direcção da Associação Angolana de Teatro (AAT)? O que tem a AAT?
Eu Simão faço parte da mesma direcção, o que a gente está a discutir da AAT é que aconteçam eleições. E temos de produzir todo um dossier para que este acto seja realizado. É em função disso que não está acontecer. Tudo o resto, as dificuldades não são em função da associação. E sim da conjuntura do país.
Temos informações que não convocacão das eleições fez com que alguns se demarcassem da actual direcção?
Sim, imagine que estejas na condução e eu não esteja de acordo. É normal que tenhamos isso. É só essa perspectiva que existe. Não temos conflitos como muita gente quer fazer entender, porque supostamente já há dinheiro e por isso alguns estão a desistir. Não é na- da disso. Para quem teve a oportunidade de acompanhar as nossas dissertações, na LAASP ainda no mês de Dezembro, toda a nossa comunicação foi no sentido de chamarmos atenção para que fosse produzido todo um dossier que promovesse a realização das eleições. Porque esse processo tinha de ocorrer em 2019 e não aconteceu. A medida em que fomos preparando surgiu, em 2020, o problema da COVID-19. Mesmo depois de algum alívio das medidas trabalhamos nalguns dossiers, ainda assim não ocorreu, 2021, em 2022 ficamos nessa do faz não faz. O que estamos a dizer é que os membros que saíram não sejam apontados como pessoas que queiram ficar com a associação, não. Faço par- te das pessoas que disseram não. Não me tratem com esse rosto, falo de mim e de outros colegas como se quiséssemos fechar a AAT. Ainda que queira recandidatar- me é fundamental que aconteçam as eleições. É um exercício democrático, que emana de um estatuto que a nossa associação exige periodicamente.
Como é que podemos descrever o casamento entre as artes cénicas e a literatura?
Vários clássicos da nossa literatura foram levados ao palco. Entretanto, parece que esse frenesim parou. Porquê? Há um livro, que não sei quando é que estará à disposição do público, que traz essa discussão e como proposta do que deve ser feito com essa perspectiva. A literatura é importante que aconteça e em outras paragens já nos mostraram que tem sempre gente para sentar e pensar numa ideia fabulosa e ele a descreve com profissionalismo para que as pessoas depois possam saborear. E se você que não tiveste o mesmo tempo que ele teve, e ir à busca do que o outro já fez, consegues trazer um produto bem mais acabado. E isso vai voltar a acontecer provavelmente.
Não lhe parece que houve ruptura?
Creio que houve um período de ruptura. Já se pegava em vários livros de autores nacionais e se levava aos palcos. E se calhar aqui posso evidenciar algumas questões: as vezes tem a ver com os direitos de autor. Vezes há em que o autor não quer determinada coisa e vem impor sobre o trabalho que está a ser feito. Há aqui toda uma necessidade de haver um casamento perfeito entre quem já escreveu, perceber depois que a adaptação tem os seus rasgos. Pode não trazer a fidelidade da obra como tal.
Quais seriam as outras questões?
A par dessa questão é o facto de provavelmente haver desinteresse dos grupos de uma maneira geral, que consideram que eles mesmos podem escrever. Mas é fundamental que façamos esse rebuscado de fazermos o casamento entre a literatura e as outras actividades que dependem às vezes de um texto para continuidade do seu projecto. Há uma obra de autoria de Adalberto Luacuti, “Pedido só no cemitério”, que foi levada ao palco pelo Miragens Teatro. Uma obra excelente. Se mais grupos tiverem essa ousadia teremos esse casamento perfeito e será muito interessante.
Em relação à produção audiovisual. Como é que está esse sector?
Igualmente difícil, de batalha, de muitos desafios, mas ainda assim com alguma consistência. Repara que há agora uma plataforma (Diamond Filmes), que está a proliferar muitos trabalhos de produção nacional. Já produziu “O Rio”, está em cena “Mahinga”, esteve ou está a passar a “Njila” no canal Kwenda Magic, mas isso ainda não cobre um país que só tem 18 províncias, 164 municípios, numa extensão de 1.246.700 km, que tem uma possibilidade enorme de fazer coisas gigantescas. Angola é maior que muitos países. Não se pode acreditar que Portugal consiga produzir vezes mais que que nós, por exemplo. Isso resulta também de questões financeiras.
Mas temos canais além do Kwenda que podem por via deles difundir mais conteúdos que possam chegar a todo o país?
Temos de repensar o país. Não posso aceitar, por exemplo, que o Kwenda Magic consiga passar produtos nacionais, quando temos uma Televisão Pública de Angola e uma TV Zimbo, que ao invés das cenas locais estão a passar no- velas e séries chinesas. Podem até dizer que há menos custos, não façam isso. Isso é grave.
Não será eventualmente porque não temos produção que possam corresponder com a demanda?
Não é isso e se calhar devia-se colocar a questão de outro modo. Não temos, você incita com que haja produção. E para reverter esse quadro é simples: já fiz referência das nossas empresas nacionais. No âmbito da estrutura de cada uma delas, devia haver massificação nacional em todos os sentidos. Pão, leite etc., tudo nacional. A actividade artística a prioridade deve ser para o nacional. Depois, claro, podes ir buscar outras valências, pagar uma novela estrangeira, por- que isso ajuda para um exercício comparativo. O Brasil não começou tudo como vemos hoje, perfeito. Começou com falhas. Nós também podemos ter falhas. Atenção que novela dá muito dinheiro. A TPA pode ter outras prioridades internas, mas não precisa esperar que o OGE venha a dar cobro a essas situações. Senta com as em- presas.
Como é que recebeu a notícia da produção de um conteúdo local, refiro-me à história da Rainha Njinga, que está a produzido por Jada Smith e interpretado por actores nigerianos e vai ser exibida na Netflix?
Que não deixem de contar a nossa história. Oxalá, estejamos atentos a esse pormenor, porque de contrário pode originar numa desinformação total em relação à nossa realidade. Njinga Mbande tem um pendor histórico muito forte, que na decorrência da sua existência permitiu que o povo angolano fosse independente. Então é aqui onde temos de ter esse cuida- do. Ou que eles digam que é apenas uma obra artística que só pegaram o nome, não tem absoluta- mente nada a ver. Mas eles têm um potencial tão grande que as vezes nem conseguimos chegar lá para discutirmos esse assunto.
Acolheu bem essa informação?
Não vejo com negatividade essa iniciativa. Vejo apenas com alguma tristeza
Porquê?
Era mais interessante que fosse- mos nós a contar com melhor propriedade, seria muito mais impactante, embora já tivéssemos feito com a produção da Semba, mas ainda assim nós podemos fazer vá- rias vezes Njinga Mbande em diferentes frentes. Você não consegue retratar a Rainha num filme em seis meses. Há muita coisa sobre ela para ser contada. De qual- quer modo, isso serviu de alerta, que afinal a nossa história é tão interessante e há pessoas na América que levaram actores nigerianos para fazer Njinga Mbande.
E temos outros, como Ohamba Mandume, Agostinho Neto, Jonas Savimbi, Holden Roberto, José Eduardo dos Santos, homens que partiram e estiveram em muitas lutas, assim como os que antecederam os nossos revolucionários, enfim, temos muitas coisas bonitas para contar, não só de pessoas, como também do potencial ao nível do nosso país. Portanto, é fundamental que se crie uma estrutura que faça com que o país ganhe muitos rendimentos em todos outros cantos, mas fundamentalmente porque a actividade cultural pode ser um grande gigante para o desenvolvimento do país sem termos de ficar presos ao petróleo. Temos de pensar em viver com outros sectores que muito têm para oferecer para o bem-estar de todos.
Percurso Simão Paulino é actor e produtor. Está ligado a actvidade artística fundamentalmente pelo teatro e o cinema (audiovi- sual). O jovem cedo percebeu que tinha que falar mais alguma coisa, além daquilo que era visto, e nutria uma paixão pelas ciências da comunicação. Dessa maneira contribuiria para o bem-estar da sociedade informando e entretendo. Essa perspectiva de vida levou-o a questionar-se o que é que poderia fazer para casar as suas pretensões. Daí ter surgido na sua vida um senhor de nome Primázio, que à época pertencera ao Horizonte Njinga Mbande, e das conversas mantidas com o jovem Mano, que o recebeu e começaram os primeiros exercícios teatrais na escola 704 no bairro Hoji Ya Henda, no Cazenga, bem defronte à residência em que morava.
Depois de algum tempo, por intermédio de um amigo Marcelino, conheceu “Ti Diva” e o senhor Virgílio do Elinga Teatro, e daí entra para o grupo Pérola Real. Tempos depois, e com o grupo desfeito, entra efectivamente no grupo Horizonte Njinga Mbande, onde ganhou mais maturidade artística, fundamentalmente à actividade teatral. Depois desta ligação, cria com outros colegas a Companhia Teatral Dadaísmo, em que está vinculado até ao presente momento, como actor e produtor num percurso que já leva mais de 20 anos. É igualmente CEO da produtora Arte’Ousada & Comunicação