Querido por muitos e designado como o rei do Kuduro, o músico e com- positor Esfilêndio dos Santos, mais conhecido no mundo artístico como Sebem, está decidido em lançar um novo álbum para brindar os fãs, sem sequer subir aos palcos para apresentá-lo. Mas deixa claro: depois deste álbum vou dedicar-me somente à música gospel, como forma de agradecer a Deus pela vida
como está o Sebem em termos de saúde?
Estou a recuperar, só que está a de- morar muito. Mas, de saber que vim de longe, isso me dá força para seguir e ter paciência, tendo em conta de onde saí e onde estou agora. Eu não sei o que contribuiu para esta recuperação, mas não vou parar com isso. Não sei se são as minhas orações ou a fisioterapia que estão a me ajudar na recuperação. Faço oração. A minha medicação já acabou, não faço mais há muito tempo. Agora tudo depende da fisioterapia. Conforme estou, só no corpo é que falta força. Consigo ficar de pé, mas às vezes começo a ficar tonto e isso deixa-me com medo. Por isso, evito para não correr risco, porque uma vez já caí.
Lançou, recentemente, o vídeo clip “Paranóias do Kilander”. Cmo decorreu o processo de gravação do trabalho?
Eu tenho uma maquete. Pretendia tirar um novo disco antes de me encontrar nesta situação. Mas, pensei, enquanto estou doente vou mudar de vida. Vou cantar gospel. Mas, como tinha a maquete guardada decidi trabalhar nela. Quer dizer que a maquete está à espera da minha saúde. Então decidi que este será o último disco em que vou fazer nestes estilos, porque depois vou cantar gospel, a agradecer a Deus pela minha saúde.
Este disco, “Onde é que eu estou”, que pretende lançar, apesar de não ter definido a data, será uma oferta para os seus fãs?
Sim! A música “Paranóias do Kilander” é uma deste projecto. O Dj Pedjon é meu amigo há muito tempo. Apareceu um dia e disse: vamos fazer um video-clip. Chamei-o de maluco, por causa da condição em que me encontro. Ele disse-me: meu irmão, você não está doente. Veste algo, sobe no meu carro que te vou levar numa banda. Só tens que ficar de pé e vamos-te filmar. Às vezes não devemos dizer não aos nossos amigos. Achei um pouco estranho, porque não queria aparecer. Lembro que ao me preparar ele me instruía. Quando sentei na cadeira e comecei a tocar, as moças estavam admiradas, parece que pensavam que era alma de outro mundo.
Não acreditaram no que estavam a ver. Estavam a cantar “Coveiro filipado” e foi então que pedi para colocar a música “Paranóia do Kilander” que tinha no telefone. Todos ficaram admirados e queriam saber quando tinha gravado a música. Expliquei que a fiz antes de ficar doente, mas que não tinha sido divulgada. Foi assim que ele faz o vídeo, pôs a circular nas redes sociais e está a ter sucesso. Ligou-me a contar que o video-clip está a ter sucesso. Muitos que viram ficaram admirados.
É um estilo diferente daquele que já fez, o Kuduro. Como foi o processo de escolha desse estilo?
É do estilo Jazz. Daqui a pouco vão ouvir um Semba. Tenho oito músicas gravadas, estavam todas guardadas. Só quis tirar quando ficasse melhor. Para ser claro, essas músicas já existiam. Há quem pensou que fiz agora, mas era um projecto guardado, antes de eu ficar do- ente. Então, não tinha como tirar a música. Estava aí a deus dará, mas há quem está a gostar da música. O Pedjon é quem teve essa ideia, esse sonho. O que se fez é pegar novas imagens e pôr no vídeo. O vídeo é que é novo, mas a música é antiga. É um som que para os mais velhos não precisam se mexer muito.Por isso digo que há males que vêm para o bem.
Qual é a mensagem “oculta” nesta composição musical?
Kilander é o clandestino! Aprendi sobre clandestino em Portugal. O preto é tipo o clandestino: ele não quer saber do dia de amanhã, por- que ele não tem família, não tem nada. Dorme aqui, acorda ali. Não quer saber de nada. Se ele beber água é uma vitória, se comer algo é vitória. Quer dizer que ele não tem responsabilidade de nada.
Isso indica que vai começar com o processo de gravação de algumas músicas?
Isso é uma forma de agradar aos meus amigos. Então, quando ele veio com a história do vídeo-clip, achei tudo muito estranho e perguntei onde ele poderia arranjar dinheiro. Disse-me que precisava apenas da minha imagem. Que poderia ficar naquele local sentado, pausado, já que o resto foi gravado noutra área. Ele brincou com aquelas imagens e fez o vídeo. Fizemos o Kilander há dois meses.
Com isso teremos o Sebem de volta aos palcos?
Não quero mais.
Por que razão não quer voltar a subir aos palcos?
Porque, às vezes, a vida é assim. Eu tenho dito: quando nós estamos na ribalta não queremos saber do dia de amanhã. Mas com essa doença nós aprendemos muita coisa. Nós sabemos quem é quem. Estávamos num mundo que nem ligávamos. Agora, com essa doença paramos e reflectimos.
Mas, ao gravar esses vídeos terá a necessidade de apresentá-los ao público, em distintos eventos. Não vai acontecer assim?
Nessas coisas posso ir, mas não para cantar. Há dias ligaram-me num senhor, para ir numa festa de apresentação da filha dele. Garantiu-me muito dinheiro, ainda as- sim não aceitei. Por isso, digo que há coisas que nós temos que negar. Porque é assim: muita gente quer ver até aonde nós vamos chegar. Mas a vida é uma escola e nós aprendemos com os erros. Ainda hoje estava a falar para a minha trabalhadora: estou sozinho, seguro aqui e ali para conseguir subir na cadeira de rodas. Mas assim amanhã vai vir a minha família porque, porque… quer dizer, você luta sozinho e onde é que eles estão?! É neste momento que cada um deve- ria estar aqui. Um dia caí, mas subi na cadeira de rodas tipo nada. Essa é a luta da vida. É por isso, quando disse no “Paranóia do Kilander” que vou sentar na cadeira e vou tocar viola, eles ficaram admirados.
Mas conseguiu cantar um pouco?
Cantar é o nosso sonho. Quer dizer, podemos deixar, mas aquilo fica no nosso coração. Alguém estava a me dizer para fazer uma letra, mas disse-lhe que a minha vida já é uma letra. Isso que estou a passar agora é uma letra. Só que, para chegar aos corações das pessoas tenho que cantar louvor, porque se for com uma batida elas vão querer ir ao ritmo. Mas se for louvor, elas vão querer ouvir a mensagem.
Então vai mesmo trabalhar com a música gospel?
Sim. O álbum do Kilander vou apenas entregar aos fãs. Mas, a partir do momento em que sair este disco, será tudo gospel. Eu vou cumprir só a missão de lançar um disco porque já está feito. Só não tiro agora por causa da minha situação. Depois deste, para frente, será só gospel.
Para além da Kizomba e o Jazz, o álbum vai ter outras sonoridades, como Kuduro?
A maior parte das músicas é Ku- duro. São mais aceleradas, com um ritmo angolano em que eu pus guitarra, batuque… O bitt já existia, mas encima pus batuque e guitarra. Tem apenas duas músicas que são diferentes. São músicas que já cantei há muito tempo. Lembro que cantei com o músico Jeff Brown e ele estava a me ensinar a cantar em Umbundo. No princípio, quando ainda não tínhamos a maquete, o Jeff apareceu, disse: meu irmão vais cantar isso. [Deu- me a letra] e explicou o significado da letra.
E tem mantido contacto com os seus amigos?
Ainda ontem ligou-me um amigo e pediu-me para falar ao Pedjon que: você não é mais rei. Rei é o Pai Diesel e outros, mas você é um astro. Então, pronto. Eu só estou a espera do Pedjon para lhe dizer que rei está fora de questão.
“Toda minha inspiração vai já ao mundo religioso”
E a questão dos palcos, como vai ser?
Vou subir apenas ao palco da igreja.
E se surgirem muitos convites para se apresentar aos fãs, já que é um artista muito querido, com vários sucessos no país e no mundo, ainda assim não vai ceder?
Tudo na vida é tentador. E nós, às vezes, temos que saber dizer não. O disco “Onde é que eu estou” será um presente para os fãs. Vou gravar os vídeos, mas ainda não temos uma data para o seu lançamento. Não sei ainda quando é que será lançado. Na altura do seu lançamento vou apenas fazer a sessão de autógrafos e pronto.
Então é já uma decisão definitiva?
Sim! Os meus amigos dizem que Deus me ama muito. Mas eu pergunto: será?! Mas dizem-me para não duvidar muito. Você se repara bem, você já podia bazar. Se estás aqui é porque Deus te ama muito. Então, essas coisas é que nós não conseguimos falar.
Essa é a única forma que achou adequada para agradecer a Deus pela vida?
É a única forma de agradecer a Deus. Quer dizer: toda minha inspiração vai já para o mundo religioso. É a única forma… a minha vida em si é uma letra. Não vou perder tempo em escrever agora, porque vou imaginar ontem onde é que eu estava e onde estou agora. Não me interessa escrever de hoje para amanhã. Eu não falava em condições até no ano passado. Quando quisesse fazer alguma coisa tinha que fazer sinal com os olhos. Comecei a falar de repente. O que vai completar a minha felicidade vai ser quando começar a ficar em pé sozinho.
Que mensagem deixa aos fãs, que estão expectantes com a publicação do vídeo-clip?
É o que eu digo: tudo na vida tem o seu tempo. Muita gente, muitos cantores não estão preparados para esse tempo, o que exige muita mudança. Quando nós estamos quase a cair, mas ainda aparece alguém que nos levanta. Agora, você que estás a nascer podes cair nem dás conta. Estava a perguntar sobre muitos cantores e me disseram que já morreram, que já não existem. Depois daquele sucesso que tive, alguém disse que vale a pena você que está aqui em casa. Você dorme e espera o dia de amanhã.
Quer dizer que cada dia é um dia. Então você não pode mais cometer o mesmo erro. Às vezes na vi- da tu não sabes se Deus te deu uma oportunidade. Deus disse: vai ficar numa cadeira de roda um tempo. Quando você ficar bom não vale à pena saltar corda. Então, com o bocadinho de saúde que ele te dá, você às vezes quer subir no carro, quer já mostrar tudo. Mas o que acontece é que você tem que ficar em silêncio.
E como vê o seu percurso artístico?
A minha música “Felicidade” está a concorrer em grandes eventos ao nível do mundo, mas não conseguem falar disso, o que seria uma forma de incentivo. Quando nós elogiamos o trabalho de um cantor, incentivamos a nova geração e terão este artista como espelho. Isso quer dizer que falta a força da informação. Entendo que, muitas vezes, há músicos com muitos ciúmes. Nós nunca roubamos, por- que não queremos ver o nosso no- me manchado. A nossa mãe nos ensinou a não roubar. Dizia, roubar é pecado. Que, se bateres na Bíblia a tua mão vai colar. Então, a partir daí nós ficamos com medo. Por isso, fomos à música como uma forma de salvação. E, hoje, queremos que os nossos seguidores sigam o mesmo caminho.
Falou sobre a sua música “Felicidade”. Gostaria que os jovens artistas cantassem mais as suas composições musicais?
Até não, porque eles cantam noutro ritmo. Só que nós, para termos um percurso artístico tivemos também que seguir os mais velhos, porque nós eramos fãs deles. Então, nasceu um respeito que perdura até hoje pelos mais velhos. Razão pela qual, queremos ser um espelho, exemplo a seguir. Queremos que os nossos filhos também sejam um exemplo.
Como vê, hoje, o trabalho dos kuduristas?Está satisfeito com o que têm feito?
Eles são imediatistas. Depois chegam numa fase da vida que parecem estar sufocados, porque o imediatismo é assim: hoje você têm e amanhã não tens. Eles estão preocupados com o dia de hoje, não querem saber do dia de amanhã. Não se importam em lançar agora um sucesso, porque querem ser famosos de imediato. Sonhar como um músico de verdade custa. O músico tem muitas lutas. Há coisas, às vezes, que antes de fazermos devemos olhar ao nosso redor, porque com o nosso trabalho atingimos muita gente.
E as obscenidades apresentadas nas danças e nas composições como vê?
O Kuduro é um ritmo que tem que fazer dançar toda Nação. Por exemplo, temos a “Dança da família”, não lembro o nome do artista, o “Do Milindro”, do Agre G, o “Vamos Lá”, de Madruga Yoyo, são danças que um ministro ou Presidente vai dançar. Ele tem que criar danças ou músicas que se tornam moda, que possam ser apreciada pelas várias faixas etárias. Não estou a ver um ministro a dar espargata ou mesmo a mulher dele. Até o filho deles. Não estou a ver o filho de um ministro a dar cambalhota. Chega uma fase da vida que tudo depende de até aonde o teu nome vai.
Quando não conseguem atingir o objectivo aparecem com ofensas. Nós não podemos fazer tudo que tivermos na cabeça, porque temos que pensar na nossa família, nos nossos filhos. Por exemplo, perguntei à filha, se ser filha do Sebem é chato? Ela me disse que é melhor não falar. Isso porque, se fizeres algo de errado, ela também será mal vista no meio onde estiver envolvida. Por outra, a minha música “A Felicidade” traz uma mensagem infinita, porque todos nós queremos a felicidade. Também, às vezes, a comunicação social falha muito.
Como assim (…)
Porque, quando um artista lança uma música, ainda que não tem talento neste trabalho, todos na comunicação social tocam esse trabalho. Muitos se jogam de cabeça na música e sentem-se já famosos. O difícil, às vezes, é sustentar essa fama.
Perfil
Esfilêndio dos Santos, mais conhecido por Se- bem, nasceu em Luan- da, a 07 de Agosto de 1977. Começou a sua carreira musical na Banca de Lu- anda, como animador de cerimónias. Destacou-se com as músicas, “Paranoías”, “Meteu Dibengo”, “Coveiro Filipado”, “Felicidade”, “Makumba”, entre outros hits. Pai de três filhas, Sebem apostou no Kuduro de corpo e alma, já foi o cantor mais popular de Angola nos anos 90 pela sua forma de actuar. Viveu na vila de Viana, na rua Al- bano Machado, em casa dos seus pais, porém de- pois se mudou para a Vila Alice por causa da legião de fãs que acorriam à porta da sua casa todos os dias.
Depois de ter sido acometido por uma enfermidade, o kudurista foi a Cuba, em Novembro de 2013, em busca de cura para as fortes dores de cabeça que sentiu, pela primeira vez, durante um espectáculo. Ainda assim, continuou a apresentação. O primeiro diagnóstico foi de que Sebem teria um tu- mor na cabeça. Em seguida, os médicos consideraram que tinha um parasita no sistema nervoso. Uma doença rara provocada pela larva Taenia Solium que pode entrar no organismo através da ingestão de água ou alimentos.
O cantor teve então de ser submetido a uma cirurgia, tendo, posteriormente, permanecido em coma durante dois meses. Ainda em Cuba esteve internado no Hospital de Hermanos, em Havana, Cuba, para tratar uma doença no sistema nervoso denominada neurocisticercose. Quando acordou, Sebem conseguia reagir apenas com piscar dos olhos. Em Maio de 2014 regressou a Luanda, onde tem continuado o seu tratamento