António Njinga Natchicussy nascido na aldeia da Chicala, município do Kipungo, província da Huíla, é músico, compositor e intérprete de música folclórica, investigador cultural e jornalista, autor de múltiplos sucessos como “Vina”, “Ovelhe”, entre outros que evidenciam a Cultura Angolana de raiz. Estas duas, felizmente, concorreram ao recém-terminado Top Rádio Luanda, na Categoria do Folclore. Em entrevista ao jornal OPAÍS, o artista fala da sua participação no concurso, da experiência granjeada e das acções preconizadas no domínio artístico
Começamos pelo nome. Njinga Natchicussy o que significa? Njinga Natchicussy, traduzindo para português, significa “Chapada Sem Mão”.
Definindo, Natchicussy é aquele filho que as pessoas ignoram a sua capacidade de um dia vir a ser alguém e, de repente, alguém vê essa pessoa a progredir e diz ‘Oh wau, este ali chegou’!
Que avaliação faz da sua participação no recém-realizado Top Rádio Luanda na Categoria de Música Folclórica?
Foi uma experiência sem igual, que aos poucos, com o estilo folclórico, estou a abrir caminhos e as pessoas estão a entender e a gostar.
Prova disso é que tive a felicidade de participar num dos Tp´s mais concorridos do país, que é o Top Rádio Luanda.
Não ganhei e felicito a que ganhou, porque na verdade, isso é uma concorrência e tem alguém que vença, principalmente na minha categoria que é o folclore.
O mais importante é que a sociedade conheceu, ouviu e hoje está curiosa em descobrir quem é afinal Njinga Natchicussy.
Isto faz-me muito feliz porque eu vim do povo e ao povo voltarei. Este povo que muito me acarinha e que incansavelmente votou em Njinga Natchicussy sem hesitar e ver-me no palco mais brilhante da Kianda, o Palco da Rádio Luanda.
Mas, tal não aconteceu.
Pelo contrário sinto-me feliz pelo facto de ter participado e ter posto a minha voz neste grande programa, que é o Top Rádio Luanda.
O que representa a música para si?
A música é o elemento principal na minha vida.
Foi o primeiro dom que descobri em mim enquanto ser vivo, enquanto ser humano e enquanto homem, porque tão cedo comei a cantar e daí nunca mais parei até aos dias de hoje.
O que o levou a optar pela música folclórica?
Optei pela música folclórica, por primar pelo patriotismo, respigar e trazer à superfície os nossos valores ancestrais.
Quando é que decidiu seguir a carreira musical?
Em 1992. Tinha na altura 14 anos. Fui para a Direcção de Massificação Cultural da Província da Huíla e pedi ao responsável para cantar.
O director, sorrindo, olhou para mim e procurou saber o que eu queria cantar. Voltou a questionar, em quem te inspiras menino?
Eu disse que inspirava-me no músico Jacinto Tchipa, por cantar coisas nossas e com uma certa tendência para o patriotismo.
Curioso, o director, disseme registe a sua música.
Registei a minha primeira música e deramme um passe da Cultura.
Este passe envaidecia-me e incentivava-me a prosseguir porque já era conhecido como cantor. Neste passe vinha escrito: Categoria: Músico Popular.
Eu me sentia bem.
Com o andar do tempo, ainda no Lubango, achei que tinha que explorar mais o meu eu, e nesta de ir à Rádio, no caso, a Emissora Provincial da Huíla para entrevistas, senti que havia necessidade de eu fazer qualquer coisa que engrandecesse o meu mundo em termos de jornalismo.
Foi assim que nesses anos, ainda na década de 90, vejo-me a colaborar na Rádio Huíla, fazendo crónicas da minha própria iniciativa.
Na verdade, lembro-me como se fosse hoje, tinha na crónica passagens obrigatórias e eu dizia: Assim reflectiu o AJNB a partir das Terras Frescas do Lubango, o Castelão da Nossa Senhora do Monte.
Quando Njinga Natchicussy diz AJNB, são iniciais do meu próprio nome.
António Njinga Natchicussy “Bwana”.
Este último, era o meu nome artístico.
Porquê Bwana?
Em Angola vivia-se a presença das tropas da SWAPO, braço armado Governo Namibiano e havia lá um senhor chamado Bwana. Simpatizei-me com ele e adaptei o nome Bwana. Questionei-o quanto ao significado deste nome.
De forma simpática, disse-me que Bwana, na Namíbia, significava Rei e assim ficou o meu nome artístico registado na Massificação Cultural da Huíla.
Mas tarde, eu vi, porque não usar as minhas iniciais, e assim o fiz.
Quando é onde apresentou-se pela primeira vez ao público e qual foi a canção que interpretou?
Apresentei-me ao público nos anos 80, na Escola do Ensino Primário nº 61, fazendo música infantil, numa Sala de Amizade e a minha interpretação musical na altura foi cantando uma música de Teta Lágrimas, “Amizade Colorida.
Claro, com umas inversões minhas.
E a partir dai começou a despontar em mim a arte. Só não sabia se um dia as coisas chegariam onde estão.
Como reagiu o público?
A reacção do público foi a mais positiva possível e surpreendeu e admirou a muita gente. Era uma gama de professores, colegas que na altura assistiam-me. Estava na altura a fazer a 4ª classe.
Os professores diziam que eu tinha valor, tinha talento e tinha muito a dar pela frete. Lembro-me das professoras Mimy, em memória, Ana Bimbi Chipa, a professora Rita, a professora Lídia e outros, que olharam em mim e viram o valor pela frente em termos artísticos.
Com que impressões ficaram os seus colegas?
Assim como eu, outras crianças também queriam cantar na Sala da Amizade. Lembro-me da Geny, a minha colega no ensino primário. Foi uma reacção muito positiva e só não sabia que iria levar avante a arte.
Como já disse em várias entrevistas, a música está em mim no sangue.
É uma herança do meu falecido pai.
O meu pai cantava muito bem e o que ele me deixou de herança é o valor artístico, o valor musical.
A herança de um pai não é apenas o dinheiro ou os bens materiais, é também, o espírito dessa pessoa.
Foi ele quem o incentivou na arte musical?
Sim, foi o meu pai. Ele cantava mas não dançava Vingondja e chegou a influenciar os filhos com o canto.
O meu pai cantava muito bem e o que ele me deixou de herança é o valor artístico. A sua voz era ouvida em toda a aldeia e toda a gente sentia.
Pelo talento, o meu pai foi apelidado de Mbula Non Ndaka Yo Nguendjo, Nehaneka. Em português significa “A Voz do Sino”.
Era assim que a comunidade o chamava. As pessoas sentiam!
O seu nome verdadeiro é António Natchicussy e para a comunidade, Mbula por ter uma voz comparada ao som de um sino.
Esta voz que muitos de vocês ouvem é uma das melhores heranças que o meu pai me deixou. O meu pai deixou-me a herança do canto.
A herança de um pai não é apenas o dinheiro ou bens materiais. É também, o espirito desta pessoa.
Além de cantor e compositor também é jornalista e investigador cultural. Fale-nos da sua experiência neste domínio?
Njinga Natchicussy, na verdade, é músico, é jornalista, é investigador cultural. E como se não bastasse, membro das Forças Armadas Angolanas.
O jornalismo vem na medida em que fui-me descobrindo que tinha queda para o mundo dos microfones, para o mundo das letras.
Os meus primeiros passos neste domínio deram-se na Rádio Huíla, na altura, como simples colaborador.
Escrevi algumas crónicas e muitas vezes, alguns casos para pensar, nos programas Bom Dia, Bom Domingo e Viva À Tarde, programas estes, quero acreditar, estão na Grelha da Rádio Huíla, isso na década de 90.
Na altura, era estudante e residente no Lar de Estudantes 14 de Abril.
Lembrar que eu vivia no Lar, o Orfanato e foi este Orfanato que fez este homem que é hoje o Njinga.
Fruto da perda dos pais, fui ali parar.
O que retratava nas suas crónicas?
O dia-a-dia da vida.
Lembro-me ter criado uma das crónicas que às vezes deixavam as pessoas embaraçosas, onde dizia fazer do mar o lugar para os peixes e da terra o lugar para tubérculos.
Não fazer do mar o lugar para Bombas Nucleares e a terra, para minas. Era uma crítica social, apelando à paz.
Quais são os motivos que o levavam a apelar à paz?
Alguma coisa despertava em mim. Sou órfão de guerra. Conforme eu disse na minha introdução, vi o meu pai a ser morto e não teve direito a um caixão.
Foi comido por cães, pelos pássaros e talvez por bichos da terra. Não tínhamos como o enterrar e os outros camponeses também.
Isso ocorreu em 1986, em Kipungo, na aldeia da Chicala.
Não quero culpabilizar A nem B, porque onde há guerra, há desgraça!
Como aparece no programa “Quintal do Dionísio” da Rádio Cultura Angola?
Eu apareço no programa de Dionísio Rocha como Investigador Cultural, trazendo temas resultantes das investigações feitas no interior do país e muitas vezes no Norte e no Leste.
Estas são as regiões em que tenho feito as minhas investigações, trazendo aode cima, a verdade de um povo angolano.
É bem verdade que não se pode ter como tabú, uma verdade que vem dos nossos ancestrais, uma verdade que nos foi contada de geração em geração, e, simplesmente, tenho a missão, enquanto vivo, de deixar algo escrito e dito.
É assim a minha estadia no “Quintal do Dionísio”.
Como é trabalhar com Dionísio Rocha na Rádio?
Trabalhar com Dionísio Rocha é trabalhar com alguém que abre os caminhos de uma História Verdadeira, que demonstra o verdadeiro sentimento de patriotismo.
Dionísio Rocha é aquele mais velho que não é ganancioso no seu saber.
Pelo contrário, procura trazer à ribalta a Nova Geração e transmitir aquilo que é a nossa Cultura, aquilo que todos nós precisamos saber sobre a nossa Cultura.
Como são abordados os assuntos culturais nesta rubrica, sobretudo a tradição oral?
Da forma mais amigável possível e a forma mais coloquial possível.
O nosso objectivo é sempre esclarecer quem está em casa, de modo que esta pessoa participe também e estejamos sincronizados com os ouvintes.
Como vai a investigação cultural e quais foram as regiões percorridas?
A investigação é contínua e eu tenho vantagens nas minhas investigações para saber um pouco mais da nossa Cultura.
A minha ocupação enquanto militar, onde for normalmente não só vou buscar matérias do fórum militar, mas também do fórum profissional e civil.
É necessário trazer alguma coisa acima.
Os nossos hábitos e costumes.
É necessário despertar as pessoas.
Precisamos de ser o que somos.
Somos um povo que conhece a sua história, um povo que simplesmente, fruto da colonização, foi perdendo a essência.
Foi-lhe retirado o pensamento de ser e gostar realmente do que é seu.
As investigações feitas no interior do país e muitas vezes no Norte e no Leste de Angola. Estas são as regiões em que tenho feito as minhas investigações, trazendo acima a verdade de um povo angolano.
Que acções tinha preconizado no ano transacto e não chegou a concretizar?
Acho que consegui cumprir, em 2022, alguns projectos meus.
Foi em 2022 que Njinga Natchicussy forjou-se como tal e foi também em 2022 que as descobertas, principalmente pela Midia, começaram sucessivamente a ir além.
Este ano 2023, é dar sequência àquilo que não consegui conquistar neste período.
Vou-me entregar mais de corpo e alma e como me tenho entregado.
Agora já não é só um compromisso com Njinga Natchicussy.
Começa a ser um compromisso com a população e com a própria Nação Angola.
Isto para mim é o mais importante, estou pronto.
O seu projecto discográfico inclui também videoclipe. Qual é o título?
O videoclipe intitula-se “Vina” e foi produzido na cidade do Lubango.
É um trabalho que contou com a participação do grupo folclórico, Kamatembas da Humpata e foi lançado em Janeiro último no Memorial Dr. Antonio Agostinho Neto.
É um retrato fiel dos hábitos e costumes do povo Nyhaneka, as suas vivências, em particular os Mwmwilas e vem mostrar ao mundo a existência de um povo que resistiu à colonização, no caso, os Nyhanekas, os Hereros e os seus subgrupos, que não se deixaram encurvar à gravata portuguesa, preferindo manter as suas tradições, as suas vestes e suas residências originas, em detrimento de casas construídas com princípios europeus.
Eu não chamaria a esses povos de atrasados, uma vez que conseguiram manter os seus hábitos e costumes, a sua educação caseira, no Tchoto, o local de aprendizagem para a posteridade e ainda continuam a transmitir as suas histórias de forma oral.
Esta comunidade ao contar as suas histórias de forma oral no Tchoto, sabe o que fazer e dizer para respeitarem os seus superiores, a humanidade e cumprir os princípios, mesmo que os falem.
Tem alguma aproximação a esta grande comunidade?
Eu sou uma dessas pessoas, cuja educação foi-lhe passada de forma tradicional no Tchoto e desafio os chamados civilizados, ignorantes da sua Cultura a terem coragem de assumir que foram também educados da mesma forma, à volta uma fogueira com trê pedras que sustentavam a panela de barro.
Não me perguntem se preciso de um resgate porque fui civilizado no Tchoto e educado de uma forma tradicional.
Hoje, somos os filhos que somos, respeitando os outros.
É preciso lembrar, para que se conheça a originalidade da nossa angolanidade.
Se tudo o que foi feito no passado é algo para esquecer, estaríamos a olvidar a nossa própria identidade.
Em que actividades espera dedicar-se cada vez mais?
Vou continuar a trabalhar, dar o meu máximo em relação à carreira musical, fazer música folclórica.
Acredito que quem a faz prime pelo patriotismo e eu acho que sou patriota por esse caso. Rebusco e trago os valores dos nossos ancestrais e, acima de tudo, sou um patriota.
As pessoas que não parem de apoiar o Njinga Natchicussy naquilo que é a sua carreira, independentemente de estar a participar no Top Rádio Luanda, mas também noutros projectos.
Espero de vocês o maior apoio possível. Tenho uma população que acredita em mim. Tem gente que diz que vale a pena.
O que dizem os seus familiares e amigos em relação à actividade artística?
Uns incrédulos, achavam que Njinga não iria longe.
Outros apoiam e como apoiam. Agora, mais do que nunca, sabe-se que Njinga não faz a arte apenas por fazer. Mais do que uma arte é um Dom em mim.
Então, os amigos e familiares meus, apoiam-me, e alguns ficam a perguntar se realmente é aquele sonho de criança que se tornara realidade.
Por isso, é que eu digo, os incrédulos não acreditam no que vêm.
Mas, mesmo assim, estamos a seguir e a seguir bem.
Trajectória
Músico, compositor, investigador cultural, jornalista e oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), é filho oriundo das Terras do Kipungo.
Nasceu na aldeia da Chicala, onde tão cedo, como é comum a actividade de cada menino na região, apascentava bois e cabritos, e dedicava-se também à caça de pequenos animas, como pássaros, como é a vida lá de qualquer pessoa do campo.
Também ajudava o pai na lavoura. Já com uma certa idade, o seu pai matriculo-o numa escola que pertencia a uma Unidade Militar.
Infelizmente, esta foi uma matrícula de pouca duração, visto que estava-se em época de guerra.
A escola foi atacada e deixou de funcionar.
A situação política do país era crítica e o seu pai foi vítima desta guerra.
Njinga viu o seu pai a ser morto e não teve direito a um caixão.
Lamentavelmente, conforme ele disse, foi comido por cães, pássaros e bichos da terra. Triste!
Não tinham como enterrar o progenitor, por sinal um feliz camponês, que muito preocupava-se com o bem-estar dos filhos e da família, e não era político.
Para Njinga, restam apenas Saudades Eternas, pela forma inesperada como se despediram.
Devido ao clima de instabilidade reinante na época, Njinga e outros tiveram que deixar a aldeia e seguiram para a cidade do Lubango, onde tinham um tio a residir e juntaramse a ele.
Depois de algum tempo, o seu tio decidiu levá-lo para o Orfanato da Escola Provisória na Huíla, em 1986, e mais tarde, no Orfanato da Escola dos Rapazes.
Foi daí, que partiu para o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório.
Na altura, o país também precisava da sua colaboração para a defesa desta terra mártir e assim Natchicussy foi passando em diferentes regiões militares, culminando na capital do país, Luanda.