Tem-se dito que a música é uma ferramenta poderosa para transformar vidas, mudar histórias ou até mesmo tirar alguém de um caminho desviante, para além de servir também de terapia emocional para “adoçar” a vida de um adulto
Definida como a combinação de ritmo, harmonia e melodia, a música é, sobretudo, uma manifestação artística e cultural de um povo. Ela é, se não, a forma mais encantadora e livre de se expressar sentimentos, emoções, desejos, pensamentos ou contar vivências.
Na província de Luanda, concretamente no distrito do Rangel, um total de 90 crianças e adolescentes, com idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos, estão a beneficiar de aulas gratuitas de piano, violino e guitarra na escola de música Santa Cecília, situada na rua B7 do bairro Nelito Soares.
Serenos, astutos e cautelosos, seguindo os passos e compassos, e ao som dos instrumentos, os pequeninos sentem que suas vidas ganharam um novo rumo desde que passaram a ter contacto com a “magia” da arte musical naquela instituição de carácter filantrópico. Isaac Joseph, de 14 anos de idade, é aluno do curso de guitarra há mais de 5 meses e conta que se interessou pela arte através da sua mãe, que o levou a se inscrever nas aulas e praticar os ensinamentos artísticos.
Segundo explica, a música o tem ajudado a superar os obstáculos e barreiras da vida, em especial no campo social. Sendo pouco sociável, Isaac conta que sofre de ansiedade, e é por meio da música que tem conseguido se relacionar com outros adolescentes da sua idade com maior facilidade, coisa que não conseguia fazer antes de frequentar as aulas de guitarra.
“Como, às vezes, fico com um pouco de vergonha de falar em público, ela me ajuda bastante a controlar a minha ansiedade e fico mais calmo quando estou a tocar um instrumento”, disse. Para ele, a música é um bom remédio para acalmar o nervosismo e afastar a tristeza, e afirma que quando se sente triste recorre à sua guitarra para aliviar o estresse.
“Quando estou triste, sinto que a música me deixa calmo e mais relaxado”, afirmou. Já Teresa Gomes, de 15 anos de idade, que é estudante do curso de violino há 6 meses, disse que a música tem sido a sua fiel companheira em quase todos os momentos do seu dia-a-dia.Apaixonada pelos instrumentos de corda, a mesma contou que desde sempre teve interesse em aprender a tocar instrumentos musicais, nunca tinha tido a oportunidade.
Segundo a aluna, desde que ingressou ao núcleo de Santa Cecília despertou o melhor de si e é actualmente uma das finalistas do seu curso. Sorridente e bem-disposta, Teresa afirma que tem na música o segredo para se manter sempre com boa disposição e positiva. “A música está sempre comigo em todos os momentos, principalmente nos momentos tristes, ela é a minha companhia que nunca me deixa sozinha”, expressou. Música como terapia emocional Emanuel Rufino é aluno do curso de violino há 5 meses, e afirma que a música tem servido de terapia emocional, lhe permitindo aprender a conter as suas emoções negativas, sobretudo a raiva que o tornava num menino agressivo.
“Antes de frequentar a escola de música, eu era alguém mui- to agressivo, quase tudo resolvia com brigas e gritos, mas a música me ajudou a conter a minha raiva e hoje quando estou nervoso procuro tocar um pouco para me acalmar”, disse o adolescente de 16 anos de idade. Quem também tem a música como sua terapia emocional é a estudante Tomásia Maino, formanda do curso de violino há 4 meses, que contou ter a arte musical como um calmante para os momentos de difíceis ou de angústia. A mesma afirmou que “ a música é a sua maior alegria” porque quando toca “a tristeza sai, a mágoa desaparece e o coração fica mais leve e alegre”. Com 14 anos de idade, Delson Diogo, que frequenta o curso de violino há 5 meses, disse que desde a infância sempre teve paixão por instrumentos musicais, em particular o violino, por esta razão optou por aprender e hoje sente-se realizado por puder praticar sem muita dificuldade.
Educação artística, cívica e patriótica
Embora seja uma instituição de ensino artístico, os valores morais, cívicos e patrióticos são considerados indispensáveis no processo de ensino e aprendizagem do Núcleo de Música Santa Cecília, como contou a directora da instituição, a Madre Emiliana Bundo. Segundo a responsável, aos alunos são passados conhecimentos teóricos e práticos sobre artes, mas também sobre o respeito dos princípios bases que regem a convivência entre sociedades, suportados pela componente religiosa, sendo que a instituição é supervisionada pela igreja Católica.
Defende que a música e a arte em geral, quando bem ensinada, tem a capacidade de transformar o indivíduo por dentro e por fora, tornando-o numa preciosidade para o bem de toda a comunidade. “A música devolve à pessoa aquilo que o mundo, com as suas tribulações, o terá retirado, que é a essência da bondade que arte desperta no indivíduo”, começou por explicar. Para a directora, mais do que for- mar artistas, a arte tem o papel de formar bons cidadãos, bons profissionais e excelentes seres humanos, ressaltando que a serenidade que a arte, quando bem instruída, exige de quem a pratica leva o homem a ser disciplinado e exemplar.
Descoberta de carismas e tendências
Outra componente indispensável no processo de ensinamento das artes, segundo a directora, é a capacidade de distinguir ou despertar o carisma que a criança possui quando se propõe aprender uma arte. Explica que durante o processo de selecção dos alunos para serem admitidos na instituição, os pequeninos passam por uma avaliação especial, onde são testados em diferentes áreas artísticas de formas a descobrir qual a maior tendência ou inclinação que a criança apresenta, para posteriormente ser devidamente encaminhada. “Há crianças que quando chegam querem fazer aulas de violino, mas quando colocadas no teste de aptidão, nós descobrimos que a criança tem maior tendência para o órgão (piano), e nós as encaminhamos delicadamente para que ela não perca o seu carisma”, explicou.
Maior valorização da formação artística
A escola de música Santa Cecília surgiu por iniciativa da comunidade do distrito do Rangel, inicialmente com o objectivo de ocupar os tempos livres dos pequeninos com aulas de música, porém, posteriormente passou a preocupar-se também com a educação cívica e patriótica dos alunos, primando pela retirada de muitos adolescentes dos caminhos desviantes. Sendo uma instituição de carácter filantrópico que tende a contribuir pela preservação dos valores sociais e culturais no seio das comunidades, os formadores têm procurado passar aos educandos conhecimentos e aptidões que os possam tornar agentes activos no processo de valorização das artes e da sua formação. De acordo com o professor Raimundo Salungo, formador de violino, há necessidade de se transmitir desde a base o conhecimento sobre a o importante que a arte desempenha no processo de desenvolvimento das sociedades.
O também artista entende que, de forma geral, a arte tem sido pouco valorizada a nível de todo o território nacional, tanto na sua expansão ou emancipação, as- sim como a própria formação artística. Entende que devia haver um maior investimento e incentivo na formação artística, defendendo que é um sector que muito tem contribuído para a redução do índice de pobreza, desemprego e de criminalidade. “Se pararmos de marginalizar a arte, veremos que ela é um sector que tem ajudado muitos jovens a saírem das drogas, do desemprego ou da prostituição. Ela trans- forma a vida do ser humano, por isso devemos incentivar as pessoas a praticarem alguma arte”, defendeu.
Por sua vez, o professor Arnaldo Afonso, formador de violão, disse que a formação artística tem sido fundamental no processo de formação da personalidade das crianças e adolescentes, sublinhando que muitas delas aprendem a descobrir o seu “Eu” por intermédio das artes que os “obriga” a olharem para o seu interior e buscarem o melhor que nele existe. Trazendo a sua história de vida como exemplo, o formador frisou que se o conhecimento for bem transmitido e com o devi- do acompanhamento, a criança torna-se num verdadeiro artista digno de respeito e exemplar, assegurando que a formação no seio familiar é a base. “Eu sou artista, sou casado e chefe de família, e vivo da música há anos. Aquando da minha formação, a minha mãe sempre apoiou-me, pois o meu pai já é falecido e isso fez de mim o que hoje sou. O segredo é ter o apoio e o acompanhamento dos pais”, apontou.
Sobre a escola Santa Cecília
Inaugurada a 19 de Fevereiro do corrente ano, pelo arcebispo de Luanda, Dom Filomeno Vieira Dias, a instituição é fruto de uma parceria entre a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima e a Fundação ObraBella, enquadrada nas acções de contributo para a melhoria da vida nas comunidades. De acordo com Nanga Kiala, representante da fundação, a instituição, erguida no Centro Pastoral da Ressurreição, situada no bairro Nelito Soares, Rua B7, procura contribuir activamente na formação de uma sociedade melhor, potenciando os alunos com aptidões teóricas e práticas. A instituição conta com mais de 80 alunos, três turmas, repartidas em dois turnos, sendo que em cada turma estudam 15 alunos por turno, e 5 formadores que leccionam os respectivos cursos específicos.
Grelha curricular
A grelha curricular da escola Santa Cecília é constituída pelos cursos de Piano, Guitarra e Violino. Entretanto, a direcção fez saber que, a partir do mês de Dezembro do corrente ano, poderão ser abertos outros cursos como aulas de Saxofone, Marimba e Batuque. A direcção adiantou ainda que está a reunir as condições para a abertura de uma turma para aulas de música direcionada a adultos com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos. Projectos Entre os projectos da instituição destaca-se a intenção da constituição de uma orquestra constituída pelos pequeninos que poderão apresentar os seus trabalhos em vários palcos da cidade capital. A direcção está também a preparar a cerimônia de apresentação dos primeiros finalistas da instituição, num evento marcado para o próximo dia 03 de Novembro na Casa Cultural do Rangel, Rainha Njinga.