Criador da “anti-poesia” e vencedor do Prémio Cervantes em 2011, Nicanor Parra morreu esta Terça-feira, aos 103 anos, anunciou o Governo de Santiago
Professor de Física, definiu, com o segundo livro, “Poemas e anti-poemas”, publicado em 1954, o seu próprio destino na literatura chilena, contestando a poesia acomodada, cheia de pompa, escusadamente grave: “Durante meio século, a poesia foi o paraíso do tonto solene, até que cheguei e instalei a montanha-russa”.
Nascido na região mais ocidental da Província de Ñuble, em San Fabián de Alico, a 5 de Setembro de 1914, Nicanor Parra era o mais velho de nove irmãos, entre os quais a cantora Violeta Parra a pioneira da “nova canção chilena”, nascida há cem anos. Nicanor Parra recebeu o Prémio Nacional de Literatura do Chile (1969), o Prémio de Literatura Latino- americana Juan Rulfo (1997), o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana (2001) e o Prémio Cervantes (2011).
Era o derradeiro sobrevivente do “trio de grandes poetas chilenos”, que formava com Pablo Neruda e Vicente Huidobro, como a agência de notícias Efe o recorda: “o destruidor dos cânones tradicionais da lírica com os seus ‘instrumentos’ e a sua ‘antipoesia’, um dos grandes do ‘antissistema’” literário.
Fez apelo ao quotidiano, numa obra em que realismo e surrealismo se cruzam, com o “desejo de provocar e libertar” a linguagem. Aos poemas, gostava de chamar “artefactos”. “Passou demasiado sangue sob as pontes, para se continuar a crer que possa seguir-se um só caminho. Em poesia tudo é permitido”, escreveu. Licenciado em Física e Ciências Exactas pela Universidade do Chile, especializou-se em Mecânica na Universidade de Brown, nos Estados Unidos e em Oxford.
Foi catedrático de Mecânica Teórica durante 51 anos, na Universidade de Santiago do Chile, até 1996, onde fundou o Instituto de Estudos Humanísticos, com o poeta Enrique Lihn. Combatente pela democracia, passou períodos de exílio nos Estados Unidos e pertenceu à Frente de Intelectuais que se opôs ao general Augusto Pinochet. Apoiou a campanha pelo “Não”, no referendo de 1988, que levou ao afastamento do ditador.
Além de “Poemas e anti-poemas”, na sua obra destacam-se a obra de estreia, “Cancionero sin nombre” (1937), “La camisa de fuerza” (1968), “Artefactos” (1972), “Poesía política” (1983), “Hojas de Parra” (1985), “Discursos de sobremesa” (2006). Com Neruda escreveu “Discursos” (1960), livro de ensaios que marcou a literatura espanhola da época. As antologias “Poemas para combater a calvíce” (2014) e “O último apaga a luz” (2017) reúnem grande parte da obra de Nicanor Parra. Tradutor de Shakespeare (“Rei Lear”) e de manuais de ciências exactas (“Fundamentos de Física”, de R.B.
Lindsay e H. Margenau), escreveu: “O mais a que se pode aspirar é deixar duas ou três frases em órbita”. Em Portugal, surge na colectânea “Poesia do Século XX, de Thomas Hardy a C.V. Cattaneo”, com tradução de Jorge de Sena (Inova, 1978), em a “Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro”, traduzido por José Bento (Assírio & Alvim, 2001), e por Miguel Filipe Mochila, para “Acho Que Vou Morrer de Poesia” (Língua Morta, 2015).