O Império de Gungunhana e a campanha de Mouzinho de Albuquerque são o tema da trilogia que Mia Couto finda agora. A história da insólita captura do “Leão de Gaza”.
É certo que a causa tão prosaica não condiz com o lugar: da exótica e misteriosa África Austral, esperávamos enigmas quase mágicos, campanhas aventurosas, lutas corpo-acorpo ou prodígios cinéticos de antologia; no entanto, a grande proeza que convulsiona o século XIX Africano é a introdução do milho. Não será, obviamente, o único responsável pelo surgimento de impérios e guerras de toda a espécie; nem se pode subestimar o papel de alguns Homens prodigiosos ou dos sempre imprevisíveis desmandos da fortuna.
O acontecimento, porém, tem peso suficiente para ganhar a precedência no protocolo histórico. O bom sucesso do milho em terras africanas fez crescer, mais forte e vigorosa, a população nativa; a facilidade de o plantar em terras úberes libertou muitos homens da ocupação agrícola diária. Shaka, um guerreiro de contornos mitológicos, rejeitado pela tribo que levaria à glória – os Zulus, tribo até aí com pouca expressão — construiu em pouco tempo um império colossal.
A transformação de um grupelho de pastores numa letal máquina guerreira só tem paralelo com a evolução do império romano; a fulgurante conquista e subjugação de povos aparentemente mais poderosos poderia rivalizar com a contemporânea empreitada napoleónica. Ali, embrenhado no desconhecido interior Africano, formava- se num ápice aquilo que viria a ser o centro de todas as preocupações da África Austral.
Foi Shaka que, pela primei ra vez, conseguiu que um povo daquelas zonas tivesse um exército permanente; foi Shaka que mudou a forma de guerrear dos Angunes, que os pôs a perseguir e a aniquilar os inimigos derrotados, ao invés do tradicional ataque e fuga próprio dos seus antepassados. Foi Shaka o responsável por grandes migrações dos povos derrotados e foi a morte de Shaka, às mãos dos seus irmãos, que fixou a geografia humana oitocentista dos povos africanos. Mais ninguém conseguiu domínio tão extenso como o de Shaka. É com o seu declínio, então, que começa o Mfecane, a fragmentação dos povos que Shaka tinha unido, e que deu origem aos conhecidos Matabeles, ao Lesoto ou ao Império de Gaza.