Antes da proclamação da Independência, a literatura angolana passou por momentos distintos: o período inicial, que inclui autores como José da Silva Maia Ferreira, Joaquim Dias Cordeiro da Matta e Alfredo Trony, foi interrompido por uma conjuntura política adversa.
Esse silêncio literário só seria quebrado em 1934 com o lançamento de “O Segredo da Morta”, de António de Assis Júnior. Nos anos seguintes, este sector no país foi marcado pela literatura colonial, impulsionada pela Agência Geral das Colónias, sem espaço para o desenvolvimento de uma literatura nacional autêntica. Durante a luta pela independência, a produção literária angolana ocorreu maioritariamente no exílio, nas prisões ou nos maquis.
Ao falar da literatura angolana nestes 50 anos de Independência Nacional, o poeta, escritor e ensaísta António Fonseca explica que o primeiro momento do pós-independência foi um período de redescoberta da literatura nacional, estendendo-se até os anos 80, em particular, um período áureo para a literatura angolana, impulsionado pelo Trabalho Editorial e Internacionalização Nesta fase, o escritor nascido na década de 50 explica que a União dos Escritores Angolanos (UEA) e o Instituto Nacional do Livro e do Disco desempenharam um papel vital na divulgação e promoção da literatura angolana, principalmente por meio de co-edições com editoras de Portugal e do Brasil.
Além disso, a participação de Angola em feiras internacionais, como a de Frankfurt e São Paulo, ajudou a consolidar a presença da nossa literatura no cenário global. Com isso, destaca-se a atribuição do Prémio Noma, em 1985, a António Jacinto por Sobreviver em Tarrafal de Santiago.
Distribuição e acesso aos livros António Fonseca lembra que, a criação de empresas como a Empresa Distribuidora Livreira e Empresa Nacional do Disco e Publicações facilitou a distribuição de livros em todo o país, tornando-os mais acessíveis à população. Além disso, a presença de livrarias e bancas móveis permitiu que os livros chegassem a escolas, quartéis e fábricas, ampliando o acesso à leitura.
“A imprensa angolana, incluindo a TPA, RNA e o Jornal de Angola, passou a dedicar espaço significativo à literatura e aos seus autores. Programas e rubricas, como Vida e Cultura, promoviam e divulgavam obras literárias, com destaque para a literatura infantil”, destacou.
Segundo o escritor, durante os anos 80 surgiram importantes prémios literários, como o Concurso Camarada Presidente, e iniciativas como o Jardim do Livro Infantil, que visavam incentivar e premiar a produção literária, especialmente a voltada para o público infantojuvenil.
Nesta mesma década, conta, a literatura infantil experimentou um crescimento significativo, o foco na criação de obras para crianças, com base na cultura e nas tradições nacionais, um dos marcos dessa fase. Referiu que as obras como “As Aventuras de Ngunga”, de Pepetela e “A Caixa”, de Manuel Rui, marcaram o início de uma produção literária voltada para o público jovem, repleta de elementos da cultura popular e oral angolana.
“A colecção Piô-Piô, publicada pelo INALD, foi um marco importante, reunindo contos e histórias voltadas para a infância, com ilustrações simples e acessíveis.
O surgimento de obras e adaptações de contos tradicionais, como “O Leão e o Coelho” e “O Senhor Grilo”, contribuiu para a consolidação da literatura infantil no país”, recordou. Apesar da grande aposta nesta fase sublinha que a literatura angolana também enfrentou desafios, como a escassez de recursos e a crise económica, que dificultaram a produção e a distribuição de livros.
No entanto, a década foi marcada por um forte associativismo literário, com o surgimento de movimentos como o brigadismo literário, que levou a literatura a diferentes regiões do país e a angolanos no exterior.
Além disso, referiu, a literatura angolana dos anos 80 foi caracterizada pela diversificação temática, com autores explorando questões sociais, políticas e culturais. Obras como “Maiombe”, de Pepetela e “Quem me Dera Ser Onda”, de Manuel Rui, são exemplos dessa renovação temática.
Impactos da Guerra Civil e a Literatura
O escritor lembra que a guerra civil, que afectou diversas infraestruturas no país, não impediu o desenvolvimento da literatura. Pelo contrário, foi um período em que a literatura angolana ganhou força, com os livros chegando a diversos lugares, incluindo áreas de combate, e com a produção literária se expandindo de forma notável.
Após a proclamação da paz, conta, os ganhos para a literatura não foram tão evidentes quanto se esperava. “Muitos questionam a falta de investimentos e políticas públicas voltadas para a promoção e difusão da literatura nacional. A implementação da Política Nacional do Livro e da Promoção da Leitura, aprovada em 2011, trouxe alguns avanços, mas a literatura angolana ainda carece de maior visibilidade e apoio institucional”, apontou.
Desafios significativos
Nos dias actuais, para o escritor, a literatura angolana continua a contar com autores de referência e novos talentos promissores, mas enfrenta desafios significativos. Sublinha que muitos escritores emergentes não têm o suporte necessário para desenvolver seu trabalho, e há uma falta de plataformas adequadas para a promoção da literatura nacional.
“A aplicação efectiva da Política Nacional do Livro e da Promoção da Leitura, com a colaboração do Estado, escolas, famílias, sociedade civil e meios de comunicação, poderia ser o caminho para fortalecer a literatura angolana. Além disso, é crucial repensar o modelo económico do sector editorial, garantindo que a literatura se torne mais acessível e amplamente divulgada”, asseverou.
Conquistas e dificuldades
Em um panorama de 50 anos de Independência Nacional, John Bella, escritor e observador atento da literatura, destaca tanto as conquistas quanto as dificuldades enfrentadas pela produção literária no país.
Para si, é essencial observar a literatura angolana a partir de diferentes perspectivas, com ênfase na evolução do contexto político e social ao longo das décadas. Bella lembra que, embora a literatura tenha começado antes da independência, as primeiras publicações que marcaram o período póscolonial vieram após 1974, com destaque para o livro de poemas Sagrada Esperança, publicado no final daquele ano.
Poucos meses depois da independência, a criação da UEA consolidou um movimento literário nacional, dando visibilidade às obras de autores que, antes da Independência, enfrentavam a censura devido às suas temáticas de denúncia contra o colonialismo. “A escritora Maria Eugénia Neto, com o livro “E nas Florestas os Bichos Falaram”, publicado em 1977, é um exemplo dessa literatura de resistência.
A obra, concluída no exílio em 1972, foi um marco para a literatura angolana, abordando temas de luta pela libertação nacional”, enfatizou. Nos anos 80, com o advento das Brigadas Jovens de Literatura, Bella destaca os desafios enfrentados por esses novos autores.
Embora o movimento tenha sido crucial para a renovação da literatura, muitos desses escritores enfrentaram dificuldades para se afirmar em um contexto cultural e político ainda muito marcado pela intervenção do partido-Estado.
Afastamento do apoio Estatal A década de 90, com a introdução da economia de mercado, conta, trouxe uma mudança significativa para a literatura, especialmente com o afastamento do apoio estatal.
Diante das várias situações que têm impossibilitado o fomento da literatura, realçou que o país corre o risco de perder seu posto como uma das literaturas mais pujantes da CPLP, a menos que o Governo compreenda a importância da literatura para a cultura e a identidade nacional. “A literatura, sempre sem fins lucrativos, foi a mais afectada, com o abandono quase total do apoio governamental.
Isso reverbera até hoje”, sublinhou. Bella enfatiza ainda que, no cenário actual, a literatura infantil, considerada fundamental para o desenvolvimento da educação cultural das crianças, está negligenciada.
Dada a sua relevância, considera urgente mudar esse quadro. “Angola não é um país pobre em recursos, e parte desses recursos deve ser direccionada para apoiar a literatura”, argumenta.
Contributo dos novos autores na criação literária
Após os acordos de paz, Bella acredita que houve um esforço por parte dos novos autores para trilhar o caminho da criação literária, mas a falta de apoio institucional tem dificultado o avanço desses escritores.
Embora muitos continuem a criar, disse, os seus trabalhos estão engavetados, aguardando uma oportunidade de publicação. Pelo facto, considera essencial que esses autores tenham a chance de dar à literatura angolana a direcção que ela merece.
Ao fazer uma análise do sector, observa que o desenvolvimento da literatura depende de uma tomada de consciência colectiva.
“O escritor é um artífice do progresso social, e a educação é fundamental para isso. A publicação de livros deve ser uma prioridade nacional. As entidades de direito devem fazer uma advocacia rigorosa junto às empresas para tornar obrigatória a lei do mecenato, o que possibilitaria um maior financiamento e apoio à produção literária no país”, defendeu.
Valorização e apoio do sector
A escritora Marta Santos considera que o mercado literário funciona até agora graças à resiliência dos autores. Durante as várias décadas, a escritora considera que, em Angola, a cultura e a literatura ainda são tratadas como “parentes pobres, vistas como algo secundário, e os criadores, especialmente aqueles com poder de inovação, não recebem a atenção devida. Para a escriba, a valorização do sector é crucial para o desenvolvimento do país e para o reconhecimento da importância da escrita e dos escritores.
Explica que, a falta de apoio das editoras dificulta a produção e distribuição de livros no país. “Quando falamos de cultura, estamos falando de reeducação. Qualquer autor, para produzir, tem que custear as próprias obras, pois não há editoras que fechem contratos”, afirma.
Apesar das dificuldades, Marta Santos vê uma esperança na persistência dos escritores angolanos, por observar haver um grupo de autores que escreve com paixão, que vê com os olhos da alma e transcreve isso para o papel.
Aponta que a resiliência dos escritores mantém o mercado literário funcional, mesmo diante dos desafios. Para Marta, a criação de políticas culturais é essencial, mas que precisam ser acompanhadas de acções concretas.
“Não adianta criar políticas e deixá-las no papel. Quem assume um cargo na cultura deve saber que a responsabilidade é de transformar e dar visibilidade ao que é realmente importante”, defendeu.
O alto custo dos livros e a falta de apoio governamental, segundo a escritora, dificultam o acesso à literatura no país, onde o livro não vende porque é caro, e o mercado editorial enfrenta dificuldades. De igual modo, considera que o sistema precisa de ajustes para que possamos ver mais escritores angolanos a alcançar o público que merecem.
Ao falar da publicação de alguns trabalhos, referiu que a criação literária é um dom, algo sublime, mas a sociedade tem tratado a literatura como uma moda. “Hoje, escrever é visto como uma tendência passageira. Lançar um livro virou um evento social, mas o que realmente importa é o impacto do trabalho literário, que precisa de uma análise crítica e de continuidade”, defende.
Implementação do Plano Nacional de Leirura Marta também se mostrou séptica quanto à implementação do Plano Nacional de Leitura nas escolas. Considera que não basta ter um plano, mas também a necessidade de trabalhar para que seja eficaz.
“O problema não é a falta de políticas, mas sim a falta de comprometimento com o desenvolvimento cultural. Há muitos profissionais que desconhecem a obra de nossos escritores e, portanto, não podem avaliar de maneira adequada”, sublinhou.
Para Marta, mais do que apenas aplicar um plano para tornar a literatura mais acessível, é preciso envolver os autores directamente com as escolas, para que os estudantes compreendam o valor das obras e o significado de quem as criou.
Isso, por formas a dar visibilidade aos escritores e não apenas celebrar os lançamentos de livros. Por fim, reforça que a literatura tem o poder de transformar mentalidades e impulsionar o desenvolvimento de um país. “O escritor não muda o mundo sozinho, mas pode, sim, mudar as mentalidades. E isso é o que mais importa”, conclui.
A escrita, enquanto expressão cultural e criativa, segundo o escritor Carmo Neto, enfrenta desafios significativos, sobretudo no que diz respeito à diferenciação entre escrita artística e a escrita normativa.
Para o escritor, muitos autores cometem equívocos ao confundir a produção literária com uma linguagem desprovida de rigor técnico, algo que prejudica tanto a qualidade das obras quanto o ensino da língua nas escolas. “A distinção entre a língua como ferramenta comunicativa e como manifestação artística é fundamental.
A escrita criativa, por exemplo, permite um uso mais elaborado e inovador do idioma, enquanto a norma gramatical se preocupa com a precisão e a uniformidade.
Essa dualidade, porém, exige que escritores e estudantes tenham acesso a uma educação de qualidade que os capacite a compreender e aplicar as nuances da linguagem”, aferiu.
No passado, segundo o escritor, o ensino fundamental promovia exercícios regulares de redação e leitura obrigatória, o que garantia um maior domínio da língua. Actualmente, disse, essa prática tem perdido espaço, o que prejudica a formação linguística e criativa de jovens estudantes. Segundo o especialista, é essencial retomar esses métodos, além de criar iniciativas que estimulem competições literárias e a popularização da leitura em todos os níveis sociais.
Carmo Neto referiu que, infelizmente, a falta de incentivo à leitura e à escrita contribui para um cenário preocupante. Para exemplificar, realçou que, em Luanda, cidade com milhões de habitantes, as bibliotecas são escassas, o que desestimula o hábito da leitura e limita o acesso a materiais de estudo.
O que impacta directamente no desempenho dos cidadãos, reflectindo-se, inclusive, na produção de documentos oficiais com erros graves de ortografia e gramática. “A leitura e a escrita são ferramentas indispensáveis para o desenvolvimento cultural e intelectual de uma nação.
É preciso investir na criação de mais bibliotecas, na promoção de eventos literários e no incentivo ao consumo de livros. Somente assim será possível melhorar o desempenho dos cidadãos, valorizar a literatura nacional e garantir que as próximas gerações tenham um domínio pleno da língua portuguesa”, alertou.
Além disso, para o autor, a ausência de políticas públicas de promoção e valorização dos autores locais também impede o crescimento da literatura nacional, onde muitos escritores angolanos, embora possuam talentos reconhecidos internacionalmente, enfrentam dificuldades em seu próprio país devido à falta de apoio financeiro e institucional.