O livro é constituído por 54 poemas escritos na década de 80 e de 90 do século XX, e nas duas primeiras do século XXI, caracterizadas, respectivamente, pela restrição das liberdades fundamentais e pelo pluralismo de ideias, razão pela qual somente agora é publicado.
POR: Augusto Nunes
O historiador João Trindade garantiu, em Luanda, que a recém-lançada obra do escritor José Luís Mendonça dá sequência ao livro “Sagrada Esperança” de Agostinho Neto. O académico, que fazia a apresentação do livro “Angola me diz ainda”, do referido autor, ontem na União dos Escritores Angolanos, referiu que a obra traz o olhar do escritor sobre os múltiplos problemas existentes na sociedade angolana, desde o cerceamento das liberdades fundamentais à pobreza que grassa no seio da população, a luta pela sobrevivência, a corrupção (“gasosocracia”, um termo que o autor usa num dos poemas para referir-se ao suborno, uma prática muito comum nos nossos dias). Realçou o facto de cada poema trazer um diálogo que cada angolano deve fazer em torno dos problemas que se vêm arrastando ao longo do tempo.
Segundo o historiador, trata-se de poemas que, na sua maioria, foram escritos na década de 80, numa altura em que o contexto político não favorecia a sua publicação. “Este facto por si é um indicador para aferirmos até que ponto nos encontramos em termos de exercício dos nossos direitos consagrados constitucionalmente”, disse. O historiador sublinhou, que “Angola me diz ainda”, poema que dá título à obra, é o retrato dos vários problemas que vão do político ao social, não deixando de lado os de natureza económica, que afligem uma sociedade onde a corrupção tornou- se o meio de enriquecimento de uma minoria detentora de poder financeiro e se mostra indiferente ao sofrimento da maioria dos cidadãos, que pouco ou nada tendo lutam para sobreviver através da venda de sacos de água ou de cerveja, negócios feitos na rua e à porta da casa.
O historiador disse haver neste poema um lamento de quem se sente inconformado com a realidade sócio-política marcada pela pobreza extrema, a impunidade, a imposição do silêncio e do medo, agravado com o desaparecimento trágico de dois cidadãos, Cassule e Kamulingue, que reivindicavam os seus direitos, e de um outro, Cherokee, apreciador da música do rapper MCK. Referiu-se também ao fim trágico, em 1995, do jornalista Ricardo de Mello, director do Imparcial Fax, período em que a imprensa independente criticava o poder político, dando os primeiros passos num país onde a comunicação social foi, durante os primeiros 15 anos de independência, apêndice do Partido-Estado.
Homenagem a Ricardo Melo
José Luís Mendonça, além de poeta é jornalista, presta assim uma singela homenagem ao seu antigo colega de profissão num poema que publicamos aqui ao lado nesta página.
Homenagem a Ricardo Melo
José Luís Mendonça, que além de poeta é jornalista, presta assim uma singela homenagem ao seu antigo colega de profissão num poema que passamos em seguida: Em nome da liberdade de imprensa te imolaste ao Deus chamado trilhões. Tombaste na frieza das escadas que a política constrói para subir quem manda e descer quem não tem mais nada a perder que a própria Vida. Ricardo, a tua morte não calou a maneira torta do regime, mas um dia hás de subir com tua voz Imparcial as escadas da memória onde caíste segurado pelas bocas de dizer nosso país.
Privatização dos monumentos
João Trindade destacou ainda, o predomínio do interesse pessoal sobre o interesse colectivo como um dos sintomas de uma sociedade onde a ganância e a apropriação de bens públicos com ou sem a cobertura da Lei parece não ter fim. “Não admira que alguns monumentos tenham sido privatizados. E, como se não bastasse, privatizaram o mar, o céu, e as estrelas, ou seja, tomaram conta de tudo e o Estado ficou sozinho. É verdade que “eles comem tudo”, desabafou o académico.