A cantora Irina Vasconcelos, em entrevista a OPAÍS, fala sobre o concerto que realizará no dia 31 do mês em curso, em alusão ao “Março Mulher”, do “Etimba Festival” e de outros trabalhos que possui em carteira
POR: Antónia Gonçalo
foto de jacinto Figueiredo
A cantora de Rock alternativo referiu que tem sido agradável conciliar a maternidade com a actividade musical. Irina Vasconcelos defende que as mulheres devem realizar todos os seus sonhos, ajudar os seus lares, edificar o seu espírito e contribuir na formação e educação das mulheres, na sociedade.
Irina começou a cantar na banda angolana de poprock “Café Negro”. Como surgiu a sua paixão pela música?
A música sempre esteve presente em mim. As minhas tias cantavam cânticos para o meu avô e além deste facto, acredito que todo o africano tem a música no seu coração. Sempre estive muito mais ligada à música de Bob Marley, assim como de alguns ícones que a minha mãe adorava na altura, como por exemplo Barry White. Quando fui estudar a Portugal, tive acesso a vários estilos músicas como Jazz, música eletrónica e outras semânticas.
Essa vivência influenciou-lhe a cantar este estilo musical?
Quando cheguei a Angola conheci um grupo de jovens, estudantes do Instituto Médio Industrial de Luanda (Makarenko), que ensaiavam no distrito da Samba. Fiquei com eles, falamos de muitas coisas, incluindo a música, até porque a comunidade de roqueiros é composta por pensadores. É preciso ter alguma semântica intelectual e emocional para poder lidar com o diaa- dia, sendo que estamos muito ligados à igualdade de direitos, afirmação e o bem-estar social. Lembro-me de um dos maiores festivais de Rock, realizado na perspectiva de ser solidário. Na altura, foi então que me reconheci como adolescente e amante do Rock, sobretudo, como cidadã angolana. Fiquei muito tempo a estudar fora do país, e depois acabei por precisar de alicerçar a minha génese.
Fez parte da banda angolana de pop-rock “Café Negro”. Que importância teve essa banda para si?
Foi o início de tudo. Na altura, não tinha muita percepção da minha própria capacidade, inclusive vocal. Trabalhar com uma banda é efectivamente diferente do que trabalhar a solo. Há vários artistas que têm à sua volta uma estrutura, e passam por várias componentes. Ter banda é falar de seis integrantes, que devem fazer e pensar da mesma forma. Café Negro foi exactamente esse crescimento, que me fez perceber a irmandade e as diferenças, mas sempre senti-me muito valorizada nas minhas capacidades. Estar em bandas é também dar exemplos a outras bandas. O guitarrista, o baixista e o baterista, todas as componentes da banda fazem um som único, e quando mais unidos as pessoas estiverem, melhor! Nos dias de hoje, permito-me fazer a direcção artística das minhas obras e conto com o apoio de alguns músicos da nossa praça, que são bastante bons, que ajudam-me, efectivamente, a mostrar a música.
Qual é a sua principal fonte de inspiração, tanto ao compor as suas músicas, como em palco?
Sou completamente autobiográfica. Escrevo tudo o que canto. O primeiro álbum, “A safra”, enquanto integrante da banda angolana pop-rock “Café Negro”, lançado em 2012, com a minha voz e composição, era mais adolescente, tinha outros questionamentos, passava tudo pelo amor e o quotidiano. Agora, o meu dia-a-dia passa mesmo pela valorização do pensamento do outro, pelo respeito, pela diversidade, e pela perspectiva de abraçar a cultura como pilar do desenvolvimento. Assim sendo, a inspiração brota tanto quanto a necessidade. Há várias necessidades neste momento que apelam o apoio da sociedade. Acho que é um acto de cidadania, fazer a minha parte, daí também desenvolver projectos culturais paralelamente à criação musical. Isso porque os artistas devem assumir que têm um papel na sociedade que é muito mais importante que a fama.
Que mensagens transmite através das suas músicas?
Representa aquilo que os nossos pais sempre sonharam, que é a capacitação dos jovens ao nível intectual, reinserção social, direito à saúde e afins. Cantar sobre tudo isso, dá-me uma alegria maravilhosa, até porque as mensagens têm tido bastante aceitação e são pessoas de diferentes faixas etárias que conseguem entendê-las.
No ano passado apresentou, em Julho, no Camões-Centro Cultural Português, em Luanda, o seu disto “Kai”. Como está a ser a apresentação do seu primeiro trabalho a solo?
Estamos a falar de um álbum composto por 12 faixas musicais da minha autoria, lançado em Junho do ano passado, que passa pelo Pop Rock e a música tradicional angolana, nomeadamente o Kilapanga. No fundo, é uma fusão que passa pelo conhecimento adquirido nos últimos anos. Desde então, temos feito a apresentação do álbum em vários espaços. Fizemos o lançamento, em Fevereiro, do vídeo- clip intitulado “Praia morena”, para celebrar os 400 anos da Cidade de Benguela, uma província pela qual tenho muito interesse e afeição.
Tem apenas um vídeo clip disponível?
Não! Lancei também, há cerca de uma semana, o vídeo-clip da música “Shoes in my hands”, que também está disponível no Youtube. Estou também a preparar o vídeo-clip da música “Mulatinha pretinha”. Desde Julho até agora, tenho estado a mostrar a componente deste álbum, numa abordagem muito mais alternativa. Nunca segui os paradigmas normais, porque financio o meu próprio trabalho. Peço apenas apoios para os eventos culturais que coordeno, onde arrecado alguma verba, eventos estes que são de apoio social e de entradas livres. Portanto, tenho dividido as minhas acções nestas duas semânticas.
E para quando a segunda obra discográfica?
A partir de Novembro, se tudo correr bem, tenciono passar a segunda obra discográfica, porque adoro criar, é a minha fonte. Na devida altura falarei sobre o assunto.
Como tem sido conciliar a maternidade com a música?
Tem sido maravilhoso. Tenho tido o apoio do meu esposo. Na verdade, estou gravida novamente e vou fazer, dia 31, um show no Palácio de Ferro, em homenagem às mulheres angolanas e de todo mundo. Vou celebrar também, neste show, todos os ganhos, todas as coisas positivas que tenho na minha vida.
Já pensou na possibilidade de deixar de cantar para se dedicar à sua família?
Não! Nenhuma mulher nos dias de hoje pensa fazer isso. Acho que as mulheres devem realizar todos os seus sonhos, ajudar os seus lares, edificar o seu espírito porque, cada vez mais, a África se rende à carência de educação nas mulheres. Quanto mais uma nação tiver mais mulheres com educação, mais próspera ela será. Portanto, acho que as mulheres devem, sim, batalhar e organizar o seu tempo. Tanto os homens como as mulheres, devem garantir a gestão do seu tempo para fazer o que gostam, melhorar o seu intelecto e a sua paz de espírito.
Acha que, actualmente, as mulheres estão mais envolvidas no estilo musical que canta?
Houve um movimento muito grande no mercado musical feminino, como também há grandes revelações que surgem dentro do gospel. A música mais plástica e comercial transforma a voz feminina num outro tipo de produto. Temos músicas de grandes ícones femininos que duram três ou quatro meses na praça, mas depois são substituídas por outros conteúdos, relativamente parecidos. O que é preciso incentivar, neste momento, não é fazer rock ou outro estilo musical, mas que as mulheres tenham a liberdade de se expressarem culturalmente, com as suas vozes. Mas é preciso garantir a lírica, escrever bem, passar boa mensagem, porque nem sempre as que massificam são as melhores. Que haja mais produtos femininos sim, mas sem aquela questão de tornar a mulher objectivo em toda a sua performance. No rock existem jovens entre os 15 e os 20 anos que cantam e gostam do estilo, mas é uma questão de talento e persistência. O mundo da música não é só o que as pessoas pensam, é necessário toda uma preparação e estudo para uma melhor representação.
Como organizadora do “Etimba Fest”, quais são as novidades para este ano?
O festival de carácter anual, que vai na sua 3ª edição, realizado em Benguela, visa juntar as artes multidisciplinares. O evento vai ainda celebrar os 441º aniversário da cidade, que em Maio se assinala. Nesta época de celebração, pretendemos levar também alguns investidores na perspectiva de evidenciar a arte local. O “Etimba Fest” é um festival que decorre durante quatro a cinco dias, das 8 horas até às duas da madrugada, com actividades que passam desde o yoga, o teatro, a capoeira, a literatura, as artes plásticas, o artesanato, a música, com artistas de todo o país, para celebrar Benguela. Este ano não queremos fazer diferente, queremos é levar outros parceiros a experimentar essa celebração. Na primeira edição afluíram duas mil pessoas, no ano passado cerca de 5 mil. São actividades de entrada gratuita, ora, que estou sempre preocupada com o acesso livre à cultura e à expressão cultural. Portanto, é uma continuidade do que já está a caminhar da perfeição.
Quais são os outros projectos que tem em carteira?
Neste momento prefiro centrar-me em actividades mais imediatas, como o referido festival, a questão da maternidade, o álbum e a apresentação do mesmo.
Falando do ‘Março mulher’, o que o mês representa para si?
No fundo é só a consciência institucional que dá este valor ao ‘Março mulher’. Mas a mulher deve ser valorizada o ano inteiro, e nas questões mais quotidianas, desde o apoio na formação dos lares, da educação, nas suas alegrias e tristezas. Acho que devemos continuar a acompanhar o crescimento das sociedades, valorizando sempre a saúde e a educação e o lado espiritual da mulher.