Apostar na formação de jovens e adolescentes no campo artístico, particularmente do teatro, promover regularmente actividades teatrais, realizar workshops, palestras e encontros periódicos entre actores, agentes culturais e entidades governamentais para discutir assuntos inerentes ao desenvolvimento do teatro e das artes em geral a nível do município e da província, constam da lista de acções que o Colectivo de Artes Julu pretende levar a cabo a partir do próximo ano, com o objectivo de impulsionar o crescimento e a valorização das artes naquele distrito do município de Luanda.
Neste sentido, o colectivo tenciona abrir um curso profissional de teatro a partir do próximo ano, no Centro de Formação Feminina do Rangel.
No mesmo espaço, ambiciona, igualmente, promover sessões teatrais regulares, pelo menos uma vez ao mês, bem como outras actividades artísticas.
Em entrevista ao Jornal OPAÍS, o membro fundador do colectivo, Manuel Teixeira, mais conhecido no mundo artístico como “Avó Ngola”, adiantou que o conjunto tem procurado dar respostas aos vários problemas e dificuldades que se tem verificado no país, no que diz respeito ao teatro e, por esta razão, à medida das suas capacidades, idealizou estes projectos que acredita poderem mitigar ou preencher algumas lacunas no sector.
“A nossa grande aposta, a partir do próximo ano, é a abertura dos cursos de teatro. E uma vez por mês fazermos a exibição de uma peça de teatro no auditório do Centro Feminino do Rangel que, para nós, grupo Julu, agora é a nossa grande catedral do teatro”, disse o actor.
Segundo o mesmo, o colectivo está focado em contribuir, da melhor maneira possível, para que o teatro volte a conquistar um espaço de destaque no panorama cultural nacional, além de dar a oportunidade do surgimento de, cada vez mais, actores profissionais talentosos e devidamente qualificados e capazes de dar à arte o prestígio que lhe é característico.
Desenvolvimento comunitário através do teatro
Focado no teatro para o desenvolvimento comunitário, Manuel Teixeira adianta que o grupo Julu vai continuar a apostar, intensivamente, na divulgação dos seus trabalhos que considera estarem a contribuir positivamente para a melhoria do ambiente de convivência nas comunidades.
Através de spots de campanhas de sensibilização e moralização da sociedade, despertando ma consciência sã e saudável para a boa convivência social, o actor entende que o seu conjunto tem sabido aproveitar o poder que arte tem para influenciar positivamente e moldar o comportamento das pessoas na sociedade.
O actor considera ainda que o Colectivo de Artes Julu continua a contribuir para o desenvolvimento da comunidade angolana com campanhas de sensibilização educativas, como a prevenção sobre perigo das minas, violência contra a criança, direitos da criança, violência doméstica, educação cívica e eleitoral, combate à malária, VIH/SIDA, COVID-19, combate à corrupção e muito mais.
A figura do “Avó Ngola”
Entretanto, consciente da grande responsabilidade que carrega enquanto actor, activista cívico, figura pública e activista cultural, Manuel Teixeira afirma que o seu personagem “Avó Ngola” já se tornou uma referência nacional e onde quer que passe tem consciência do impacto que as suas acções têm sobre a vida das pessoas. “O personagem Avô Ngola representa sabedoria, transmissão de mensagens educativas e de alerta.
Em suma, é o avô do povo angolano. Por isso, pretendo representar sempre essa personagem até a minha última respiração”, disse.
Sublinhou, por outro lado, que não está preocupado em ter um substituto, mas em deixar um legado de actores que saibam promover, valorizar e fazer-se respeitar na arte e os seus fazedores, sem esquecer do papel social que o teatro tem para a transformação da sociedade.
“Directamente não estou a preparar alguém específico, mas, indirectamente, vamos transmitindo os nossos conhecimentos aos mais novos e sei que também sou motivo de inspiração de muitos jovens, por isso penso que vão aparecer muitos actores com a qualidade de Manuel Teixeira”, reforçou.
Mais aposta na formação artística
O actor considerou, igualmente, ser importante que o Governo crie políticas, sobretudo de abertura da disciplina de teatro, a partir do ensino primário e secundário para que os alunos comecem, desde muito cedo, a manter o contacto com as artes e a ganhar o gosto natural pelas mesmas, sendo que, depois de formados, possam dar continuidade a formação de outras gerações de artistas.
Defendeu ainda que se deve criar centros de formação de teatro ao nível das escolas, empresas públicas e privadas, com mensagens educativas.
No seu ponto de vista, o sector teatral nacional tem acompanhado a evolução e dinamismo do panorama internacional, impulsionados sobretudo com o surgimento de escolas especializadas no ensino das artes, desde o ensino médio, com destaque para o Comlexo de Escolas de Arte (CEART), localizada no distrito da Camama 1, ao superior, onde se destaca a Faculdade de Artes (FART), situada na centralidade do Kilamba.
O actor sublinha também que só isso não basta, considerando ser necessário que haja mais instituições focadas na formação e capacitação artísticas, dentro e fora de Luanda.
A fonte é de opinião que a evolução das infra-estruturas do país deve estar alinhada ao desenvolvimento artístico, de modo que, à medida que vão surgindo mais projectos habitacionais, surjam igualmente espaços culturais de formação ou capacitação artística.
“Está a se criar centralidades como a do Kilamba, Sequele e outras em todo país. Mas não temos nenhuma sala de teatro”, lamentou, considerando que este facto reflecte a pouca ou quase nenhuma importância que é dada às artes, especialmente ao teatro.
Pouco investimento torna a arte “mais pobre”
Manuel Teixeira lamentou também o facto de existir pouquíssimos investimentos no sector teatral, o que, no seu entender, faz as pessoas olharem para o teatro como uma arte pobre, sem lucro e sem rentabilidade para quem o faz.
Por outro lado, entende que esta “carência de investimentos” no teatro é reflexo também da falta de incentivo por parte das instituições de tutela, sobretudo no que refere a lei do mecenato, que não é atractiva e pouco esclarecedora.
“Quem devia investir são os empresários, sobretudo os nacionais, mas estes não se vêem estimulados a investir, porque ainda não sentem os benefícios, como a isenção de impostos, a projecção da empresa através da publicidade, entre outras medidas que são aclamadas na lei do mecenato”, apontou.
Ao falar em nome do conjunto, o actor reconheceu que o teatro em Angola tem estado a crescer, quer em qualidade quer em quantidade.
Ressalta que hoje, em quase todas as províncias, já se vê grupos a representar peças aceitáveis, tanto do ponto de vista artístico como temático, no entanto, a falta de apoio financeiro continua a ser uma “pedra no sapato” da classe.
Carência de salas de teatro
Para Manuel Teixeira, a par da falta de investimentos e apoio ao sector teatral, uma das situações com que mais se debatem e os preocupa prende-se com a falta de salas convencionais para exibição das peças de teatro.
Em tom de tristeza, manifestou que desde que perderam o Teatro Avenida, que tinha todas as condições criadas para a prática desta actividade, as outras salas têm sido adaptadas de forma improvisada. “Somos obrigados a improvisar salas.
Vamos esperar. Já disseram que está a se criar o museu e que teremos a casa do teatro e da música. Para nós, é muito bemvindo, mas não é o suficiente”, disse o artista.
Manifestou também tristeza pelo facto de a falta de condições estarem a condicionar a qualidade do trabalho apresentado e a “amputar” as carreiras dos novos talentos que, segundo explica, têm visto as suas vozes a se estragarem muito cedo, antes mesmo de chegarem ao topo, com o esforço que fazem das cordas vocais porque muitas vezes são obrigados a gritar devido as condições precárias das salas de espectáculos.
Pouco rendimento para a classe
Manuel Teixeira admitiu que ainda não é possível viver do teatro no país, visto que não há possibilidade dos grupos realizarem teatro constantemente.
Disse que muitos dos grupos teatrais têm a representação como primeira opção, mas dedicamse também a outras actividades para obter outros rendimentos.
De acordo com a fonte, o grupo JULU, por exemplo, que existe há 30 anos, só tem-se mantido vivo até agora porque talvez seja o que esta organizado mais ou menos profissionalmente e consegue alcançar outras fontes de rendimentos.
“Porque não fizemos apenas teatro, mas também participamos em teledramas, teatro de advocacia, campanhas de sensibilização, educação, patriotismo e cidadania ou combate a doenças ou práticas criminosas”, destacou.
Uma reflexão sobre o futuro da sociedade
Recentemente, o grupo Julu apresentou uma peça teatral com um tema reflexivo com o objectivo de entreter, animar e ao mesmo tempo educar, sensibilizar e apelar à sociedade sobre a necessidade de se reflectir o futuro da nação face às acções de hoje.
“Esperamos que seja mais um contributo do Julu com o objectivo de ajudar a mudar a consciência, sobretudo dos dirigentes, dos jovens e não só. Este é o grande apelo nesta peça com o tema “O Futuro constrói-se hoje”, frisou.
Sobre o Grupo
O grupo de teatro Julu foi fundado a 9 de Junho de 1992, no Marçal, por Lourenço Mateus, Manuel Teixeira, Pedro Henriques Pascoal e Vado Baptista.
Actualmente é composto por seis integrantes efectivos, Peroteu de Jesus, Manuel Teixeira, António José, Conceição Diamante, Domingas Mendes e Fátima Cassule.
O projecto surgiu para apoiar as primeiras eleições em Angola, na vertente da educação cívica eleitoral. Em 1993, criou uma parceria com a UNICEF para apresentar peças comunitárias, tendo um ano depois participado na formação de vários grupos de teatro.
O grupo venceu consecutivamente duas edições do Prémio de Teatro Cidade de Luanda (1999 e 2000). Internacionalmente, o Julu representou Angola na I Bienal dos Jovens Criadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 1999.