Obras de Edras Francisco Rodríguez, Julio Cesar Cepeda e Miguel Ángel Valdivia em destaque na cidade cubana de Trinidad.
Não obstante localizar-se na Calle Desengaño (Rua da Desilusão) e de ter nome com semiótica de azar, o Gato Negro Open Studio é um dos motivos para ir para além do dizível numa visita a Trinidad, cidade cubana com forte marca da arquitectura colonial dos séculos XVIII e XIX, classificada como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO em 1988.
No inesperado da Liberdade pretendida, três artistas dividem um espaço no centro daquela cidade mágica e histórica, apresentando as suas obras e não se imiscuindo de lhes associar mensagens políticas e apelos à reflexão.
Edras Francisco Rodríguez (1969), Julio Cesar Cepeda (1973) e Miguel Ángel Valdivia (1990) partilham a nacionalidade cubana e a vontade de levarem o seu trabalho para lá dos limites da ilha que os viu nascer.
Edras Francisco Rodríguez tem um fascínio pela plasticidade da matéria ferrosa que procura imitar nas suas pinturas.
Mas não equivoque o espectador pois as obras não são sobre ferro, mas antes pinturas em acrílico, spray poliplástico e pigmentos ferrosos sobre tela.
Nas suas narrativas-poéticas, a borboleta está sempre presente, como uma espécie de leitmotiv do seu discurso visual.
As suas obras são de uma absoluta simplicidade, em termos de cor e composição, espécie de cenários parados em que os elementos se articulam para intensificar a mensagem.
O uso de textos simples e diretos, muitas vezes como referenciais de palavras de ordem, músicas ou da literatura, tornam o discurso, simultaneamente, claro e enigmático.
As suas obras reproduzem fragmentos esquecidos de velhas placas metálicas, máquinas obsoletas, vestígios de arquitetura em processo de deterioração.
Palavras, formas e planos são levados pelo artista às suas unidades elementares de forma intencional para produzir a maior liberdade possível de leituras, numa série de trabalhos que fala continuamente da corrosão e da perda de uma identidade, mas que, obliquamente, também convida à metamorfose e à superação da memória.
Edras é, com a sua obra, além de um mestre da estética, um ator político, o que é acompanhado pelos demais artistas que tutelam o espaço.
O trabalho de Julio Cesar tem, por sua vez, uma maior incidência no desenho e na sua gestualidade, em grandes formatos, ora de observação do industrial, ora de olhar atento ao elemento aos animais, evoca fábulas e outras estórias de tradição oral.
Contudo, o que Júlio César procura comunicar está relacionado com a sua visão do seu país. Diz-nos, “Cuba é um povo e a sua alma é quente, humana e vibrante, mas presa a um sistema económico e político arcaico e disfuncional, o que a faz parecer quase perdida.
” Na série Confabulações, o artista captura essa dicotomia dolorosa em que está mergulhado o povo cubano.
O seu protagonista recorrente – a tartaruga – simboliza o ostracismo, a imobilidade e a estreiteza que constrangem a alma do povo cubano.
As imagens circundantes podem às vezes parecer sombrias, outras vezes caóticas.
Uma leitura mais profunda revelará o propósito e as nuances de cada traço, mergulhando o artista nas profundezas dos apagões, do trabalho esporádico, do controlo das massas, das migrações forçadas, da monetização da sociedade cubana, do nepotismo que afeta os cubanos que não aceitam os rígidos padrões oficiais.
Por fim, a obra de Miguel Ángel Valdivia aproxima-se mais do campo da ilustração, com imagens altamente texturadas e que nos despertam para um universo de sonho.
O artista oferece-nos, através das suas obras, a oportunidade de nos travestirmos, de nos camuflarmos e ser várias pessoas numa só, assimilando as máscaras e não pensando nas circunstâncias.
Em bom tom da verdade, o que nos propõe é um cenário de fuga do real, de transmutação e até de alienação em relação ao presente.
Em síntese, se considerarmos estes três autores como sintomáticos da atual paisagem artística cubana, antevemos, através da arte, a ânsia de futuro, de mudança de Liberdade.
O que une todos estes artistas é a ausência do medo e, por outro lado, a genialidade no uso da semiótica, da poética e da filosofia.
O projeto Gato Negro Open Studio é dinamizado por estes artistas que ali se apresentam no cume do turismo, mostrando ao mundo as contradições do lugar a que chamam casa.