Apesar de serem muito solicitados, os Disc Jockeys (DJ´s), em Angola, consideram a actividade desprotegida por não terem um reconhecimento oficial por parte do Ministério da Cultura e de outros organismos públicos. Dizem não dispor de uma associação legal que os representa, o que faz com que muitos, depois de uma longa estrada, ajeitem a vida noutras esferas da vida, para não serem surpreendidos com uma aposentadoria assombrada quando o sucesso calar
Existem para todos os gostos e bolsos. É fácil encontrar em Angola, nas suas cidades e vilas, um Disc Jockey (DJ) para garantir as mais diversas festas e eventos que “agitam” as pistas de dança de Quinta a Domingo, quer seja nas zonas urbanas como periféricas.
Os preços são despadronizados e fixados em função do processo de negociação entre o promotor do evento e o DJ. Mas, variam, normalmente, consoante o tipo de festa que se pretende organizar, desde casamento, aniversario, affter party e outras demoninações. Da lista de preferências, os mais conceituados constituem a grande atracção na procura.
Mas, fora destes, o mercado também abundam no mercado amadores, os mais novos, curiosos e outros que têm na arte de tocar um mero passatempo.
Para quem já anda na estrada, a tocar há décadas, considera não ser uma profissão fácil, porque exige muito esforço intelectual e físico. Mas, o gosto pela arte e o posicionamento da actividade, que para muitos constitui a única forma de sobrevivência, faz com que ainda resistam na profissão, até mesmo quando os ventos das adversidades batem a porta, como foi o caso da Covid-19.
Naquele período, em que as festas foram proibidas, no âmbito das medidas de prevenção e de combate a doença, que assombrou o mundo, muitos DJ´s caiaram na maré de dificuldades porque perderam a carteira de clientes. Alguns, inclusive, foram mesmo obrigados a ajeitar a vida noutras áreas até que se levantou as trestições impostas.
Estabilizada que está a situação, os profissionais do som seguem o país adentro entre aparelhagens e cabos levando música para as mais diversas pistas de danças.
Entretanto, feriados, sobretudo prolongados, finais de semanas e datas festivas são os dias em que os DJ´s mais facturam, com preço que podem iniciar dos 100 mil kwanzas até aos 3 milhões, segundo dados passados a OPAIS pelos profissionais.
Investimento serio
Por falta de espaços e de iniciativas formativas, na sua maioria, os DJ´s em Angola aprendem a tocar de forma periférica, com um amigo, curiosidade ou recurso a ajuda de outros terceiros.
Mas, depois de desenvolver a técnica, a maioria vê-se obrigado a fazer um brutal investimento na compra de aparelhagem e outros equipamentos que, regra geral, são adquiridos no mercado estrangeiro por falta de produção local.
Europa, América e agora a China são os mercados onde, na generalidade, são adquiridos os materiais e equipamentos que passam, fundamentalmente, por controladores de sistema, processadores, mesas de mistura, amplificadoras, microfones e colunas de som.
Apesar de caros, ainda mais numa altura em que o preço do dólar está em alta, os DJ´s realçam que bons equipamentos e programas de qualidade jogam a favor para um som de qualidade e faz toda a diferença para uma boa festas.
É possível viver, mas é tudo imprevisível
DJ Vadinho é dos mais antigos profissionais nesta arte de tocar. Contas feitas, já soma quase 40 anos de estrada com a demonstração da sua performance em Luanda, Benguela, Huila, Huambos, assim como noutras partes do país onde é ovacionado sempre que entra em acção. Respeito do público e dos mais novos na profissão diz ter de sobra.
Lembra que começou a tocar apenas por hobby, mas, com o andar o tempo, sentiu a necessidade de tornar a arte sua profissão. Apesar de todo o reconhecimento do público e das pessoas que gostam de si, DJ Vadinho considera que a profissão em Angola ainda é muito instável por falta de autenticação por parte das entidades de direito.
Conforme referiu, não há da parte do Ministério da Cultura e de outros organismos um reconhecimento oficial capaz de permitir que sejam descontados para a segurança social e, no futuro, quando todo o sucesso de hoje “calar”, assegurarem uma verdadeira aposentadoria.
“Nós tocamos hoje, mas o amanha não sabemos o que será de nós, porque não temos uma representação legal. Então, para mim, ser DJ em Angola é bom, mas é preciso trabalhar muito para que não se tenha surpresa no futuro”, destacou.
Valorizar os diferenciados
Já DJ Malvado, igualmente um dos mais antigos no mercado, disse que hoje, com o advento da modernidade, toda agente pode ser um Disc Jockeyquei. Considera que o mercado está repleto de profissionais com preços que, muitas vezes, retiram o prestígio e o brilho de quem já conta com uma longa estrada.
Conforme explicou, apesar de existirem vários DJ´s no mercado, são poucos aqueles que se profissionalizaram na área e conseguem dar uma resposta adequeda daquilo que se pretende.
De acordo com DJ Malvado, que já conta com mais de 20 anos de actividade, sobretudo no actual contexto, em que as divisas andam cada vez mais difíceis para a requisição de equipamentos no exterior, é preciso que se tenha uma maior valorização dos poucos que se profissionalizaram na área e conseguem dar resposta adequada ao público mais exigente.
Segundo ainda Malvado, apesar de muitos anos de carreira, muitos DJ´s veem-se com dificuldades depois de terminarem a carreira, situação que não dignifica a classe por tudo que dá a favor da cultura e da arte em Angola.
No seu entender, já que até ao momento, não existe uma organização formal de defesa da classe, seria de todo importante que o Estado assegurasse a protecção dos fazedores da arte, para que no futuro não passem por dificuldades, apesar de todo o trabalho que desenvolvem.
“Anteriormente já existia alguma iniciativa para os DJ´s contribuírem, sobretudo no tempo da discoteca Dom Q, porque se compreendia que ser DJ é uma profissão.
Mas agora já não, depois também andámos todos dispersos por falta de uma organização ou associação”, lamentou. Por seu turno, DJ Dicuelas, outro dos renomados na arte, considera que mais do que quaisquer lamentações a classe poderia estar melhor organizado para que se pudesse prevenir situações futuras, como é o caso de muitos, depois do final da carreira, não terem saída de sustento na vida.
Para ele, a actividade rouba muito do profissional por exigir esforço mental e físico, razão pela qual deve existir uma previsão e preparação para situações futuras.
Todavia, defendeu,igualmente, a necessidade de o Estado entrar em cena no processo de organização da classe e não deixar que esta esteja vulnerável. “Não temos segurança social. Eu, por exemplo, recebo uma pensão, mas é de um outro lado e não como DJ. Portanto, somos muitos e devíamos merecer mais atenção”, defendeu.
“Somos empresas, damos de comer muitas famílias”
Por sua vez, João Linho, igualmente com décadas de estrada, considera que a sociedade deveria valorizar mais os DJ´s, porque, além de trabalharem para eles próprios, criam empregos e “dão de comer muitas famílias”.
Segundo João Linho, numa festa um DJ é capaz de trabalhar com cinco a seis pessoas, que ajudam no carregamento da aparelhagem, motorista, montadores de som, um auxiliar para intercalar e outros técnicos de apoios que combinam para um audição agradável, capaz de arrastar as pessoas para a pista de dança.
Todos esses técnicos juntos, frisou, ganham daquilo que é pago ao DJ, sendo por isso necessário que as pessoas tenham em consideração a necessidade de remunerarem o profissional da melhor forma para que este se possa organizar e ter uma vida estável. “Somos empresas, damos de comer muitas famílias.
Por isso é que, quando um DJ cobra um determinado valor, as pessoas não podem fazer cara feia. Então, paga-se milhões e milhões no buffet, decoração e bebida, porque não pagar igualmente bem o DJ que até é o garante da festa?”, questionou o profissional.
“Discriminação já não é um problema”
Com a abertura que a sociedade angolana vai tendo, a actividade de DJ deixou de ser exclusiva dos homens e abriu-se, igualmente, ao interesse feminino.
Diferente dos anos anteriores, em Angola já são muitas as mulheres que poem as “mãos na massa” para arrastar centenas e milhares de pessoas para as pistas de dança, tocando com a mesma hegemonia que os homens e, em alguns casos, inclusive, melhor que estes.
Nas noites de discotecas, bares e festas podem se ver a tocar muitas mulheres que apostaram na actividade de DJ como seu ganha pão, andando o país adentro e levando sonoridade para todos os gostos e idades.
Dos nomes mais sonantes e da preferência da grande maioria do público constam as DJ´s Marlene, Avassaladora, Miss Dee, Eri Mangueira, Lúcia Afrodith, Cleo e Elly Chuva.
Para elas, a situação da discriminação ficou no passado, porque, dizem, hoje as pessoas querem resultados sem se importar se é um homem ou uma mulher a tocar.
Mas, nem sempre foi assim, conta Lúcia Afrodith, com 9 anos no mercado. Conforme referiu, anteriormente, quando as pessoas se apercebessem de que era uma mulher a tocar, ficavam em dúvida e receosas se realmente daria os resultados necessários. “Mas tudo hoje ficou para trás e somos respeitadas da mesma forma que o homem é.
Agora temos é de continuar a tocar e manter a certeza no foco”, destacou. Lúcia Afrodith considerou ainda que, com os valores pagos, actualmente é possível o DJ manter o nível de vida aceitável e poder viver de forma digna dos seus rendimentos.
“Diferente dos tempos anteriores, penso que hoje já conseguimos ter um pagamento aceitável. Há mais respeito pela profissão e podemos sempre nos organizar para termos uma vida estável”, apontou.
Manter o respeito e o nome
Já Elly Chuva defende que, depois do longo período em que as mulheres viveram para mostrar o seu trabalho, agora é momento de se trabalhar para manter o respeito e o nome.
Referiu que, numa sociedade onde, diariamente, nascem novos DJ´s, manter o nome no activo tem sido um desafio constante. Mas isso, explicou, faz-se com trabalho, dedicação e foco, pelo que há necessidade de todos os dias trabalhar-se para a autossuperação.
“O difícil não é entrar para o mercado. É manter o nome. E para que isso aconteça é preciso que se trabalhe muito naquilo que se quer”, frisou.
Mais união
Por outro lado, Elly Chuva considerou ainda a necessidade de existência de uma maior união entre os DJ´s para o fortalecimento da classe.
Segundo a artista, apesar de cada um ter as suas agendas e público, é necessário que haja uma união vertical entre os fazedores da arte, o que vai fazer com que haja maior entrosamento e fortalecimento da classe que muito augura pela atenção do Estado.
“Já tivemos piores, no que toca a união, sobretudo entre os mais velhos e os mais novos. Mas, hoje, já é possível ver um mais velho a dividir a cabine com um mais novo, coisa que era impossível no passado. Mas precisamos muito mais”, considerou Elly Chuva, que já conta com 14 anos de actividade.
“Podemos brilhar juntos”
DJ Marlene é também outra que corrobora que as mulheres podem se impor sem que, necessariamente, apaguem a luz dos homens. Segundo a profissional, o mercado de consumo é grande e as mulheres podem com respeito partilhar o mesmo espaço com os homens.
Conforme referiu, no mundo dos DJ´s o que conta é a capacidade de convencer o público ouvinte e não tanto a fama. “Podemos brilhar juntos. Há DJ´s que não tocam nenhum, mas têm muita fama.
E existem DJ´s que tocam muito, mas nem por isso têm assim tanto nome no mercado. O que conta é as pessoas fazerem bem o seu trabalho”, notou.
Projecto de criação da primeira associação encalhado há anos
O projecto de criação da primeira Associação dos DJ’s Angolanos encontra-se parado há mais de três anos devido à morosidade dos órgãos de direito e falta de outros documentos que devem ser anexados ao processo.
A iniciativa é de um grupo de profissionais que, na ausência de um organismo de defesa, avançou com a criação do projecto, mas que, até ao momento, não sai do papel.
O coordenador do projecto, Augusto Miguel, mais conhecido por DJ AM, disse que, para além dos procedimentos burocráticos, até ao momento a iniciativa não avançou muito por conta também da atitude de alguns DJ’s que não colaboravam para o sucesso da empreitada.
Segundo Augusto Miguel, muitos profissionais mostraram, no princípio, estar de acordo com a criação, mas com o evoluir do tempo desagruparam-se da iniciativa, criando, assim, constrangimentos aos objectivos definidos.
Todavia, apesar dos impasses, Augusto Miguel garantiu que o processo de legalização continua a seguir o seu curso, estando, nesse momento, a faltar apenas a entrega de uma parte dos processos aos órgãos de justiça para que a primeira Associação dos DJ’s Angolanos seja, efectivamente, criada.
O profissional disse ainda que, nesse momento, a comissão instaladora está a trabalhar e a recolher as assinaturas e a colaboração dos DJ’s que se identificaram com a causa.
“Estamos a trabalhar com aqueles que nos estão a ajudar. Mas falta muito pouco para que, dentro de algum tempo, apresentemos à sociedade a nossa primeira organização”, assegurou.