Criados para dinamizar e promover as actividades culturais nos diferentes pontos de Luanda, estas infraestruturas, construídas com fundos públicos, hoje debatem-se com problemas sérios devido a falta de um orçamento continuo que pudesse garantir o seu normal funcionamento
A falta de um orçamento regular está a dificultar a sobrevivência dos diferentes centros culturais espalhados por Luanda, conforme queixaram-se, a OPAIS, os gestores destas unidades. Criados para dinamizar e promover as actividades culturais nos diferentes pontos de Luanda, estas infraestruturas, construídas com fundos públicos, hoje debatem-se com problemas sérios devido à falta de um orçamento continuo que pudessem garantir o seu normal funcionamento e manutenção permanente das suas infraestruturas.
Num claro cenário de abandono, como classificam os seus gestores, estas unidades culturais estão, na prática, entregues “à sua sorte”, funcionando apenas com parcos financiamentos de peque- nos doadores e parceiros no âmbito das acções de responsabilidade social destes. Também as pequenas actividades que estes centros vão realizando, periodicamente, com muitas dificuldades, não servem para arrecadar receitas financeiras suficientes, o que não dá para cobrir as múltiplas despesas que os referidos espaços enfrentam desde a requalificação das infraestruturas, manutenção dos equipamentos e pagamentos de salários.
Numa ronda feita pela equipa de reportagem do jornal OPAIS, aos principais centros culturais de Luanda, foi possível constatar a dura realidade. Na sua maioria, são espaços acolhedores de diversas iniciativas culturais, com fortes valores históricos, mas que seguem assombrados com dificuldades por falta de um orçamento que pudesse manter funcional as infraestruturas, assim como os projectos que desenvolvem. É o caso do Centro Cultural de Viana. Fundado a 29 de Agosto de 2008, num investimento superior a 30 mil milhões de kwanzas, o centro foi criado com o objectivo de promover actividades culturais naquele município, especificamente nos distritos dos Zangos 0, 1,2 e 3.
Na altura da sua fundação, a instituição era gerida pela administração municipal de Viana. Posteriormente, a gestão passou para uma empresa privada que conduziu os destinos da instituição até ao período de falência, culminando com o seu encerramento em 2017. Na sequência, em 2019, o centro foi entregue a um consórcio formado por duas empresas privadas (Vi- são TI e Etecetera) que, para conseguir “dar vida” ao espaço, tiveram que realizar obras de melhorias que duraram cerca de dois anos, num orçamento superior a 25 milhões de kwanzas. As obras foram custeados por este mesmo consórcio, mediante um acordo assinado com a Administração Municipal de Viana.
Reabertura
Todavia, depois do período de requalificação, a instituição reabriu ao público em 2022, com um novo visual e nova dinâmica de trabalho e gestão. Actualmente, sob gestão do consórcio acima referido, o centro conta com um vasto auditório com a capacidade para albergar cerca de 80 pessoas, sala de conferências, duas salas de formações, casas de banho, salas de exposição e um espaçoso pátio com capacidade para acolher diversos eventos, desde casamentos, festas de aniversário, eventos culturais, exposições e até venda e sessão de autógrafos de obras literárias.
Em conversa com a OPAIS, o director do referido centro, Edson da Piedade aponta a falta de apoio financeiro como a maior dificuldade, uma vez que, segundo o mesmo, a instituição não rende o suficiente para fazer face às suas despesas, sobretudo a remuneração salarial dos funcionários e manutenção dos equipamentos técnicos e informáticos. “A maior dificuldade é financeira. O centro não tem apoio e to- das as despesas são custeadas por estas empresas em função do próprio rendimento que arrecada, o que também não chega para cobrir, porque nem sempre temos actividades”, lamentou.
Edson da Piedade adiantou ainda que o consórcio paga uma quota mensal à administração municipal de Viana pela gestão do centro. Sem mencionar o valor, reiterou que os anos em que ficou parado e as restrições impostas pela pandemia da Covid-19 reduziram, significativamente, a realização de actividades naquela instituição, o que tornou a situação mais complicada ainda. “E todos os meses temos taxa a pagar à administração e remunerar os funcionários”, frisou.
Centro Cultural Agostinho Neto com problemas múltiplos
Já o Centro Cultural Dr. Agostinho Neto, em Catete, foi inaugurado em Fevereiro de 2009, pelo Antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, constituí- do-se numa das mais importantes infraestruturas culturais do município de Icolo e Bengo. O espaço foi erguido com o objectivo de promover a cultura e a pesquisa científica, tendo como modelo e inspirador o primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, como uma forma de homenagear a sua figura, seus feitos e promoção das suas obras literárias para a inspirar a juventude. De acordo com o director da unidade, Isaías Cristóvão, desde a sua fundação, o centro nunca beneficiou de obras de reabilitação das suas infraestruturas e equipamentos que já carecem de manutenção dado o tempo de existência.
O responsável explicou que, em tempos de chuva, as paredes e o tecto sofrem infiltrações, chegando as águas a penetrarem em vá- rias partes do espaço. “Nós já estamos com problemas a nível das infraestruturas. Como se pode constatar, aqui estamos com infiltrações de água, partes dos mosaicos deslocados e outras situações”, deplorou. Quanto à sustentabilidade do espaço, Isaías Cristóvão adiantou que o centro beneficia de um orçamento anual proveniente do Governo Provincial de Luanda (GPL), mas que este valor é insatisfatório face às despesas e carências que o espaço apresenta.
O director avança ainda que a instituição é administrada pela Fundação Dr. Agostinho Neto, entidade pública independente que “tem servido de suporte para assegurar a continuidade do centro cultural”, uma vez que a mesma não tem outras fontes de receitas”. De acordo ainda com a fonte, naquele importante espaço cultural são desenvolvidas poucas actividades voltadas à cultura, atribuindo a principal razão à falta de capacidade financeira para suprir as despesas, uma vez que o orçamento cobre apenas as despesas de bens e serviços. Apesar desta situação, de acordo com Isaías Cristóvão, a exibição de peças teatrais, sessões de cinema, exposições, feiras literárias e visitas guiadas a instituições escolares constam do leque de actividades mais desenvolvidas no espaço.
Centro Cultural Agostinho Neto, no Bairro Operário, sem apoio do Estado
Situado no histórico Bairro Operário, arredores da cidade de Luanda, o Centro Cultural Dr. Agostinho Neto funciona na residência onde morou e cresceu, até a ida a Portugal, o primeiro Presidente da República e Fundador da Nação. Até antes da Independência, aquela residência, que tem mais de 60 anos de existência, pertencia ao casal Agostinho Pedro Neto e Maria da Silva Neto, pais de António Agostinho Neto. Além da família Neto, a casa acolheu também outros nacionalistas como Simão Toco, Roberto de Almeida, Hoji-Ya-Henda e De- olinda Rodrigues, o que confere grande peso e valor histórico ao espaço.
A residência foi transformada em centro cultural em 2000, inaugurado pelo então Presidente da República José Eduardo dos Santos, como forma de mais uma singela homenagem a figura de Agostinho Neto. Passados alguns anos, a residência sofreu ligeiras obras de requalificação e apetrechamento para adequá-la ao padrão de um espaço cultural, mas sem tirar a essência histórica e nacionalística que o espaço ostenta. Segundo o director do centro, Amarildo da Conceição, a instituição, mais do que um espaço cultural, é um monumento histórico-cultural por ter sido a residência da família do fundador da Nação.
“Esta é a única instituição no país que está directamente ligada ao cordão umbilical de Agostinho Neto. Aqui, nesta casa, viveu o Presidente Neto e a sua família. Esta residência também acolheu as grandes manifestações ligadas à clandestinidade naquela altura. Por todos estes factores decidiu- se transformar a casa num sítio de interesse histórico”, destacou.
Voltada ao esquecimento
Apesar do elevado prestígio histórico e cultural que o local carrega, o centro enfrenta sérias dificuldades para se manter aberto e continuar a desenvolver as suas actividades.
Segundo Amarildo da Conceição, o centro não tem qualquer apoio das instituições do Governo. À semelhança dos outros centros, o espaço depende da “boa- fé” de terceiros para sobreviver. “Tem sido uma ginástica mui- to grande para manter esta casa em pé. Não temos qualquer apoio dos órgãos de tutela e temos vivi- do da boa vontade dos colabora- dores, parceiros e amigos que se simpatizam com a causa e dão um ou outro apoio parcial”, lamentou o responsável visivelmente entristecido.
Apesar das dificuldades e transtornos, o gestor do centro mantém acesa a esperança de que dias melhores surgirão e o espaço poderá realizar as suas actividades com a dignidade merecida. “Com a nossa força, persistência e com a grande paixão e respeito que temos pela figura de Agostinho Neto, te- mos conseguido encontrar caminhos transformadores para manter a casa em pé e dar-lhe um pouco de dignidade”, assegurou.
Ministério da cultura não reage
O OPAIS tentou, varias vezes, contactar o Ministério da Cultura para um posicionamento oficial em relação ao assunto mas não tivemos sucesso. Outrossim, sabe-se que os centros culturais voltados à figura de Agostinho Neto estão sob gestão da Fundação Dr. António Agostinho Neto. A referida fundação é a entidade que tem dado o maior suporte técnico e administrativo para que estas instituições se mantenham em pé até aos dias de hoje. Tentamos, também, ou- vir os responsáveis da Fundação Dr. António Agostinho Neto, mas não tivemos igualmente sucesso.
POR:Bernardo Pires