A instituição funciona há nove anos, em Luanda, e conta com 187 professores, mas o quadro ideal é de 314, o que representa uma carência de 127 professores e, consequentemente, gerando grandes dificuldades para o funcionamento adequado dos cursos. Para a música, por exemplo, o CEARTE não conta com professores para a percussão e instrumentos de cordas. Já na dança, apenas três das oito áreas funcionam, com a escassez de docentes agravando ainda mais o cenário.
Em cinema, apesar de existirem cursos de produção, realização e fotografia, o instituto sofre com a falta de equipamentos adequados, um obstáculo significativo para o aprendizado de seus alunos. Para minimizar o impacto, têm tentado diversificar o corpo docente, mas os poucos profissionais que conseguimos trazer ainda não são suficientes para cobrir as necessidades.
Gaspar Agostinho Neto, director-geral do CEARTE, disse ao Jornal OPAÍS que a ausência de professores nas diversas especialidades está directamente ligada ao desempenho da instituição.
Como forma de dar solução a este dilema, Gaspar Neto está em contacto constante com os Ministérios da Cultura e da Educação, tentando aumentar o número de professores e também melhorar o quadro administrativo do CEARTE.
Em 2019, lembra, o instituto teve a oportunidade de contratar 109 professores, mas, desde então, os números caíram drasticamente, com a admissão de apenas sete ou oito profissionais por ano. “Em uma escola de artes como a nossa, a diversidade de especialidades é crucial.
No entanto, não conseguimos completar o quadro de professores necessários para oferecer todas as áreas previstas. A situação é particularmente grave em áreas como música, dança e artes plásticas, onde faltam especialistas em várias subespecialidades”, sublinhou o director.
Neto ressalta que o processo de contratação de docentes estrangeiros foi uma prática anterior, com a cooperação cubana, mas que a actual legislação de admissão à função pública dificulta a contratação de profissionais estrangeiros.
O dilema do orçamento
Outro desafio que a gestão de Gaspar Agostinho Neto tem enfrentado é a falta de orçamento. O CEARTE não tem um orçamento próprio fixo, e depende de ajudas pontuais dos Ministérios da Educação e da Cultura, que muitas vezes não são suficientes para cobrir as necessidades básicas da instituição.
O director destacou que a instituição lida com dificuldades para manter serviços essenciais como energia eléctrica e abastecimento de água, com períodos em que a escola ficou sem ambos por mais de quatro meses.
Embora essas dificuldades tenham sido superadas temporariamente, disse que o problema persiste e tem afectado directamente a qualidade do ensino.
“Qualquer instituição precisa de um fundo permanente. Uma estrutura como a do CEARTE exige mais que apoios esporádicos, precisa de um orçamento próprio para funcionar de maneira plena”, afirmou Neto.
O Impacto da falta de recursos no ensino
Além da escassez de professores e orçamento, o CEARTE também enfrenta sérios problemas na infra-estrutura necessária para o ensino artístico. Ateliês de artes visuais e plásticas, como os de gravura, cerâmica e escultura, não funcionam de forma eficiente devido à falta de materiais.
No curso de cinema, mesmo com especialidades em edição e realização, os alunos enfrentam sérios problemas de aprendizado devido à falta de equipamentos essenciais. Na área de música, a situação é igualmente desafiadora.
A instituição não conta com instrumentos para várias sub-áreas e, actualmente, o curso de instrumentos de corda está paralisado, sem professores qualificados para leccioná-lo.
Na área do Teatro, por exemplo, estão em funcionamento as especialidades de animação de figuras, actuação e educação dramática, mas ainda faltam outros cursos importantes.
As dificuldades financeiras também reflectem directamente na qualidade do ensino, principalmente nas aulas práticas, que exigem equipamentos caros como instrumentos musicais, câmeras de filmagem e figurinos para dança. Uma das questões que sempre surge quando se fala de escolas de arte, segundo o director, é o alto custo envolvido na formação.
Gaspar Neto afirma que escolas de arte exigem infra-estrutura especializada e materiais caros, como instrumentos musicais, equipamentos audiovisuais e figurinos de dança. Custos esses que tornam o ensino artístico inacessível para muitas famílias angolanas.
“É verdade que a infra-estrutura necessária para ensinar arte é cara. Mas não podemos ver isso como um obstáculo, e sim como um investimento para o futuro do país. Precisamos de mais apoio para garantir que todos os alunos tenham acesso a uma educação de qualidade, independentemente de sua origem”, afirmo.
Formação técnica e pedagógica
O CEARTE tem duas vias principais de formação: a formação técnico-artística, voltada para o desenvolvimento de artistas, e a formação técnico-artística pedagógica, que prepara os alunos para se tornarem também professores nas áreas de sua especialidade.
A instituição recebe anualmente mais de 3.000 alunos, que variam da 7.ª à 13.ª classe, sendo que os alunos da 7.ª classe fazem três anos de formação básica, enquanto os da 10.ª à 13.ª classe seguem para o ensino médio e superior.
Gaspar Neto destacou que, embora as turmas sejam pequenas (com uma média de 20 a 24 alunos por classe), o número de alunos é elevado, e a falta de professores qualificados continua a ser uma das maiores dificuldades.
Cursos populares como Artes Visuais e Plásticas, Música, Cinema, Teatro e Dança continuam a atrair muitos alunos, mas ainda falta a formação completa para algumas especialidades, como dança e percussão.
Parcerias e estratégias
Gaspar Neto é pragmático em relação às dificuldades financeiras. Reconhece que, embora o apoio do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura seja essencial, não é suficiente para cobrir todas as necessidades. Por isso, acredita que é fundamental buscar parcerias público-privadas para dar suporte à educação artística.
“Temos feito parcerias com algumas empresas, como a Refriango, a Associação Anazenga e algumas embaixadas, mas essas parcerias são muitas vezes esporádicas. Nosso objectivo é firmar parcerias mais estruturadas e duradouras, com empresas e organizações dispostas a apoiar a educação artística de forma mais consistente”, explicou.
Ressaltou ainda que, além de parcerias com o sector privado, a instituição está buscando desenvolver projectos internos que possam ajudar a arrecadar fundos, como cursos livres e a utilização do campo desportivo para eventos da comunidade. Gaspar Agostinho Neto também abordou a questão da valorização das artes na sociedade angolana.
Mais de 300 quadros no mercado de trabalho
Desde a sua inauguração, o CEARTE já formou mais de 300 quadros no campo das artes, e a tendência continua com o crescente número de finalistas a cada ano. Em 2023, a instituição formou 150 alunos e, em 2024, o número de finalistas caiu para 114, mas o objectivo permanece: formar entre 70 e 115 alunos por ano nas diversas áreas artísticas.
A formação, disse, não se limita à teoria: o Gabinete de Trabalho para a Vida Activa (GIVA), responsável por apoiar os alunos finalistas na transição para o mercado de trabalho, tem sido fundamental nesse processo.
O GIVA já conseguiu inserir 185 alunos no mercado de trabalho, principalmente em instituições de ensino privado, como colégios e outras organizações culturais.
Gaspar Neto acredita que a formação especializada, tanto nas artes quanto na educação física, é essencial para o desenvolvimento das escolas no país. “Defendemos que a educação física e as artes devem ser ensinadas por professores especializados nas escolas”, enfatiza.
Internato: necessidades e desafios
Um dos grandes projectos de infra-estrutura do CEARTE é o internato, destinado a receber alunos de outras províncias de Angola. Gaspar Neto destaca que, para o internato funcionar adequadamente, são necessárias condições mínimas como uma equipe de assistentes sociais, médicos, ambulância, refeitório, lavandaria, e fornecimento contínuo de energia eléctrica e água potável.
“Os internatos são áreas muito sensíveis. Ou arranca correctamente, com 85% das condições criadas, ou não se deve iniciar. Não podemos brincar com a educação dos nossos alunos”, afirma.
Actualmente, os alunos de outras províncias estão sendo alojados em casas de familiares, mas o objectivo é que, com o tempo, eles possam ser acomodados no internato, que conta com 164 camas, sendo 22 reservadas para professores.
Transporte: facilita o acesso aos estudos
Uma das grandes dificuldades dos alunos, especialmente os que vêm de fora de Luanda, era a desistência devido ao alto custo de transporte. Para solucionar esse problema, o Ministério da Educação disponibilizou dois autocarros para o transporte diário dos alunos, o que tem reduzido significativamente o número de desistências. Hoje, os alunos têm acesso gratuito ao transporte, o que facilita a sua permanência na instituição e evita o gasto com táxis.
Apesar das dificuldades, Gaspar Agostinho Neto se mostra optimista e acredita que o CEARTE tem todo o potencial para se tornar um pilar da formação artística no país.
“Temos uma infra-estrutura boa, mas precisamos de mais apoio”, afirmou. Mediante as suas expectativas, espera-se que, com a continuação dos esforços e das parcerias com os ministérios, o CEARTE possa finalmente se estabelecer como uma instituição de referência na formação de artistas e técnicos altamente qualificados, contribuindo de forma decisiva para a cultura e a economia de Angola.
Os guardiões da linha de frente
Por sua vez, o coordenador do curso de Artes Visuais e Plásticas, Manuel Ventura, manifestou que o dia-a-dia da área que dirige tem sido repleto de uma verdadeira ginástica, com várias dificuldades tanto para os alunos quanto para os professores. Explicou que a área de Artes Visuais e Plásticas ministra dois cursos, subdivididos em pedagógico e artístico.
O curso artístico comporta as especialidades de cerâmica, escultura, pintura, gravura e tecelagem. “Para os cursos artísticos, obrigatoriamente, deveriam ter uma oficina acompanhada de ateliês.
Contudo, as dificuldades são enormes, especialmente porque os ateliês praticamente não têm material. Os professores, muitos dos quais também são profissionais da área, procuram trazer recursos dos seus próprios meios para garantir a continuidade das aulas” disse o professor.
Manuel Ventura citou o Atelier de Cerâmica como um exemplo, explicando que, apesar de os alunos conseguirem produzir trabalhos, não conseguem concluir o produto final devido à falta de um forno. Nos ateliês de gravura, a ausência de uma prensa e outras máquinas tem sido uma preocupação constante.
O coordenador apelou às instituições responsáveis para que olhem com mais atenção para a escola e providenciem os materiais necessários para equipar adequadamente os ateliês, destacando que, se as condições mínimas forem atendidas, os alunos serão capazes de produzir trabalhos de alta qualidade, no mesmo nível dos artistas profissionais.
Aulas práticas de teatro
A coordenadora do curso de Teatro, Liliana Nzinga, explicou que, inicialmente, o curso funcionava apenas no primeiro e segundo ciclos, mas, há quatro anos, foi aberto também para alunos da 7.ª classe, o que gerou uma grande demanda.
Mencionou que a área conta com aproximadamente 60 alunos, mas, por ser uma escola de arte, não pode ter um número excessivo de estudantes, já que os exercícios são, em grande parte, individuais.
Uma das principais dificuldades que enfrenta, conta, tem sido a compra de materiais didácticos para as aulas práticas. Para amenizar a falta de recursos, orienta os alunos a se organizarem em grupos e contribuírem financeiramente para adquirir o que é necessário. Além disso, a escola recorre frequentemente à reciclagem de materiais.
Outras dificuldades incluem a falta de livros disponíveis, a escassez de energia eléctrica e água, e as questões de segurança nas imediações da escola, onde muitas alunas têm sido vítimas de assaltos e violência.
Falta de instrumentos musicais A área de música também enfrenta sérios desafios, como explicou o professor Miranda Augusto Domingos, responsável pelas especialidades de piano, guitarra, canto, sopros e educação musical. Ressaltou que, devido à natureza de uma instituição nova, ainda não há ofertas de materiais no mercado, o que dificulta bastante o trabalho.
Espaço adequado para dança
A professora de dança, Sabina Panzo, também formada pelas antigas escolas de arte, ressaltou que a falta de condições adequadas tem dificultado o progresso dos alunos. “Não conseguimos ter todas as condições necessárias.
Os alunos não têm a indumentária apropriada para as aulas, faltam músicas e aparelhos suficientes, e, por vezes, também enfrentamos problemas com a falta de energia eléctrica, o que impede a conexão dos aparelhos.
Sem energia, não conseguimos trabalhar a dinâmica da música, o ritmo e a movimentação que os alunos precisam aprender”, explicou Sabina. Embora a escola disponha de espelhos, piso adequado e barras de balé, muitos recursos continuam faltando para que os alunos possam receber uma formação completa.
Estudantes: as dificuldades do dia-a-dia
Edmilson Garcia, estudante do curso de música, especialidade de piano clássico, compartilhou os desafios diários que enfrenta. Destacou o custo diário de transporte para a escola, pois mora no Gamek e gasta 900 kwanzas por dia apenas com o trajecto.
“No que diz respeito às aulas práticas, não temos material suficiente. Por isso, criamos um sistema de espera: um ensaia por 15 minutos enquanto o outro aguarda sua vez.
Como não tenho material em casa, fico mais tarde na escola para conseguir praticar com mais intensidade”, relatou Edmilson. O estudante contou que inicialmente teve o apoio da mãe, mas agora já conquistou grande respeito e aceitação dentro da sua família, fruto do trabalho árduo que tem demonstrado. Edmilson tem-se apresentado em casamentos, festas, concertos e também trabalha como professor de música em domicílio.
Marcelina Armando, estudante da 12.ª classe no curso de música (educação musical), relatou que as aulas têm sido muito boas, mas exigem grande esforço, atenção e dedicação.
Por sua vez, Noemia Suzana, estudante de teatro, contou que, quando entrou para o curso, tinha o desejo de estudar música, mas acabou sendo seleccionada para o curso de teatro.