A inserção das línguas nacionais no sistema de ensino angolano a todos os níveis é um assunto que há mais de uma década tem levantado acesos debates entre linguistas e académicos realizados no país
Esta preocupação está relacionada com o número de falantes de línguas nacionais que reduziu, consideravelmente, nos últimos 20 anos, do que na era colonial.
Num encontro realizado, recentemente, no Memorial Dr. António Agostinho Neto, especialistas defenderam a necessidade de se criarem políticas públicas concretas, que viabilizem a execução do projecto de inserção das línguas nacionais no sistema de ensino e na administração do Estado.
A linguista e docente, Maria Helena Miguel, é uma das especialistas que considera fundamental a criação dessas condiões viabilizantes.
“Nós falamos muito da valorização e promoção das línguas nacionais. Há muito que se discute este assunto, desde poucos anos depois da independência, mas na prática assistimos ao contrário.
Aquilo que tem sido feito desde aquela altura pra cá, em vez de aumentar o número de falantes das línguas nacionais, está a reduzir consideravelmente fruto da sua desvalorização”, afirmou.
A mesma acrescenta que esta redução é também, e, sobretudo, resultado da falta de um estatuto de funcionalidade das línguas nacionais, uma tarefa que, segundo a mesma, o Estado devia olhar como prioritária.
Estás línguas, afirma, “são consideradas riquezas culturais nacionais, mas tem que se definir as suas funcionalidades.
“Se formos no sistema de ensino ela não tem espaço, na administração pública também não tem, e até mesmo nas tomadas de decisões do governo elas não são tidas em conta. Então, estas línguas não têm funcionalidades.
É preciso dar a elas o seu real valor”, sublinhou. Já o linguista e historiador, Albano Cufuna, por sua vez, afirma que já existem quadros formados para leccionar as línguas nacionais nas escolas, razão pela qual entende que a não inserção destas línguas no sistema de ensino, não é uma questão de falta de quadros e sim de ferramentas legais e de vontade política em materializar esta decisão.
“Pelo que temos visto, já existem elementos formados, até com o nível de mestrado, nas áreas de línguas africanas, onde se enquadram as línguas nacionais, mas não se percebe por que motivo, até agora, o governo diz não ter ainda condições para inserir as nossas línguas no sistema de ensino.
No meu ver, isto está mais por questões políticas do que de educação, como tal”, disse.
O também docente universitário defende que a não inserção das línguas nacionais, para além de ser uma desvalorização das nossas culturais, é um acto de exclusão social e negação das nossas origens, justificando que “existem povos que não falam português e estão privados do direito à educação, porque não há escolas disponíveis a ensiná-los nas suas próprias línguas”.
Convidada a falar sobre o tema “Línguas Vivas, Línguas Mortas e Línguas Bloqueadas”, à luz da realidade cultural angolana, Maria da Conceição Neto chamou a atenção para o risco de extinção que algumas línguas bantu estão exposta devido à constante redução do número de falantes, impulsionado pelo êxodo rural e pelo sistema de ensino.
A analista de línguas e culturas linguísticas adverte que a não prática de uma língua faz ela desaparecer e que o desaparecimento de uma língua significa o apagar da existência histórica de um povo e de uma cultura.
Recorrendo aos dados estatísticos nacionais, a especialista pede que se olhe para a questão das línguas como um assunto de emergência porque, “com 70% da população angolana concentrada em zonas urbanas, onde só costuma se comunicar em português, efectivamente a situação das línguas bantu angolanas poderão, mais cedo ou mais tarde, correr o risco de desaparecer”, advertiu.
Debate oportuno
Por sua vez, o director daquele espaço histórico-cultural e científico, António Fonseca, referiu que o debate foi realizado com o objectivo de se discutir, abertamente, a questão das línguas e a sua valorização, visando comungar ideias e recolher subsídios de especialistas que possam servir de base para sustentar a posição da sociedade civil, em sede do Parlamento que tem a tarefa de legislar o assunto.
Por: Bernardo Pires