Depois de ter adiado o desejo de ser cantora e escolhido o jornalismo, Elisa Coelho, que foi a primeira mulher na década de 80 a trabalhar como operadora de som, agora conhecida nas lides artísticas como Antoníca, verá o seu sonho a ser concretizado com o lançamento do seu primeiro álbum, em Outubro, intitulado “Verdades e Consequências”. A obra foi gravada nos estúdios da Rádio Nacional de Angola (RNA), com a Banda Movimento, e acabamentos da Xicote Produções
Trabalhou como jornalista na RNA durante várias décadas e agora vai lançar o primeiro álbum, em Outubro. Como surge o desejo de se dedicar também à música?
A música, ou seja, a veia artística antecede o jornalismo, mas só agora pude concretizar este lado, porque na vida existem opções a fazer.
Então, eu na verdade já canto desde a minha juventude e começo a aparecer em público nos anos 80. Mas, depois atingi a fase da maternidade, comecei a ter filhos, casei-me e então abdiquei-me disso para poder dar o melhor de mim à profissão que me garantia subsistência. Dai, o lado artístico ficou de parte mesmo.
Mas, ainda assim, depois de 15 anos de profissão de radialista, porque o jornalismo efectivo é a última fase da minha carreira profissional, porque começo como operadora de som na RNA.
Como foi este percurso na rádio?
Comecei como secretária dactilógrafa, depois fiz então a formação técnica, onde na década de 80 fui a primeira mulher a trabalhar como operadora de som no meio de vários rapazes, isso até 2005, altura em que passei então a fazer redacção e reportagem.
Foi na Radio Escola, onde fiz uma formação, desenvolvi a redacção e reportagem, porque comecei a ter problemas de saúde, dentre as quais hipertensão.
Adquiri a hipertensão e não poderia trabalhar muito com o som.
Disse que foi a primeira mulher a trabalhar como operadora de som na década de 80. Como foi em termos de experiência?
Sou uma mulher que gosta de desafios. Na verdade, quando entrei na rádio foi através de uma imposição; o finado Francisco Simone foi a pessoa que praticamente me obrigou a entrar para os quadros da rádio.
Era muito jovem e não pensava ainda em trabalhar. Era estudante, mas gostava de participar no associativismo, e participava na “Maka à Quarta-feira”, da União dos Escritores Angolanos. Foi lá que ele me conheceu e via em mim algo que se podia aproveitar.
Conversava sempre comigo e convidava-me para ir à rádio. Eu dizia que não podia, que a minha vida era outra.
Houve uma altura que ele mandou-me ir fazer um teste à radio, porque o secretariado de informação precisava de um funcionário. Fui fazer o teste, mas só para responder ao pedido que ele me havia feito.
Qual foi o resultado deste teste? Foi o esperado?
Fiz o teste e estava aprovada. Também desapareci, porque tinha ido a uma campanha de café, na altura em que nós saíamos para as províncias.
Estava envolvida no associativismo. E quando regresso, o Simone obrigou-me a ir apresentar-me e eu tinha já lá a carta de apresentação.
Comecei a trabalhar como escriturária, porque não tinha formação em nenhuma área de actividade, não sabia o que iria fazer na rádio.
Posta lá fui vendo a área onde eu me pudesse enquadrar. Como sempre, o meu sonho era ser engenheira de electrotecnia, aguentei quase um ano no secretariado onde então pudesse-me enquadrar. E vi, notei que na área técnica não havia mulheres.
Foi assim que tudo começou?
Sim! Quase sempre que fosse trabalhar ia logo pesquisar, acompanhar os sonorizadores, os técnicos.
E o falecido Cláudio Correia, que trabalhava nesta área, estava sempre ao lado dele e engracei-me por esta área.
Fiz uma carta a pedir a minha formação, a pedir o acesso a esta área. A princípio rejeitaram, porque não havia mulher.
Diziam que esta área era só para homens, mas eu insisti. Fui insistindo e a directora da LAC, na altura, a Maria Luísa Fancony decidiu dar-me uma oportunidade.
Olha, naquela altura falava-se já da emancipação da mulher; eu já declamava poesia, cantava também. Então, decidiram dar-me essa oportunidade, acreditando que eu engrenasse. E não é que tive a melhor nota entre os colegas, e fiz, sai-me bem.
A partir dai a RNA, no curso a seguir de admissão de operador de som, já permitiu o ingresso de mulheres. Entram então a Madalena Neto e a Natércia Maria depois de mim.
Não sei se entraram no mesmo curso ou em cursos diferentes, mas elas entraram depois de mim. No terceiro entrou a Victória e foram entrando umas tantas.
Encontra-se reformada desde 2021. Este foi o momento propício para trabalhar no seu álbum?
Ai também já havia resolvido outros problemas que me fizeram então abandonar a carreira artística, agora estou pronta para levar a música avante.
Quanto ao lançamento, sei que a proposta é lançarmos no dia da RNA, 5 de Outubro. Portanto, será na primeira semana.
Neste caso, quando começou a gravar as músicas?
Este álbum, que sai em Outubro, comecei a gravar algumas músicas em 2002. O álbum estava para sair em 2002. Só que, infelizmente, os recursos não foram favoráveis, então adiei mais uma vez o álbum.
E, há dois anos, em 2021, 20 anos depois, surgiu a oportunidade, a RNA ofereceu-me o estúdio e a Banda Movimento, refiz algumas canções e entendi então produzir este primeiro álbum, onde estão sete canções de minha criação e três versões.
Destas versões uma é de um artista estrangeiro, o congolês Franklin Boukaka, Sofia Rosa no Manhinga Mamy e outro um artista também já falecido, o José Figueiredo.
Na verdade, os três já são falecidos, mas os dois são angolano.
Pretende homenagear estes artistas no “Verdade e Consequências”?
A homenagem, na verdade, é para a minha avó com uma das canções.
É a pessoa a quem eu homenageio.
Agora, as três versões que trago são de figuras que eu os tenho como ídolo e quis, então, eternizar os seus nomes, que é Franklin Boukaka, Sofia Rosa e o José Figueiredo. Mas, nas minhas apresentações ao vivo canto também músicas de José Agostinho, que ainda se encontra em vida.
Existem outros nomes que pretendo trazer, se tiver oportunidade, ao longo da vida, ao longo do tempo que ainda estiver cá, de passagem, poderei cantar.
Mas o meu projecto é em cada obra que produzir relembrar dois nomes de artistas angolanos.
Como surge o nome artístico Antoníca?, É também para homenagear alguém?
Sim. O meu avô, pai do meu pai e a minha tia, no caso, a única irmã que o meu pai teve. Também o meu avô era António e a minha tia era Antónia.
Então, Antoníca como é um nome que vem da nossa identidade, não existe nenhum artista com este nome, decidi pôr esse nome.
E também trabalho com matéria mais rústicas, mais da comunidade, então estou a trazer este nome diferente.
“Verdades e Consequências”, o que pretende trazer com este trabalho?
As verdades constam das letras das músicas apresentadas no álbum; tudo é verdade, e algumas são consequências também.
Algumas coisas menos boas são facetas da vida que cada um de nós tem.
E a vida é feita mesmo disso; de algumas verdades, boas ou más, duras ou levezinhas, mas devemos saber contornar. As consequências da vida também são as nossas falhas, os nossos erros.
Há vezes que a gente faz coisas que não são do nosso prazer, lidar com pessoas que, infelizmente, temos que o fazer.
Por exemplo, a música de José Figueiredo, que trago em Kimbundu, é de um amigo que acaba por tornar-se num grande inimigo. São sequências da vida e a gente tem que lidar com isso.
A intenção é trazer novas abordagens?
Para não trazer temas assim, muito comuns, nomes muito comuns, trago as consequências da vida também, e as verdades que a gente tem de conviver com elas, querendo ou não.
“Verdades e Consequências” é um tema que também tem a ver com o jornalismo?
É verdade. Mesmo até agora continuamos a passar…lidamos com pessoas que nos pregam partidas e não acreditamos que vem da parte delas. Há muita inveja.
O meu disco poderia sair há muito tempo e, mesmo assim, só agora, pessoas que não têm nada a ver comigo, que não me conhecem, estão a ouvir o disco, as músicas e felicitam-me.
Mas as pessoas mais próximas, nem por isso. Agora estão a seguir a onda. E vida é feita de “Verdades e Consequências”.
Numas das suas canções, “A Minha cara é essa”, fala das mulheres de várias regiões do país. Também pretende prestar tributo a elas?
Nesta quis enaltecer a mulher e também a nossa Angola. Num sentido figurado é Angola e a mulher. Angola como Mãe Pátria, Angola como o ser que tem o sentido materno.
Então, trago as nossas províncias e também cada uma de nós tem que ser aceite como ela é, independentemente dos seus hábitos e costumes.
Disse que trabalhou com a Banda Movimento, que fez a produção do álbum. Como foi interagir com os artistas neste primeiro contacto que teve depois de muitos anos?
A Banda Movimento parece que é a destinada a acompanhar-me enquanto artista.
Disse há pouco que comecei a gravar, tenho oito músicas já gravadas do primeiro álbum que estava para lançar no ano 2002. Foi justamente com esta banda.
Nesta altura, a banda nem era assim denominada, era a Banda do Movimento Nacional Espontâneo. Ainda nem era da rádio.
E foi com ela que gravei. Portanto, não é novidade lidar com eles. Independentemente disso, funcionei na área da cultura, funciono até agora porque sou contratada.
Reformada, agora estou a trabalhar sob contrato.
Então, eu lido com os artistas das mais diversas categorias.
Então, acompanhou de perto o percurso destes profissionais…
Conheço todos os integrantes da banda, mesmo dos agrupamentos de onde eles saíram para formar a Banda Movimento.
Por exemplo, o Massoxi vem do 21 de Janeiro, o Quintino dos Jovens do Prenda, Chico Madne já era da rádio.
E então, conheço todos. Foi uma interacção muito próxima. E eles também já me acompanharam; faço música ao vivo e, quando tenho a oportunidade de cantar, eles já me puderam acompanhar.
Com a Banda Movimento, o Quintino, e é bom aqui realçar, ele foi o arranjista, foi a pessoa com quem mais interagi devido à sua função neste trabalho.
As minhas músicas, normalmente, faço-as na altura que me vêm as ideias à mente. Quando estou a escrever, começo também a pensar no estilo.
Disse que já tinha algumas músicas gravadas desde 2021. Como é composto o seu repertório?
O meu repertório é grande, tenho muitas letras e muitas músicas preparadas, e tive de fazer a selecção de 20 músicas para priorizar as que iriam ao álbum.
Mas, mesmo assim, depois de seleccionadas umas 10 ou 12 para depois passarem à peneira, ainda tive que eliminar cinco para inserir quatro que fiz na altura em que já estava a gravar as outras.
Por exemplo, “A minha cara ” é criação de 2021, altura em que entrei em estúdio.
O mesmo trabalho teve ainda com DJ Mania, através da Xicote Produções, que deu acabamento ao álbum?
Com DJ Mania foi a primeira vez a trabalharmos juntos, deu o acabamento ao álbum, porque nós gravamos a instrumentalização toda.
O princípio das músicas começaram na rádio, mas o acabamento foi na Xicote. Entrevistava-o, conheço-o, mas trabalhar junto foi a grande novidade.
Foi muito bom, foi um companheirismo, tanto é que, na fase da produção da capa, faltava um instrumentista da Banda Movimento e os coros, que foram já postos na Xicote, eu já nem presenciei, porque estava no leito de um hospital fora do país. Então, foi tudo interacção via Internet.
Tem algum filho que segue as suas pegadas no mundo da rádio e da música?
Tenho sim, no mundo da música e da rádio. Tenho o Cláudio Dala, o SNC, é o seu nome artístico. Já está na música desde os anos 90, mas canta rapper.
Ele cresceu também na rádio, a fazer programas infanto-juvenis, mas depois teve que sair. Foi à Namíbia, e só há dois anos é que ele está na rádio Viana, onde apresenta um programa.
Ele também é técnico de som, veja lá a coincidência.
E, por acaso, ele também participou na gravação deste disco como técnico. Ele e o Paciência foram os técnicos que estiveram na gravação na CP1.
Sente-se feliz ao ver o seu filho a seguir esse caminho?
É sinal de que o testemunho foi bem passado. Gostaria que estivesse numa outra área, porque estes mesmos não dão dinheiro.