Com 87 anos de idade, completado a 2 de Janeiro, o músico, compositor e rei da música angolana, Elias Dya Kimuezo mostrou pretende trabalhar para o lançamento de um novo trabalho discográfico, onde pudesse trazer factos que correspondam à realidade social do país. Nesta altura, o profissional gostaria ainda de continuar a subir aos palcos para actuar, o que, conforme disse, daria maior dinamismo ao seu dia-a-dia
O músico, que na época colonial através das suas composições transmitia mensagens ocultas aos cidadãos na língua nacional Kimbundu, manifestou a sua nostalgia em relação aos tempos idos, em que ressalta as imensas actividades e as festividades eram realizadas em todo o território nacional, assim como idas ao velho continente.
Completou no mês passado 87 anos. Como é que está Elias Dya Kimuezo?
Tenho tido altos e baixos. Tem sido como Deus quer: há dias que tenho saúde, noutro não há. A vida é assim, tem altos e baixos. Tenho andado um pouco, caminho em casa, o que implica também um exercício nesta idade ( 87), que completei a 2 de Janeiro.
Destes anos de vida, mais de 70 foram dedicados à sua carreira musical. Está disponível para continuar a trabalhar?
Actualmente, não há trabalho. Estamos aqui todos sem fazer nada. Quando aparece é uma actividade por mês, e nós não estávamos habituados a isso.
Mas, gostaria ainda de estar constantemente em palco?
Sim. Para mim, com a idade que tenho, serviria de exercício estar constantemente a fazer ensaios. Subir ao palco seria bom para mim. Estou disposto para isso. Estou disponível, se alguém convidar-me para fazê-lo. Sempre estive disposto a isso. Começou a cantar no grupo Ginásio, na década de 50. Que memorias tem deste conjunto? Também todos já se foram… naquela altura eramos todos muito unidos com a juventude em nós. A cultura era a música e o desporto. Nós estávamos englobados na área musical.
O que é que representa para si o bairro Marçal, actualmente integrado no Distrito Urbano do Rangel e também o Sambizanga?
Marçal porque nasci naquele bairro. Sambizanga porque cresci lá. O Rangel é o lugar onde vivi a minha juventude. Tenho boas lembranças destes lugares. Pelo contributo que deu à música angolana, assim como os anos de carreira, sente-se já realizado? Ainda não me sinto realizado profissionalmente.
Neste caso, o que é que falta?
Minimamente, condições… também maior atenção aos músicos, porque de uma forma ou de outra cada um deu o seu contributo àquilo que a cultura é hoje. Foi necessário haver um princípio de estrada para que hoje todos possam trilhar nesta estrada. Então, houve um princípio para que essa estrada hoje existisse e chegas- se ao ponto em que está. Por esse motivo, é preciso olhar para estes artistas que começaram esta estrada.
Que tipo de atenção gostaria de ter neste momento?
Falo em todos aspectos. Como de trabalho, de poder participar nas actividades, apesar de que hoje temos poucos empresários que trabalham nesta área de produção de eventos.
Qual é o balanço que faz destes anos de trabalho?
Foram bons anos e produtivos. No passado, tínhamos muitas actividades que resultavam em trabalhos para nós. Corríamos às províncias, íamos à Europa. Agora é que estamos num fracasso. Quase que não há trabalho.
Sente saudades destes tempos?
Sim, sem dúvidas! Sinto muitas saudades…
Quais foram os momentos marcantes que assinala nesta estrada?
Era altura das festas, porque as festividades eram em todo o território nacional. O individuo estava sujeito a circular e conhecíamos outras pessoas também. Lembro- me que percorri quase todas as províncias para participar em espectáculos, incluindo Cabinda.
Recentemente houve a realização de vários espectáculos musicais, para celebrar mais um aniversário da cidade de Luanda, em que apreciamos apenas a participação de artistas da nova geração. Estando assim de fora os da velha- guarda. Sente-se satisfeito com isso?
Todos os trabalhos que foram fazendo ao longo do ano passado é mais os artistas jovens que participaram. Então, nem sempre, por- que também a idade não permite, mas de vez enquanto para nos movimentarmos também de- veriam convidar os mais velhos. Também, para haver intercâmbio e passarmos o testemunho.
Que apreciamos apenas a participação de artistas da nova geração. Estando assim de fora os da velha- guarda. Sente-se satisfeito com isso?
Todos os trabalhos que foram fazendo ao longo do ano passado é mais os artistas jovens que participaram. Então, nem sempre, por- que também a idade não permite, mas de vez enquanto para nos movimentarmos também deveriam convidar os mais velhos. Também, para haver intercâmbio e passarmos o testemunho.
Qual é a relação que tem actualmente com os colegas de profissão?
São boas. Têm vindo aqui muito deles visitar-me. Há dias esteve aqui o Yuri da Cunha, Xabanú, o jornalista Afonso Quintas, entre outros que têm essa preocupação, de me ver, saber como estou.
Falou sobre o músico Yuri da Cunha, como sabemos, é um dos poucos jovens que se dedica ao estilo Semba. Qual é apreciação que faz do seu trabalho?
Ele está a ir bem, está num bom caminho. Quanto aos outros que preferem os outros estilos musicais, que não caracterizam a nossa cultura, devo dizer-lhes que não há benefícios sem sacrifícios: é necessário que os jovens se dediquem mais àquilo que representa a nossa cultura. Os artistas quando vão fora do país cantam outros estilos musicais, deixando de lado os géneros que nos caracterizam, como o Semba. O desenvolvimento da nossa cultura preocupa-me.
Qual é a apreciação que faz dos trabalhos destes artistas?
Tenho ouvido pouco o trabalho deles, porque agora não ando mui- to. Realmente estão num bom caminho, mas há aspectos que têm que melhorar, para podermos levar a nossa música a qualquer parte do mundo, tendo em conta os nossos aspectos culturais. Começaram bem, estão a caminhar, mas devem melhorar a cada dia que passa.
Sendo todos os artistas detentores de talento, quais acha que deve- riam ser os embaixadores da música angolana?
São muitos. Mas é necessário que trabalhem em prol do nosso país. Desta feita, teremos claramente o embaixador da nossa música.
Quanto ao título de rei da música angolana, que lhe foi atribuído pelos portugueses, em 1969, para definir a maneira como se apre- sentava. Também pelo facto de só cantar em kimbundu…
As minhas músicas são todas em Kimbundu, talvez uma em Um- bundu.
Quais são os prémios ganhou através deste título?
Foram várias viagens para a Europa a representar o país.
Esse título, reconhecido por mui- tos cidadãos no país e no mundo, não foi formalizado ainda pelo actual Ministério da Cultura e Turismo. O que se passa?
Foi em 1995, se não estou em erro, que a União Nacional dos Artistas e Compositores –Sociedade Autorais (UNAC-SA) revalidou o título, onde foi-me colocado a coroa e o bastão. A cerimónia decorreu na Ilha de Luanda. Foi numa altura em que minha esposa encontrava- se em tratamento na África do Sul. Acho que a UNAC-SA seja uma associação ligada a esse ministério, que se responsabiliza por estes trabalhos. Embora não ter aquele reconhecimento profundo de como é que eles funcionam, acho que a UNAC-SA está associada ao Ministério da Cultura e Turismo.
Em 2021, o antigo ministro da Cultura e Turismo, Jomo Fortunato, através de uma organização de eventos coroou o intérprete Eddy Tussa como o príncipe do Semba. Como avaliou essa situação?
Pelas palavras do ministro indicado na altura, Jomo Fortunato, acho que não foram válidas. Vejo como uma premiação, até porque acredito que a organização do evento não tenha essa capacidade de indicar alguém nesta categoria. Lembro que neste dia o ex-ministro telefonou, nós não estávamos em casa (eu e a minha esposa). Ainda assim, deslocou-se até à nossa casa, porque queria que eu participasse naquele evento.
E ficaram surpreendidos com a notícia?
Sim. Ficamos surpreendidos quando vimos a notícia na televisão. Mas, também, do jeito que nós vimos não achamos um acto correcto: era o ministro, mas só tinha que ser mesmo o ministro… mas do jeito que foi, não sei… Está certo que o Eddy Tussa é uma pessoa que na música está num bom caminho, mas acho que não devia ser assim.
Quem o Elias Dya Kimuezo acha que deveria merecer esse título?
Ainda há muitos músicos no mercado que mereciam esse título, mesmo dentro da velha-guarda.
Numa conversa com o nosso jornal, há alguns anos, mostrou a pretensão de lançar um novo trabalho discográfico. Em que pé se encontra este plano?
Seria bom lançar um álbum nesta altura da minha carreira, com novidades. Mas quase que não ando. Para compor é preciso conhecer a realidade. Um individuo quase que não anda. Por isso gostaria de reunir as condições para poder trabalhar. Há essa disponibilidade, mas não tenho materiais, como, por exemplo, um gravador. Gostaria de lançar um novo álbum discográfico, ainda que fosse o último.
E sobre a abertura da escola de música na sua residência, que por falta de apoio na altura o projecto não tinha avançado. Continua com a mesma intenção?
Isso já é passado. Havia alguns ensaios com pessoas próximas e os aparelhos que usaríamos acabaram por queimar. Isso não ajuda.
Nos últimos anos, o seu aniversário tem sido celebrado na presença de vários individualidades ligadas à música e não só, na sua residência, como forma de homenageá-lo. Como foram para si estes momentos?
São momentos alegres para podermos nos unir mais. São momentos que incentivam a união.
Como gostaria que os músicos olhassem o Elias Dya Kimuezo?
Sendo o que sou, com este tempo todo de trabalho, tentem levar ou receber algumas experiências que não têm. Muitos quando necessitam de algo ligam e têm feito isso. Só que deviam trabalhar mais para exaltar melhor as nossas línguas nacionais, para poder levantar o nosso país, a nossa Angola ao mundo.
É de opinião que deviam cantar também em línguas nacionais?
Cantam realmente, fazem músicas, mas deviam cantar mais as nossas línguas nacionais. Se- ria bom que continuassem a valorizar as nossas línguas, conforme ocorreu antigamente. Também, cada país tem a sua cultura, os seus diálectos e nunca desprezam. Eles representam isso em qualquer par- te do mundo. Até agora temos pessoas que rejeitam as nossas línguas nacionais e não deveria ser assim. Se nós aceitamos a língua inglesa que não tem na- da a ver connosco, assim como o francês, devíamos também aceitar aquilo que é nosso.
Distinções
Em 1972, ainda ano tempo colonial, em compensação pelo trabalho em prol da música, foi distinguido com uma estatueta referente aos “11 mais da cidade de Luanda”, que premiava as 11 figuras mais destacadas nas versas áreas profissionais e sociais na capital. Desde os meados da década de 60, Elias Dya Kimuezo foi considerado “O Rei da Música Angolana”, pelo trabalho desenvolvido. Em 1973 é- lhe atribuído uma estatueta alusivo aos 11 anos da cidade de Luanda. Em Setembro de 1989, recebe um diploma de mérito pelo empenho e elevada contribuição postos ao serviço do povo angolano e da cultura nacional, concedido pelo então secretário da cultura.
Na década de 80 e em plena festa da Rádio nacional de Angola, realizada na Cidadela Desportiva, foi-lhe atribuído o título de rei da música angola- na. Porém, seria a 11 de Novembro de 1995 que viria a ser coro- ado numa cerimónia realizada pela União Nacional dos Artistas e Compositores-Sociedade Autorais, no restaurante Bordão, na Ilha de Luanda, por ocasião da comemoração dos 20 anos de Independência de Angola, pelo seu contributo na promoção, divulgação e valorização da cultura angolana, na especialidade de música. A 30 de Setembro de 2011, a UNAC-SA outorga o músico a qualidade de Pilar da Arte, pelas acções realizadas no domínio da música, em prol do desenvolvimento da cultura nacional.
No ano seguinte, Elias Dya Kimuezo recebe, em Luanda, a primeira carteira profissional do artista, entregue pelo Vice-Presidente da República, na altura, Fernando da Piedade Dias dos Santos Em 2015, a vida é o percurso artístico do músico foi objecto de homenagem em livro, intitulada “A Biografia de Elias Dya Kimuezo, A voz e o Percurso de um Povo”, de autoria da escritora Marta Santos. Em Novembro de 2007, é-lhe atribuído o Pré- mio Nacional de Cultura e Artes, na disciplina da música, pela importância da sua obra, com a qual se tornou o compositor e intérprete mais comunicativo da nossa história musical, tendo o registo da mesma elevado a incontornável riqueza da literatura oral no país.
Trajectória
“Elias Dia Kimuezo” nasceu em Luanda, aos 02 de Janeiro de 1936, no bairro Marçal. Aos 12 anos aprendeu a falar Kimbun- du com a avó, após a morte dos pais. Começou a carreira em 1950 no “Conjunto Ginásio”, no Sambizanga. Descobriu a sua vocação artística aos 15 anos, fruto da sua constante frequência na Samba Kimôngua, na zona do Bungo, onde residiam vários operários do Porto e dos Caminhos- de-ferro que tocavam e dançavam o kinganje. Dois anos mais tarde, entrou para Os Kizombas que, na altura, tocavam nas farras do Salão Malanjinho, no bairro do Sambizanga. Nesta época funda o Dikundus, constituído por operários fabris, destacando-se como vocalista principal.
Na sequência dos êxitos conquistados, ligou-se à editora Valentim de Carvalho, com a qual gravou três LP’s, com destaque para “Etiqueta Angola”, em que participaram Rui Mingas, Teta Lando e Barceló de Carvalho “Bonga” e cinco singles. Nos anos 70 gravou um LP com a editora Rebita e um outro no Brasil. Em 1974 funda um dos maiores grupos da época, o Kissanguela, ligado à estrutura juvenil do MPLA e JMPLA.
Por várias vezes representou Angola em vários países, entre os quais se destacam Brasil, Cuba, Cabo-Verde, India, Namíbia, Portugal, São Tomé e Príncipe e URSS É o primeiro classificado num concerto de música dos países africanos lusófonos, realizado em Lisboa em 1982. Tem gravado quatro Long Play (LP) e igual número de singles, todos produzidos entre as décadas de 60 e 70. Tem apenas dois CDS no mercado. O primeiro foi lançado em 2005. O título de rei da música angolana foi-lhe atribuído pelos portugueses, em 1969, para definir a maneira como se apre- sentava. “A classificação veio quando fui a Portugal representar o país num desfile, onde ficamos em terceiro lugar”, contou.
No evento, usou um traje tradicional de pano e aí “é que eles definiram naturalmente aquilo que utilizava, assim como falava e cantava linguisticamente em língua nacional”. Na altura, trabalhava nas boates com vários conjuntos, como os “Cincos de Luanda”, “Jindombe” e mesmo a cantar na língua nacional Kimbundu conseguia enquadrar-se com os estilos modernos. “Foi por este facto que também me deram o título”, rematou.