De acordo com fontes familiares, o cortejo fúnebre do artista está a decorrer, desde ontem à noite, no velório adjacente ao cemitério de Santana, onde igualmente decorrem os actos que antecedem o sepultamento daquele ícone da cultura angolana.
A cerimónia fúnebre, segundo o programa, começou com uma vigília que teve início às 21 horas de ontem, seguindo-se a missa de corpo presente e sessões de homenagens a serem proferidas por familiares, entidades culturais, amigos, classe artística e apreciadores dos trabalhos de Cirineu Bastos, culminando com a deposição do corpo do malogrado na sua última morada terrena.
Em declarações ao Jornal OPAÍS, a filha mais velha do malogrado, Cátia da Silva, fez saber que o artista se encontrava doente já há alguns anos, lutando pela sua recuperação após um incidente em casa enquanto praticava algumas actividades domésticas.
Sem detalhar a patologia que afligia o malogrado, a filha destacou a luta diária do pai para se ver recuperado da situação que se ia piorando a cada ano, forçando-o a abdicar das suas actividades artísticas e culturais devido ao seu estado de saúde que exigia cuidados redobrados.
“Nos últimos dois anos, o papá já não era a mesma pessoa, a doença deixou-o debilitado. Fazia fisioterapia e tudo, mas as coisas não melhoravam como desejado, mas ele não perdia a esperança, no seu silêncio lutava com todas as forças pela sua recuperação”, reportou a mesma, mostrando-se abatida e consternada.
Sem receio, a filha recordou os momentos vividos ao lado do pai que, apesar de um “gigante” das artes, era uma pessoa simples, de trato fácil, amigável e amável entre os seus e até mesmo para com aqueles que o conheciam de longe.
Ressaltou que o malogrado se mostrava quase sempre bem-disposto, alegre e forte. Recordou-lhe como alguém que “queria sempre inspirar e encorajar os outros em tudo o que fazia”.
“Ele ligava para mim sempre alegre, bem-disposto, quando lhe perguntava como estava a perna dele, sempre afirmava que estava tudo bem, que era algo de leve e rapidamente iria passar. Era uma pessoa que nunca queria incomodar os outros com os seus problemas ou queixas”, lembrou com nostalgia.
Um vazio assolador entre familiares e amigos
Tido como uma figura emblemática da cultura nacional, Cirineu parte dentre os vivos, deixando um vazio impreenchível entre familiares, amigos, colegas, classe artística e para a cultura nacional em geral.
Ao relembrar os momentos ao lado do artista, o filho cassula e chara, Cireneu de Jesus Bastos, também ressaltou os feitos do seu pai enquanto animador cultural, actor social e líder irreverente, que, segundo afirmou, sempre se mostrava preocupado em defender a arte angolana e os seus fazedores.
Reconhecendo a dimensão artística do pai, Cirineu de Jesus apela para o não esquecimento dos feitos do artista, advertindo a preservação, conservação e valorização daquilo que foram/são os contributos de seu progenitor para a cultura nacional, com registo desde os tempos coloniais.
“Esperamos que as pessoas preservem e valorizem aquilo que foram os seus feitos pela nossa cultura”, apelou. Inconformado com a perda de um amigo, com o qual ostenta mais de 50 anos de amizade, o docente e engenheiro Luís Moreno lamentou a morte e considerou ser uma perda irreparável não apenas para a cultura, mas para Angola de modo geral.
Luís Moreno, que por sinal também é primo do malogrado (por se ter casado com uma das primas de Cirineu Bastos), recordou com nostalgia os feitos e o contributo de Cirineu para a valorização da cultura nacional ainda na época colonial.
“Naquela altura, ainda nos anos 50, 60, ele já se mostrava irreverente, vestia fatos sociais, com gravata e tudo, mas sempre descalço, com as suas missangas ao pescoço, no pulso e nos pés, protestando e defendendo a valorização da cultura angolana”, lembrou.
Do teatro à música: uma figura proeminente Natural de Luanda, Cirineu da Cruz Bastos era um homem de múltiplos ofícios, tendo dado os primeiros passos nas lides artísticas como bailarino e depois passou para a representação teatral e mais tarde se afirmou como cantor e compositor.
Desde o início da sua carreira, entre 1950 e 60, Cirineu Bastos alegrou as plateias interpretando os grandes sucessos musicais da época, entre nacionais e internacionais, com realce para o músico brasileiro Roberto Carlos, que lhe permitiu valer o apelido de “Roberto Carlos angolano”, esbanjando sua elegância quer na forma de cantar como de se apresentar em termos visuais.
A par da música, o artista ainda se tinha figurado no mundo do teatro, tendo integrado o grupo teatral e musical “Botafogo”, que o levou para o universo da dança, tendo frequentado as famosas farras do terraço do mais velho Jacinto, no bairro Marçal.
Sobre Cirineu Bastos
Filho de Evaristo Honório Bastos Júnior e de Carolina Rodrigues de Almeida, Cirineu Cruz de Jesus Honório Bastos nasceu a 25 de Abril de 1945, em Luanda. Desde muito jovem, mostrou tendências para as artes, frequentando regularmente espaços de manifestações artísticas e culturais, despertando em si uma acesa chama e paixão pelos feitos culturais angolanos.
Com 79 anos de idade, Cirineu Bastos morre deixando quatro filhos, onze netos e uma legião de fãs e apreciadores do seu trabalho, marcando uma geração que viveu e acompanhou as transformações culturais do país, desde a era colonial aos dias de hoje.