A dança é uma das formas de manifestação cultural em Cabinda, estando a sua prática ligada a eventos de vária índole. Os procedimentos, a indumentária e o período do ano em que têm lugar são itens a ter em conta, quando o assunto é dançar nesta região mais ao Norte do país
Num passado não muito distante, Cabinda tinha mais de 30 tipos (variedades) de danças tradicionais, muitas das quais foram desaparecendo com o tempo por falta de incentivos e, também, por conta do falecimento dos seus praticantes.
Nkuintchi, Matinuko, Libuli, Yombo, Liquembe, Senguele e Ntchientchi são estilos já extintos do folclore local, enquanto o Nhyoyo, Dibondo, Lélica, Sunsa, Nzola e Matchatcha, em vias de extinção, estão a ser resgatados pelas autoridades culturais da província.
O Mayeye, Matáfala, Kintuene, Nzoca, Baine, Maringa, Merengue resistiram no tempo e são das poucas danças ainda praticadas em Cabinda.
O trabalho de revitalização e resgate das danças tradicionais desaparecidas e as que estão em vias de extinção está a cargo da Secretaria provincial da Cultura em parceria com a Associação local dos Grupos Folclóricos (AGF).
Em declarações ao jornal OPAÍS, o secretário da Cultura, Ernesto Barros André, confirmou o início dos trabalhos de resgate das danças desaparecidas, referindo que existem dificuldades na localização dos expraticantes e o vazio deixado pelo falecimento de muitos deles.
“Este é o maior constrangimento que temos para o resgate dessas danças que foram desaparecendo com o tempo.” Perante esse empecilho, Ernesto Barros André admite recorrer a algumas pessoas que não praticavam mas que sabem como é que se dançava.
Mesmo assim, o nosso interlocutor está bem animado sobre o assunto, uma vez que o projecto foi abraçado pelas escolas, através da Secretária da Educação, e os alunos já praticam as danças tradicionais mayeye, merengue e kintueni.
“Isto está a ajudar-nos a transmitir a nossa cultura aos mais jovens e às futuras gerações”, disse o o secretário da Cultura.
O responsável da Acção Cultural, José Maria Janson, também reconheceu as dificuldades inerentes ao resgate dessas danças, na medida em que muitos dos seus praticantes já pereceram e os que estão em vida abdicaram dessa arte.
Segundo José Janson, o trabalho de resgate, iniciado há algum tempo, sofreu interregno com o surgimento da pandemia da Covid-19.
No passado, a Secretaria da Cultura tinha o registo de 54 grupos de danças tradicionais, uma cifra agora reduzida para 40, já que um total de 14 grupos desistiu por falta de incentivos e apoio financeiro para sustentar as actividades.
“Estamos a trabalhar com as administrações municipais para resgatarmos as danças que desapareceram e depois vamos realizar um festival de exibição ao nível da província para motivar as pessoas que viveram as emoções dessas danças naquela época”, referiu José Janson.
Para o êxito do projecto, adiantou, foram já identificadas as pessoas que no passado praticaram as danças que hoje estão em vias de extinção e estão a ser sensibilizadas para transmitirem os seus conhecimentos às novas gerações.
Questionado sobre o actual estado da dança em Cabinda, José Janson descreveu um cenário de preocupação, na medida em que os grupos estão a viver imensas dificuldades por falta de patrocínio, apoio financeiro, indumentária e mate – rial acústico, principalmente batuques.
A situação agravou-se ainda mais no período do surgimento da pandemia da Covid-19 que retirou a possibilidade dos grupos participarem em eventos culturais públicos.
“Os grupos não têm patrocínios e sustentam as actividades com custos próprios.
Às vezes dependem dos incentivos do Estado através da Secretaria provincial da Cultura”, esclareceu o responsável da Acção Cultural em Cabinda.
Por falta de patrocínios, os grupos de dança não realizam exibições públicas e a sua aparição se resume mais ao âmbito da realização do Carnaval.
“Como não temos grupos carnavalescos propriamente dito, eles aparecem e se transformam em grupos carnavalescos.”
A sua presença é também notória noutras actividades governamentais e nalgumas cerimónias e festas tradicionais como o Chicumbi (festa da puberdade).
“Espectáculos como tal não existem, tirando aqueles promovidos pelo sector da Cultura. Depois de cada actividade, o grupo praticamente é desmobilizado aguardando outra oportunidade para voltar a exibir”, explicou.
Em relação à dança moderna, a Secretaria da Cultura controla um total de 49 grupos que praticam os estilos Kuduru, Funk, Reggae, Kizomba, Semba e Zouk.
Danças de referência
Bakama e o Kintuene são as danças de maior referência na província. O Kintuene é um estilo de dança tradicional importado da República Democrática do Congo e se enraizou nos municípios de BucoZau e Belize.
Ao contrário das outras danças, em vias de extinção, o Kintuene expandiu-se em toda extensão da província de Cabinda, por estar muito ligada à juventude.
As suas melodias reflectem, geralmente, as dificuldades sociais que os cidadãos enfretam no seu dia-adia e também têm um pendor crítico dos aspectos que violam os valores morais, éticos e os bons costumes da região.
Podem ser exibidas nos momentos de alegria (festas) e de tristeza (falecimentos).
As violas de caixa de fabrico artesanal, os chocalhos e o bordão são os principais instrumentos que acompanham as melodias cantadas na língua local kiombe. As dançarinas vestemse, normalmente, de panos levantados até aos joelhos e descalçaS.
Bakama
Os Bakama têm uma caracterização própria na cultura tradicional da província de Cabinda. Segundo o responsável da Acção Cultural em Cabinda, José Janson, dada as suas actuações em público, eles podem ser enquadrados como um grupo de dança com características específicas próprias.
Eles representam uma espécie de religião tradicional dos Cabindas que intervêm com exibições em cerimónias de empossamento de chefes, actos fúnebres e de homenagens, doença prolongada e grave, expiação e purificação, consagração, calamidades naturais e agradecimentos.
Em termos rituais, os Bakama estiveram no passado ligados ao culto “Lusunzi”, um génio da terra, que servia de intercessor entre Deus Criador e Senhor do Universo, e os homens.
Desta feita, os Bakama, temidos por terem o poder de amaldiçoar, intercedem junto dos antepassados para apaziguar e regular os conflitos que afectam os valores morais e culturais da comunidade.
Como uma instituição secreta de carácter excepcional, as suas exibições se reflectem na salvaguarda da pureza e da moral da sociedade.
Dificuldades dos grupos
A Associação dos Grupos Folclóricos de Cabinda (AGFC) controla 18 conjuntos que englobam vários estilos de dança tradicional, com finalidade de defender os interesses dos seus filiados e levar as suas preocupações junto das autoridades competentes.
O seu vice-presidente, Ernesto Amaral, disse em declarações a este jornal que os grupos enfrentam dificuldades por falta de apoios, sobretudo de carácter financeiro.
Perante o mar de dificuldades, segundo fez saber, os grupos recorrem várias vezes aos empresários mas sem sucesso devido à crise económica que afecta grande parte dos agentes económicos da região.
As dificuldades se resumem mais na falta de espectáculos, espaços próprios para as exibições, bem como na falta de condições para a aquisição de material para a confecção de indumentária e material acústico, principalmente batuques.
Por esse facto, a associação está de mãos estendidas para que o governo os apoie, já que, como referiu Ernesto Amaral: “Sem espectáculos não conseguimos sobreviver.”
Em termos de projectos, disse que o objectivo da AGFC ė o de criar um grupo de ballet tradicional integrado por elementos de vários grupos, com capacidade para exibir todos os estilos de danças da região.
Por: Alberto Coelho, em Cabinda