Aventureira e disposta a captar o plano inusitado, Anita Baumann ganhou sensibilidade para brincar com a luz muito cedo. Durante uma recente visita à Luanda, O PAÍS conversou com esta fotógrafa de mão cheia, sobre a sua aventura no mundo da fotografia, os novos paradigmas desta arte no mundo contemporâneo, e sobre o seu encanto pela beleza e riqueza do nosso país, uma paixão tamanha que até já pensa realizar uma exposição em que Angola e África serão um retrato plural . Eis a entrevista
Por: Norberto Sateco
Como caracteriza o estado actual da fotografia em Angola?
Devo dizer que o estado actual da fotografia em Angola é salutar, está num bom caminho, e está a acompanhar a evolução da tecnologia desta difícil mas nobre arte.
Quais os aspectos que a senhora acha que devem ser melhorados no seio dos profissionais angolanos?
Angola está a passar por uma fase de grande desenvolvimento. Julgo que o melhoramento de alguns aspectos técnicos passa pela construção de mais escolas e espaços para workshops, bem como uma plataforma para fotógrafos, e eu espero que também possa contribuir para o seu desenvolvimento.
Como pensa contribuir?
Abrir uma escola ou um espaço para workshops onde pudesse partilhar o meu conhecimento. Em Zurique, eu também tinha um estúdio numa comunidade de jovens artistas e profissionais que estavam a começar a lançar o seu negócio.
Quais as áreas da fotografia que devem ser exactamente melhoradas?
São várias: fotografia institucional para relatórios de contas ou para uso interno das empresas, fotografia publicitária usada para fins promocionais, fotografia editorial para revistas, e fotojornalismo para alimentar os jornais diários.
Como é que deve ser feita uma fotografia editorial, por exemplo?
A fotografia editorial é bastante aberta à criatividade dos fotógrafos, além de ser uma boa plataforma para o fotógrafo mostrar o seu estilo e causar impacto em quem vê, mas paga pouco.
E as outras?
Já a fotografia publicitária costuma ter um layout mais restrito e o fotógrafo limita-se a implementar a ideia do departamento criativo da agência, mas tem de ter bons conhecimentos de tecnologia. É bem menos criativa, mas mais bem paga. Para conseguir sobreviver e auferir um bom rendimento é essencial que o fotógrafo consiga ser contratado para vários de tipos de trabalho.
Que critérios acha serem fundamentais para ser-se um bom fotógrafo?
Persistência, trabalho com paixão. Descobre-se rapidamente qual o caminho a aperfeiçoar e o que se pretende. É preciso ser paciente, aprender com os mais experientes, e, sobretudo, acreditar no que se quer fazer.
O mercado angolano é atractivo para fotógrafos estrangeiros?
Em Angola, o mercado da fotografia não é grande, mas tem muito potencial e oportunidades para os recém-chegados que queiram conquistar um espaço próprio nesta área.
No decurso dos seus trabalhos em Angola lembra-se de alguma experiência que a terá marcado?
Fazer (ou não) determinada fotografia vai depender da personalidade do fotógrafo e a sua abordagem aos diferentes momentos, situações ou pessoas é feita consoante esta seja positiva ou negativa.
Dê um exemplo, se faz favor?
Conheci o kudurista Rebentas, na sua casa, no Sambizanga. Ele sofre de poliomielite e tem muitas limitações na sua vida diária devido à doença. Custa-lhe muito mexer-se e anda com as mãos.
Quando é que foi isso?
Este episódio passou-se durante a estação das chuvas e foi muito duro ver a realidade em que ele vivia até nos ter mostrado a sua paixão pela música e pelo canto.
Com que impressão ficou?
Toda a equipa começou a aplaudir e a cantar, e nunca heide esquecer este momento de êxtase, que além do mais, transformou-se numa das minhas fotografias favoritas. É uma honra para mim mostrar o poder, a força e o orgulho das pessoas comuns. Mas, claro, também é importante mostrar o que a guerra, a pobreza e a fome significam e fazem ao nosso planeta.
Então, nessas andanças, conhece muitos fotógrafos que dedicam toda a vida profissional ao lado negativo?
Alguns fotógrafos dedicam toda a sua vida profissional ao lado negativo do nosso planeta. É frequente as fotografias causarem mais impacto do que as palavras e é por isso que são uma poderosa ferramenta de comunicação.
Pode citar alguns nomes?
Sebastião Salgado, um grande fotógrafo, foi um deles, mas, de repente, nos seus últimos anos, sentiu a necessidade de mostrar a beleza do planeta Terra e tornou-se fotógrafo de paisagens e da vida selvagem. Cada um tem de decidir de que forma quer contribuir para o todo.
Agora vamos falar de si como profissional.
O que a inspirou para ser fotógrafa?
Comecei a interessar-me pela fotografia e a envolver-me em diferentes projectos aos 18 anos, e um dos principais foi o circo. Adoro ter acesso aos bastidores e descobrir as verdadeiras pessoas por trás das cortinas e despidas das suas vestimentas, máscaras, maquilhagens e sorrisos profissionais.
Podemos saber porque?
São pessoas que treinam duramente para os seus números, sofrem, falham, mas levantam-se e tentam novamente até atingirem a perfeição. Esta experiência marcou-me profundamente e foi o início da minha carreira fotográfica.
E o que aconteceu depois disso?
Mais tarde, já durante o curso de fotografia, impressionou-me a diferença dos materiais entregues por cada aluno, apesar do tópico ser igual para todos. A fotografia depende muito da percepção individual e quanto mais abertos estivermos ao simples fascínio pelo aqui e agora, mais activos estarão os nossos sentidos ao premir o botão para capturar o momento que queremos que os outros também vejam e sintam. Fotografia é desenhar com a luz. Eu desenvolvi uma grande sensibilidade à luz e adoro brincar com isso.
O que é que lhe dá mais prazer ao retratar?
Dá-me muito prazer viajar, fazerme à estrada, conhecer pessoas, culturas e lugares diferentes. Ser aventureira, viver e sentir-me inspirada por cada nova situação, esteja onde estiver.
Algum motivo especial?
Faz-me sentir viva e dá-me uma enorme alegria e satisfação.
Nessa sua aventura, tem noção de quantas fotografias já fez ao longo da sua carreira?
(Risos) ….boa pergunta. Aproximadamente 650 mil. Parece muito, mas nesta era da fotografia digital, os fotógrafos têm tendência para experimentar e fotografar muito mais, pois já não se gasta material como antigamente.
Que desafios, na sua maneira de ver, Angola tem neste campo… Em Angola ainda não existe um ecossistema profissional nesta área e tem sido um grande desafio para mim encontrar uma equipa independente e experiente para prestar-me assistência na realização de projectos. Ser um produtor fotográfico implica saber investigar potenciais boas histórias, organizar a agenda, marcar datas, descobrir as melhores localizações, pessoas ou histórias, e ter atenção, quer aos detalhes quer aos aspectos visuais.
Como olha para o futuro da fotografia no continente africano?
A fotografia contemporânea tem feito muito mais do que mostrar clichés sobre África. Todos os que têm contribuído, mesmo de forma modesta, para mostrar uma África diferente, vão alterar a percepção de quem nunca visitou este continente. E África tem um enorme potencial, não só de desenvolvimento, mas também de entusiasmo: existem muitos jovens inovadores que estão a realizar-se, que são “fazedores” e não se deixam abater pelos obstáculos de todos os dias. A fotografia tem muitas maneiras bonitas de aguçar os sentidos, e, para mim, África é o sítio ideal para continuar a aprender e a crescer nesta área. Como em África a realidade está sempre em movimento, temos de sentir o momento certo para fotografar, porque amanhã pode ser tudo diferente.
Qual é a sua maior ambição nesta área de conhecimento?
Ser capaz de mostrar a beleza e a riqueza deste continente através dos meus olhos.