Dentre as várias músicas que brindou os seus admiradores, Azagaia, que vai à enterrar amanhã, rompeu as barreiras do sucesso para lá de Moçambique com a canção” Povo no Poder”, em que o músico faz um retrato das condições sociais a que vive o povo moçambicano e que é, igualmente, extensivo à lusofonia, sobretudo em países como Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Brasil
Contam as dolorosas horas para os familiares, amigos e fãs prestarem o último adeus ao rapper moçambicano Edson da Luz, mais conhecido por Azagaia.
A voz do povo, como ficou conhecido fora e dentro de Moçambique, vai a enterrar amanhã, Terça-feira, dia 14, no cemitério de “Kongoloti”, Maputo.
Já o velório acontece momentos antes no conselho municipal da capital moçambicana.
Porém, enquanto restam as poucas amargas horas, seguem as sentidas homenagens ao músico Azagaia, cujas súplicas imploram por luz eterna.
O jovem faleceu aos 39 anos de idade, na passada semana, vítima de ataque de epilepsia, conforme um comunicado da família distribuído à imprensa local e internacional a que o jornal OPAIS teve acesso.
Pelo mundo, sobretudo nos países de língua oficial portuguesa, perfilam as mensagens de carinho e apreço pela perda do renomado cantor de muito sucesso e conhecido pelo grande publico pela sua música de intervenção social que toca o dia-a-dia das pessoas, o que lhe valeu a atribuição do título de “a voz do povo”.
Dentre as várias músicas que brindou os seus admiradores, Azagaia rompeu as barreiras do sucesso para lá de Moçambique com a canção “Povo no Poder”, aonde o músico faz um retrato das condições sociais a que vive o povo moçambicano e que é, igualmente, extensivo a lusofonia, sobretudo em países como Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Brasil.
Num dos trechos da música, bastante conhecida, o cantor fala da necessidade da alternância governativa por conta das dificuldades sociais, numa sociedade, no caso moçambicana, crivada de corrupção, o que abre portas para a carência de alimentação, transportes públicos, saúde, ensino e outras necessidades que se encaixam na realidade do conjunto de países da lusofonia.
A abordagem deste gênero de música crítica opôs, por várias vezes, o cantor às forças do poder do seu país, tendo, em muitas situações, o mesmo se queixado de perseguição e injustiça por parte das autoridades moçambicanas, o que aumentou, ainda mais, a sua legião de fãs, dada a identificação das pessoas à sua música.
Ainda por causa da referida música, em Fevereiro de 2008, deuse uma greve na capital moçambicana e Azagaia recebeu uma intimação.
O rapper teve que se apresentar à Procuradoria-Geral da República, por causa da música “Povo no Poder”.
Mas, não chegou a ser acusado e o cantor deu continuidade ao seu trabalho, sem alterar o teor das suas letras.
Estreia na política
Em 2009, foi candidato a deputado para a Assembleia da República pelo MDM, o segundo maior partido da oposição.
Contudo, aquela formação política não chegou a concorrer pelo círculo eleitoral da província de Maputo, em que estava afecto.
Após diversas afirmações na praça pública, o rapper esclareceu que não fazia parte do partido, que era apenas um candidato para a Assembleia da República.
Comoção em Angola
Em Angola, país onde o artística fez bastante espectáculos e lançamentos de discos, por via da editora Masta-K, do também rapper MC-K, a notícia da morte de Azagaia deixou os colegas, amigos, fãs e admiradores da sua obra com o sentimento de revolta por compreenderem que o artista ainda tinha muito para dar.
Por este motivo, no último Sábado, vários artístas, fãs e membros da sociedade civil juntaram-se na baixa de Luanda para render homenagem ao que consideram um dos mais notáveis filhos de África da nova geração, apesar da pouca idade.
No acto de homenagem, controlado a dedo pela polícia nacional, para travar eventuais tentativas de aproveitamento de acções que pudessem pôr em causa a segurança das pessoas, foram contadas várias canções do rapper que agora agora segue actuando na memória de todos que gostavam das suas criações.
O momento ficou ainda marcado com declamações de poesia, freestyle e outras demonstrações artísticas, todas endereçadas ao “Mano Azagaia”, como o trataram os presentes que tornaram público que, nos próximos dias, o hip-hop lusófono fará uma extensiva homenagem a dimensão daquilo que foi a carreira do finado que deixa viúva e três filhos.
MC-K: Dos maiores mobilizadores da sociedade civil
O rapper MC-K, que também se fez-presente no acto de homenagem do parceiro e amigo, descreveu, em declarações a OPAIS, Azagaia como sendo uma pessoa com preocupaçoes sociais muito fortes e de vital importância para a dinamização da democracia em Moçambique.
Referiu ainda que Azagaia foi um dos maiores mobilizadores da sociedade civil e defensores dos direitos humanos que aspirava um país melhor.
“Ele usava a arte como um tubo de escape para fazer vibrar a sua dimensão humana”, destacou.
No que o hip-hop diz respeito, MC-K referiu que Azagaia foi dos expoentes máximos da música contestatária de Moçambique cuja abordagem estendeu-se a toda a lusofonia.
Lembrou ainda que, por via da sua editora, Masta-K, o Azagaia posicionou-se na lista dos artistas moçambicanos que mais visitou e cantou em Angola.
“O facto de ter sido o artista moçambicano que mais concertos fez em Angola demonstra a transversalidade da sua luta.
A capacidade de mobilização e as mensagens que endereçava ao regime moçambicano eram problemas comuns com Angola e acabou por inspirar muitos artistas cá”, apontou.
Kool Klever; Azagaia era para o povo e do povo Por seu lado, Kool Klever, rapper, considerou, em declarações a OPAIS, que Azagaia foi dos poucos panaafricanistas que lutou para a democracia não só para Moçambique como para a África toda, sobretudo a nível dos países de língua portuguesa.
Neste sentido, para Kool Klever, dada a função da música ser eterna, Azagaia vai continuar existir na vida de todos aqueles que gostam das suas canções.
Conforme referiu, Azagaia era para o povo e do povo por força daquilo que cantava e que se reflectia na vida das pessoas.
No entender de Kool Klever, as mensagens de Azagaia tinham de ser traduzidas em todas as línguas em África para se ter um alcance daquilo que era a sua razão de luta. “Ele era acima de tudo um panaafricanista.
É daquela geração de africanos que acreditava que África ainda pode se reerguer com a ajuda dos próprios africanos e com ideias próprias de líderes políticos que pensem África”, apontou, tendo acrescentado ainda que Azagaia, com a sua música, plantou a semente para que outros Azagaias apareçam”.