Adérito Rodrigues “Bi” é o coordenador e director do projecto Circuito Internacional de Teatro (CIT), uma plataforma que junta há dois anos companhias teatrais nacionais e estrangeiras durante três meses. Em entrevista a OPAÍS, “Bi” fala dos propósitos da sua organização, que prepara a 3ª edição, e lamenta a escassez de apoios do ministério de tutela
Por: entrevista de Jorge Fernandes
Foto de: Pedro Nicodemos
Quais sãos os objectivos do CIT?
Primeiramente, unir a classe e mostrar a sua objectividade em termos de interpretação e performance, e a internacionalização do teatro angolano. Por isso, é que um dos grandes lemas é “trazer o mundo para Angola e levar Angola para o mundo”. A vinda de grupos estrangeiros garante essa comunicação e a passagem de testemunho em termos de aprendizado técnico e artístico.
Os grupos angolanos têm conseguido mostrar-se ao mundo?
Alguns. Mas essa é uma lacuna que tentamos suprir, de tal modo que temos essa abrangência em trazer grupos de fora e com eles “bebermos” da sua experiência, e eles levarem também o conhecimento sobre o que se produz por cá.
Quem deve participar nesta montra teatral?
Todas as companhias que se inscreverem. À priori, todas as companhias são livres de participar, desde que cumpram o regulamento estabelecido em cada uma das edições. O regulamento é alterável em função das necessidades de cada edição. Vê que na I edição tivemos mais de 50 espectáculos, a segunda com cerca de 70 e nesta reduzimos para 35.
O CIT tem carácter competitivo?
Não. O carácter é festivo, embora tenhamos uma equipa de curadores que avalia o desempenho dos artistas e dos grupos, e os melhores são premiados para motivá- los. E dessa forma premiamos os principais intervenientes nas mais diversas categorias. Temos uma categoria agora criada, que é sim competitiva, e tem a ver com aquele cidadão que mais partilhar nas redes sociais as actividades desenvolvidas no CIT.
Há um perfil exigido para que os grupos participem?
Basicamente, a malta não é muito exigente. O que pedimos é que se inscrevam com uma peça, a sinopse, ficha técnica e o histórico da companhia que se inscreve. Feito isso, passa por um grupo de curadores, uma comissão de cinco elementos, sob liderança de um coordenador, que são rotativos por cada edição, para não viciar e não corrermos o risco de termos sempre os mesmos grupos a participar. Claro que salvaguardamos sempre a mensagem, o conteúdo com cariz sempre didáctico- pedagógico e, acima de tudo, a representação e a interpretação.
Qual tem sido a regularidade dos grupos internacionais?
Tem sido boa. Na I edição tivemos 10 grupos, na II reduzimos devido ao momento que o país atravessa (crise financeira) e para a presente edição já temos oito inscritos, portanto, o Brasil, Moçambique, Portugal, França e a Colômbia.
Esse projecto é exclusivo de Angola?
É sim. Posso afirmar sem medo de errar que em termos de Angola é a maior plataforma de teatro, e em África somos, quiçá, a segunda, que anualmente é realizado num período de três meses que vai de Julho a Setembro.
Como é que feita toda a logística, sendo que os grupos reclamam com frequência por falta de salas convencionais para a prática de teatro?
Quanto à falta de salas, é verdade, mas seria repetitivo se voltasse a clamar por isso, porque desde os meus primeiros passos, na década de 1980, enfrentamos esse tipo de problema, e inclusive piorou. Gostávamos é que, no âmbito das novas políticas de Estado, tivêssemos em cada município uma sala de teatro, um pavilhão multiusos, onde se congregassem várias disciplinas artísticas. Mas parece que as nossas vozes não são tidas em conta.
Como assim?
Nós nos baseamos no adágio segundo o qual “quem não tem cão, caça com o gato”. Temos a felicidade de estar no teatro, que é uma arte que se adapta a qualquer meio e em qualquer espaço, inclusive na rua, o teatro de intervenção. E desse modo nos vamos adaptando. É claro que hoje a LAASP ex-Liga Africana é a única que temos. Há grupos com salas próprias como o Horizonte. Em termos de salas de raiz, Luanda conta hoje com a Casa das Artes apenas, em Talatona.
Diante dessa situação, como se têm desdobrado?
No ano passado, fizemos com que o CIT fosse itinerante, porque a I edição foi toda desenvolvida na centralidade do Kilamba. Sendo que a II foi realizada na LAASP e no Elinga Teatro, a presente edição será novamente na LAASP, no Centro Cultural Brasil-Angola, sendo nossa intenção levar espectáculos a alguns hotéis da cidade de Luanda, levando que os turistas tenham uma agenda cultural e saibam que há teatro inclusive em salas adaptáveis.
Luanda continuará a ser o centro ou a base do CIT?
Não necessariamente. A intenção é levá-lo a outras cidades do país. Tínhamos a pretensão de levar pelo menos à uma província, que era Benguela. Assim, faríamos em Julho em Luanda, em Agosto Benguela e Setembro regressávamos à capital. Mas, por questões financeiras, não podemos fazêlo. Infelizmente, digo mesmo infelizmente, porque o Ministério da Cultura não apoiou nenhuma das edições já realizadas. Tentaremos novamente este ano, a ver se conseguimos alguma coisa.
Qual tem sido a resposta?
Não obtivemos qualquer resposta. Acredito que com uma política concreta do Estado, nós consigamos fazer com que o CIT, a maior plataforma do teatro no país, passe por todas as províncias, pois temos capacidade humana e técnica para levar o circuito à todas as províncias.
Não têm tido apoio, mas o CIT movimenta inúmeros grupos num período de três meses. Como é que mantém toda essa logística e o suporte das actividades?
Se der conta, o teatro é das poucas artes que s o b r e v i v e sem dinheiro. Ele sobrevive pelo sentimento que vem de dentro, porque amamos essa arte. O CIT baseiase com o apoio das companhias que se inscrevem, da intervenção de todos esses agentes. É verdade que são necessárias verbas, pois precisamos de proporcionar condições de trabalho aos grupos. Além de que buscamos sempre algumas parcerias, e, graças a Deus, tem surtido algum efeito. Embora gostássemos de ter parceiros fixos, mas vamos trabalhando com a esperança de que nos próximos tempos possamos melhorar.
O ano passado, o CIT prestou tributo aos feitos do dramaturgo José Mena Abrantes. E este ano será com outra figura?
Sim. Todos os anos procuramos homenagear uma figura, pela grandeza da sua obra enquanto promotor e divulgador das artes cénicas. No ano passado foi Mena Abrantes, já na I edição fizemos com Diogo Colombo, agora reformado, foi chefe da Acção Cultural do Mincult. Este ano vamos também fazer, já temos três nomes na mesa, que nos próximos tempos daremos a conhecer. Ainda não os posso revelar.
“A consciência do artista é o que mais preocupa”
E ao nível do nosso teatro doméstico, o que é que constitui hoje preocupação para classe artística?
Fala-se muito em formação. Mas, a meu ver, o que mais preocupa o teatro angolano é o nível de consciência do próprio artista. Porque nós precisamos de ser reeducados. Falo de um modo geral, mas nem todos são e nem pensam assim. E num universo de 100, dez não representa nada.
Então, é preciso mudar a consciência de quem faz teatro, de quem se compenetra nas performances do teatro, porque somos nós mesmos a não dar valor às formações. Reclamamos por elas, mas quando as temos, não aparecemos. Falsidade e hipocrisia ainda se vive no seio dos grupos. Divergências hão-de existir sempre, e é bom que existam, mas as coisas têm que começar a mudar. A arte não é estática, mas evolutiva. E se não acompanharmos o desenvolvimento, ficaremos para trás.
De que forma se pode contornar essa situação?
Olha, há um projecto que se chama “Há teatro no Camões”, que a cada três meses reúne os protagonistas da arte teatral em Luanda. Nele debate-se a problemática teatral nos seus mais variados aspectos.
Hoje temos duas alas no teatro. Uma, que congrega os praticantes que não estudaram teatro e fazem-no porque não teve oportunidade de estudar por várias razões, sendo uma delas a ausência de escolas, uma situação já minimizada com a criação do CEART e do ISART. E a outra ala é que estudou mas não pratica.
Ou seja, é preciso fazer um bom link e uma passagem de relações profissionais, em relação a quem estuda e quem a pratica. Para que não haja o “eu sei mais do que tu”, sendo que isso já limita e faz com a pessoa pense que já não há mais nada para aprender. E vice-versa.
E o intercâmbio entre as companhias teatrais. Existe?
Pouco, mas existe. Os grupos relacionam- se uns com os outros. A grande “maka” é a falsidade. Há muita mesquinhez. Vou dar-lhe um exemplo: há grupos que tudo fizeram para participar da II edição e lá conseguiram. À nossa frente eram só elogios, mas atrás de nós só falaram mal. E um deles, num encontro, pôs a boca no trombone porque o que ouviu falar não era certo.
Grupos seleccionados
Estarão presentes na III edição os seguintes grupos: Horizonte Njinga Mbandi Elinga Pitabel Enigma Imbondeiro Henriques Miragens Oásis Amazonas Feloma Mussanzala CAS Dadaísmo Nguizane Tuxicane Kulonga Imaioso Nova Cena Projecto Vela Ketua Nzambi Njila Teatro Etu ngo Ndokweno arte Nova Lua – Cuanza Sul Ombaka – Benguela Tweya – Benguela Bismas – Benguela Ana Tweza – Malanje Postolucion circo filu – Colômbia Rosas e Letras – Brasil Brasil Lareira – Moçambique Centro de Criação artística – Moçambique Chão de Oliva – Portugal Aliance Française – França