Músico, compositor, intérprete, membro fundador do grupo folclórico Akapaná, Acácio Bambes começou a carreira artística na província do Namibe, terra natal. Em véspera do lançamento do álbum “Manguxi Para Além do Silêncio”, um projecto que homenageia o primeiro Presidente da República de Angola, António Agostinho Neto, o artista fala da sua carreira e de outras acções no domínio musical
Como vai a carreira artística?
A carreira artística vai mais ou menos, de acordo com as circunstâncias que o país vive. Neste momento, tenho algumas músicas novas, e vou fazer agora um videoclipe. Não está fácil, porque há poucos eventos e não há dinheiro, enfim. Com a fragilidade da nossa moeda, hoje100 dólares são 100 mil Kwanzas, ontem eram 10. Mesmo os restaurantes não têm condições para suportar uma banda de 4 ou 5 pessoas, pagando 100 mil kwanzas cada um. Pagam 100 mil a 5 ou 6 associados. Então, o mundo está a ser dividido pelas aldeias, mas, como disse antes, estamos a fazer alguma coisa, porque, como se diz na gíria popular, quem corre por gosto não se cansa. Além disso, não acho interessante estar sem fazer nada. Portanto, estamos a fazer alguma coisa e a adaptar-nos de acordo com a realidade do nosso país.
Olhando bem para esta situação de crise, como tem articulado a gestão da sua carreira?
Estamos a adaptar-nos à realidade que estamos a viver. Às vezes, aparece uma festa ou um casamento, um restaurante convidanos, um aniversário. Mas agora, os grandes espectáculos não são muito difíceis, e como disse, vai-se fazendo alguma coisa. Se aparecer uma actividade, avançamos. Caso contrário, não temos como.
Desta forma, como tem conseguido conciliar as pesquisas e a recolha de novos suportes para as próximas composições?
Como sabe, sou coleccionador desde o início. Sou um tipo de pessoa que sempre procuro, em primeiro lugar, cantar os nossos costumes, as nossas histórias, mesmo sendo falante nativo. Faço sempre alguma coisa e dou voz à minha língua materna, muito embora cante em Kimbundu. Posso cantar também em Kikongo, não tenho qualquer problema com isso. Mas dou o privilégio de cantar muito mais na minha língua materna, o Helelo, por ser uma língua que raramente se canta. Há muitos jovens a cantarem em Nyaneka, muito embora em estilos diferentes. O Vaketu, por exemplo, canta num estilo muito mais virado para a comunidade e vai muito bem. Helelo é raro.
Como está em termos de projectos discográficos e que apoios tem neste domínio?
Neste momento, estou a trabalhar num projecto chamado “Manguxi Para Além do Silêncio”. Tenho escrito poemas sobre Agostinho Neto. É um projecto que tenho vindo a construir desde 2012. A Fundação Agostinho Neto deume financiamento para produzir algumas músicas. Actualmente, estou a trabalhar em mais duas músicas. Estou ansioso para lançar este projecto no próximo ano, por ocasião da celebração dos 50 Anos da Independência de Angola. É um projecto em homenagem ao primeiro Presidente de Angola, Dr. António Agostinho Neto, o nosso Poeta Maior, e ao centenário do seu nascimento. Por isso, estou a lutar para ver se consigo financiamento para editar este álbum. O disco terá 10 faixas musicais e já tenho gravados alguns temas.
Quais são os estilos musicais incluídos no disco?
Os estilos variam desde o Semba, o Bolero, a Kilapanga e a Rumba. É um projecto que inclui poemas de Agostinho Neto, traduzidos para as nossas línguas nacionais, e vou cantar também em Lingala. Há poemas traduzidos em Helelo, língua materna da minha terra natal, o Namibe, Kimbundu, Umbundu, Nyaneka Humbe e outras, mas dando primazia ao Helelo. Traduzi para o Helelo o poema “Havemos de Voltar”, o “Caminho do Mato”, que canto em Português e Nyaneka, “Renúncia Impossível”, em Kimbundu, enfim. Estou a fazer um trabalho diferente, porque Agostinho Neto é o nosso Poeta Maior, daí que o povo deve conhecer os poemas da sua autoria, a história e saber quem era Agostinho Neto.
Com que participações conta neste disco?
Conto com a participação de vários músicos, entre instrumentistas e cantores. Tem o Pedrito, da Banda Cana de Açúcar, Kayéye, João Mário, Hugo Macedo e tantos outros.
Também quero emprestar a voz de Dom Caetano nesse projecto, com quem vou cantar uma música da sua autoria, que também homenageia Agostinho Neto. Intitula-se “Sabias Sim”, vamos fazer um dueto.
Além do grupo Akapaná, de que é sócio, segue uma carreira a solo. Quando é que se deu início a mesma?
Bem, a minha carreira a solo tem uma história muito bonita. Como sabem, sou sócio do Akapaná.
Mas sempre tive aquela ideia de um dia fazer um álbum a solo. Este é o sonho de qualquer artista. A história remonta de 2006. Eu estava num concerto, no Restaurante Som na Brasa.
Cantei uma música cubana muito antiga, “Guanta na Mera”, em Lingala. Estava lá o Jojó, do programa “Bandalho”, da Rádio MFM. Ouviu a música neste idioma e encantou-se. Na altura, ele estava na Rádio Luanda.
Então falou com o Matheus Cristóvão e, na semana seguinte, ele foi assistirme. Gostou da actuação e perguntou-me se eu queria gravar um álbum a solo. Eu disse-lhe que sim, tinha um projecto chamado “Ecos do Passado”.
Era um projecto que eu tinha que cantar músicas antigas de Angola e não só, como também de outros países africanos. Neste disco, cantei Francó, Oriental Brothers da Nigéria, entre outros. Então ele concordou e foi ali que nós fizemos este álbum, “Ecos do Passado”. Foi a partir daí que iniciei a trilhar carreira a solo, mas conciliando sempre com o Grupo Akapaná.
Onde está o álbum e qual é a percepção que teve dos fãs em relação ao trabalho?
O disco saiu, anda aí, toca. As pessoas consumiram. É um disco que para um artista que faz pela primeira vez na carreira e está a fazer um projecto a solo, naquela altura, atendendo o nosso poder de compra, o disco vendeu mais de 5 mil cópias. É um bom sinal. Tive mesmo que fugir da portaria, porque já não tinha discos para autografar, mas as pessoas cobravamme.
Como caracteriza este disco em termos de aplicação?
É um disco onde muitos kotas se revêem, porque até cantei músicas que cresceram com esses kotas. Cantei o nosso David Zé, de Angola, João Seria, de São Tomé e Príncipe, da Nigéria, da República Democrática do Congo, entre outros. Cantei “Aninha Wé”, do Conjunto África Negra, “Amyo”, uma música da camaronesa Mafré de Padão, que Bebé Mangue acabou por colocar no topo e muito mais.
Onde encontrar o álbum “Ecos do Passado”?
Bem, nas plataformas digitais no YouTube, as músicas estão lá. Há uma previsão de um dia vir a reeditar. Bem, agora talvez lançando mesmo nas plataformas digitais, reeditar através nas plataformas digitais, porque o disco físico está perder credibilidade. Então, um dia a gente pode reeditar. Dizer que o “Ecos do Passado” já teve três reedições e, pela procura, talvez se poderá reeditar pela quarta vez, vamos fazer a reedição.
Que balanço faz destes seus longos anos de carreira e o que mais lhe marcou?
O balanço é positivo, e é pelo facto de o meu nome estar no mercado a ecoar todos os dias, porque, através do meu projecto a solo, o Beto Max interessou-se em mim e fizemos algumas músicas que estão a dar muito sucesso.
São músicas…, não de minha autoria, mas músicas antigas.Por exemplo, tem a destaque, a música “Abigbedot”, o “Candêve”, “La Music Verte”, do grande artista afro-latino Gonnas Pedro, que foi o vocalista principal do Grupo Africando.
A minha projecção a solo tem uma grande visibilidade. Hoje as pessoas já conhecem mais quem é o Acácio. E quanto ao grupo, nós ficamos considerados Akapaná.
Mas, a carreira solo alavancou o meu nome, sobretudo o Beto Max. Foi ele quem me apresentou ao Matheus Cristóvão para fazer o meu primeiro disco. Estas são as pessoas que deram um grande impulso. Estamos aqui na luta, gerindo esta fase da minha carreira.
Como e onde começou a carreira artística?
Bem, no tempo de escola, no tempo da minha infância, no Namibe. Através da minha escola, aprendi a tocar guitarra, com um grande jornalista, o Hortêncio Sebastião, era da ANGOP. Foi ele quem me ensinou.
Depois passei para as mãos do meu irmão, Carlos Silva, que, infelizmente, já não está entre nós. Foi o director da Segurança da Shell para a África Austral. Também passei pelas mãos de Raúl Pequenino, também do Namibe, este foi o meu grande ídolo, porque também me inspirei muito nele a tocar guitarra.
E quando começa a cantar?
Cantar, ter de uma voz boa, quem me incentiva é o meu colega Namanga de Deus. Ele dizia sempre vai cantar, lançava-me ao desafio – fui e assim passei a cantar. Eu só gostava de fazer o acompanhamento aos artistas, tocar guitarra, mas não de cantar.
Este impulso, que o Namanga me deu, hoje fez esse cantor que todos muito bem conhecem.
Como foi conciliar a carreira artística e o serviço militar obrigatório naquela altura?
Aí também foi descoberto este dom, porque eu, quando fui à tropa, já tocava guitarra. Então, nas FAPLA, naquela altura, passei a animar muito as fogueiras do combatente. Foi também no cumprimento do serviço militar que aprimorei um pouco mais a tocar guitarra, isto em Cabinda.
Depois fui transferido para o Cuito Cuanavale. Ali, na XVI Brigada, eu era o guitarrista que aparecia sempre acompanhando os artistas, outros colegas que também cantavam.
Naquele tempo da FAPLA, havia uma grande revolução artística, havia festivais inclusive, onde se descobriram artistas talentosos, como Gabriel Tchiema, eu próprio Acácio e tantos outros.
Fomos todos descobertos, naquele tempo da FAPLA. Haviam festivais, Cabinda acolheu um e Luanda também, com o mesmo carácter. Não me recordo o nome.
Por acaso, as FAPLA fizeram aparecer muitos nomes na música angolana, o próprio José Kafala, é um dos exemplos, foi um talento saído das Forças Armadas, o que hoje já não se verifica, porque aquele era mesmo um tempo do patriotismo, e nós cantávamos o patriotismo.
Quantos discos tem no mercado fonográfico?
Bem, a solo, tenho dois discos. Com o projecto de Agostinho Neto, será o terceiro. Pelo Akapaná, também dois discos.
O primeiro, “Akapaná”, e o segundo, ‘‘Akapaná: A Outra Face”. Foi um disco que, do ponto de vista crítico, o público não gostou muito, por termos mudado de estilo. Ao invés de cantarmos aquele género que é característico do Akapaná, fomos buscar os kizombas, onde, entre os temas, destacou-se a música “Elamba”.
Como surgiu o grupo Akapaná?
O grupo Akapaná surge com os músicos Acácio Bambes, Namanga de Deus e Paulinho Pinheiro, como o grande do projecto. Encontrou-nos no Lubango, era o chefe do treino militar.
Um dia desses, ouviu-nos cantar uma música e encantou-se. Trouxe-nos várias vezes para Luanda. A primeira foi para mostrar o quarteto Paulino, do qual fazíamos parte. Com o passar do tempo, entendi que não devíamos continuar com esta designação.
Não estaria muito tempo. Então, sugerimos criar as nossas iniciais, Akapaná, sendo Acácio Paulino e Namanga, nome que prevalece até hoje. Akapaná é um grupo que girou o mundo.
Depois da nossa primeira aparição em Luanda, começamos a viajar pelo país a dentro, com vários concertos. Membro fundador do grupo folclórico Akapaná, com o qual gravou e lançou no mercado fonográfico dois discos e igual número de álbuns a solo, Acácio Bambe segue uma carreira a solo, tendo-se notabilizado em versões notáveis, como “Ressurreição”, do Rei Elias Dya Kimuezo, “La Musica En Verité”, “Abigbedot”, de Gonnas Pedro, Orientais Brothers e tantos outros.