O “Economia Real” desta edição analisa os 16 anos de paz, o dilema da dívida pública e o balanço do Plano Intercalar, cujo nível de execução não passou dos 27%. E por isso, o economista Yuri Quixina, comentador residente, acredita na revisão do crescimento económico para baixo de 2,2%
POR: Mariano Quissola / Rádio Mais
Qual é a sua percepção perante os resultados alcançados em 16 anos de paz?
Primeiro, felicitar todos os angolanos por termos conservados o bem mais precioso, que é a paz e, em particular, lembrarmo-nos dos que deram as suas vidas para que isso ocorresse. Os ganhos alcançados são generalistas. Hoje podemos nos deslocar de um ponto do país ao outro. É um dos grandes ganhos. Adiciona-se a isso a evolução de pensamento da própria sociedade, hoje o jovem tem uma perspectiva de vida diferente da do período do conflito armado, por exemplo.
Era penas isso que podia ser feito em 16 anos de paz?
Não. Seria muito mais, mas fizemos de forma desestruturada, algumas coisas.
Quer citar?
Fizemos algumas coisas interessantes no sector da educação, do ponto de vista quantitativo aumentou o número de escolas, apesar de não ter sido proporcional ao crescimento populacional. O nosso modelo económico vem de pressupostos muito equivocados, por isso julga que o problema da economia de Angola é a procura, mas não. É a oferta. E essa matriz errou cada vez mais.
E o estado de “saúde” da economia?
A economia está indo de rastos, deu saltos de galinha. Continua a depender muito do sector extractivo e dos choques externos e da pouca inteligência nacional para criar mais emprego. Economia doente adoece o país.
Foi destaque a semana passada a apresentação da situação “real” da dívida pública interna, 25% da qual é considerada falsa pelas Finanças. Então a auditoria está a ser feita?
Sim. A secretária de Estado das Finanças fez essas declarações numa conferência de imprensa para apresentação da estratégia de regularização dos atrasados, onde esclareceu que as dívidas abaixo de 500 milhões de Kwanzas foram regularizadas em cerca de 77%. O dado interessante é o facto de sabermos que 25% da dívida interna era fraudulenta. Isso reflecte as consequências de uma economia onde o Estado é que faz tudo. É normal existir dívida fraudulenta. O lado positivo dessa informação é que se evitou pagar dívida da corrupção.
Isso preocupa o investidor externo?
Passa a ideia de falta de seriedade por parte do Estado.
Que impacto teria se a dívida externa também fosse escrutinada?
Se se fizesse à dívida externa seria interessante, mas aí seria difícil reduzi-la, porque serviria apenas para encontrar eventuais responsáveis.
O país pode ter um sistema financeiro desenvolvido nos próximos cinco anos, segundo o Conselho Nacional de Estabilidade Financeira, através da “Estratégia que aprovou. É boa notícia?
Não depende dessa instituição. Para termos um sistema financeiro sólido é preciso ter liquidez e isso consegue-se com crescimento económico, que passa pela reforma estrutural. Nenhuma economia no mundo consegue fazer inclusão financeira sem emprego. Portanto, essa instituição é secundária.
Mas você defendeu aqui neste espaço que era necessário uma autoridade que discutisse com franqueza o sistema financeiro. Esta não serve?
Não. Estamos a criar muitas instituições, deixem o banco central fazer o seu trabalho, estamos a dar certificado de incompetência às outras instituições que tratam do sistema financeiro. O fundamental é fortificar as instituições que tratam dessa matéria. A Comissão do Mercado de Capitais, O BNA e a ARSEG?…Para o alinhamento das três instituições não era necessário fundi-las em uma e é mais despesa para o Orçamento Geral do Estado.
Acha que esse órgão, dirigido pelo ministro das Finanças, com a participação dos gestores principais do BNA, ARSEG e CMC representa custos salariais adicionais?
O Ministério das Finanças tem muitos problemas, por que não dar-se autonomia e poder às instituições que regulam o sector financeiro? Consolidar o Orçamento não é tarefa simples. O sistema financeiro de Angola depende da economia real, se ela não crescer, o sector financeiro não terá poupança.
Já agora, o que é a economia real, afinal?
É interessante esta pergunta (risos)… A virtude da economia real está nas famílias e nas empresas. Quando defendo mercado, são as famílias e as empresas que têm que comparar bens e serviço. Portanto, sem o crescimento económico o nosso sistema bancário vai à falência. De 2002 a 2012 surgiram 15 bancos, devido ao crescimento económico derivado do petróleo.
E, no Huambo, o 13.º Encontro de Mulher Empresária concluiu que o crescimento económico passa pela redução dos impostos. Concorda?
Naturalmente, as mulheres empresárias também estão preocupadas com a maneira como são definidos os impostos. Discutiram temas como “Motivação para criação de pequenos negócios”, “Programas de Apoio à Produção Diversificação e Exportações da economia”. A consolidação orçamental via imposto tira a capacidade “atlética” de as empresas se desenvolverem em longo prazo. O que se devia fazer é mimá-las. Terminou o prazo de execução do Plano Intercalar, com nível de cumprimento de 27%. O PI previa resolver os problemas da Saúde entre Outubro e Março. O sector mais sensível e que menos atenção tem merecido durante muito tempo. Por que não parar de colocar dinheiro nas empresas públicas que destroem a riqueza? De uma coisa tenho a certeza, o Plano Intercalar será revisto e daqui para a frente vamos assistir à revisão da previsão de alguns indicadores aprovados nesse documento. Já ouvi dizer que o crescimento económico será revisto para baixo. Já não será 5%, acredito que será 2,4%. Avisamos aqui no “Economia Real”, que essa previsão era difícil de alcançar.
Então já estará em linha com o FMI?
Mas sou um pouco mais pessimista. Penso que pode ficar abaixo de 2,2%.
Porquê?
Vou mais na perspectiva do Banco Mundial, porque continuo a insistir na perspectiva de quem faz a economia são as famílias e as empresas. Porque não podemos ver o crescimento da economia com a subida do preço do petróleo. Entre 2009 e 2012 o petróleo estava acima de 100 dólares e o crescimento ficou abaixo de 5%.
Sugestão de leitura: Título da obra: “O mito do governo grátis”, em que o autor defende, entre as várias teses, que o governo deve ser a representação de vontades individuais harmonizadas e que dão significado à vida compartilhada por todos. Autor: Paulo Rabello de Castro, economista brasileiro Ano da 1ª edição: 2014