Enquanto o cidadão José Soma enfrenta inúmeras dificuldades para sustentar a mulher e os dois filhos, a empresa declara-se incapaz de ajudá-lo e a Inspecção do Trabalho garante que vai averiguar as circunstâncias do incidente
Texto de: Zuleide de Carvalho, em Benguela
José Soma, agente de protecção física e segurança na empresa privada “Organizações Inácio & Filhos”, na província de Benguela, em consequência de um acidente de trabalho ocorrido em Fevereiro de 2017, foi sujeito à amputação de um braço. Até ao presente, encontrase em casa sem ter recebido qualquer indemnização ou contrapartida financeira, por parte da entidade patronal.
Há um ano, na madrugada de 7 de Fevereiro, por volta das 3 horas, no município da Ganda, província de Benguela, três indivíduos atacaram José Soma, agente de segurança na empresa “Organizações Inácio & Filhos”, enquanto vigiava o posto de trabalho.
Hoje, o cidadão de 39 anos recorda- se vivamente da luta corpo a corpo que manteve com os marginais que o deixaram incapacitado. Contou que repentinamente transpuseram o muro do edifício adjacente ao que guardava naquela madrugada.
A agressão foi violenta e traumatizante, e com consequências irreversíveis na vida de José Soma que, três dias depois, assinou a permissão médica para que lhe fosse amputado o braço esquerdo, caso contrário, perderia a vida. Os três malfeitores estavam munidos com ferros e não se pouparam a investidas contra si, atingindo- lhe repetidas vezes no braço esquerdo, ameaçado-lhe dizendo: “hoje vais morrer.”
José Soma recorda que a batalha pela sua vida foi pavorosa e solitária, ninguém surgiu para prestar socorro. Escolha entre o braço e a vida “Senhor Zé, se ficar com esse braço, não irá viver”, disseram os médicos ao paciente, porque teriam que amputar-lhe o braço esquer-do, dada a gravidade da lesão sofrida que deixou-o em estado irremediável.
Desesperado, ansioso em continuar vivo, o lesado respondeu: “o que vocês fizerem, eu não nego”. Assim, assinou a autorização para a amputação, consentindo a perda de um membro para conservar um bem maior, a vida. No início da manhã da agressão violenta, José Soma foi levado ao hospital da Ganda por um colega de trabalho, que consigo fez o turno durante aquela noite.
Lá posto, levou pontos na cabeça e no braço, tendo-lhe sido recomendado repouso e que voltasse sete dias depois, para remoção dos pontos. Em casa, o estado do seu braço piorou seriamente, e no terceiro dia teve que regressar ao hospital da Ganda, de onde foi transferido para o Hospital Geral de Benguela (HGB), no município sede. Após a cirurgia, neste hospital, o outrora segurança permaneceu internado por mais de 30 dias, após os quais teve alta e foi mandado para casa, onde enfrenta a sua nova condição.
Os deveres do empregador “Apoio da empresa? Não”, respondeu José, apesar de ser funcionário da “Organizações Inácio & Filhos” há 7 anos, por altura do ataque. No hospital, recebeu uma visita do chefe que lhe prestou conselhos. Saído do Hospital Geral de Benguela, com alta médica, a empresa pagou-lhe os 3 meses de salário em atraso que por altura do incidente lhe devia, tendo-lhe sido ordenado para permanecer em casa.
Há duas semanas, o sindicato deste sector laboral, e muito tardiamente, teve conhecimento deste caso, e pretende reunir-se com a administração da empresa na próxima semana, para chamálos à razão e negociar a ajuda que devem ao trabalhador vitimado.
Inacção da empresa é condenável por lei À luz da Lei Geral do Trabalho, o jurista Viriato Albino declarou que a empresa tem obrigações para com o funcionário lesado em acidente de trabalho que, ao furtar-se, poderá responder à justiça.
Asssim, os custos associados à lesão de José “devem ser imputados à entidade empregadora, independentemente do tipo de contrato de trabalho”, referiu o jurista. “Não houve ajuda financeira à vítima. Logo, pode intentar uma acção crime por ofensas corporais, por privação de um membro, simultaneamente a uma acção cível de compensação, pois, regra geral, os prazos são de dois anos”, justificou.
Contactado pelo OPAÍS, o responsável provincial da empresa, Manuel Muhongo, alegou que o exsegurança foi dispensado porque a empresa não tem liquidez para pagar salários em atraso de todos os funcionários, há 10 meses.
No entanto, garantiu que quando a situação financeira da empresa melhorar farão o reenquadramento de José Soma em funções adequadas à sua actual condição física. Em representação da Inspecção do Trabalho, João Muteka, inspector, anunciou que o instituto tomou conhecimento da ocorrência apenas na ocasião desta entrevista, pelo jornal. Entretanto, declarou que a entidade empregadora poderá estar sujeita a elevadas multas.
Realçou a importância de os empregadores assegurarem os seus trabalhadores contra acidentes de trabalho, pois, o facto de o colaborador não ter recebido compensação financeira alguma significa que não beneficia de seguro. Agora, cabe à Inspecção do Trabalho averiguar as circunstâncias do incidente, verificar se os prazos ainda não prescreveram e agir em nome da integridade do trabalhador lesado, se ainda for possível fazê- lo legalmente.
A vida sem um braço… “Desde que saí do hospital (há um ano), estou em casa da minha irmã”, revelou o cidadão que é casado e tem dois filhos que vivem em casa da irmã, também casada, mãe de oito filhos. Sem trabalhar desde 7 de Fevereiro de 2017, data do acidente, José vendeu todos os seus haveres e mudou-se para Benguela.
O lesado tem procurado emprego, nem que seja temporário, para sustentar os filhos, um casal, e a mulher. Todavia, sem um braço, “nenhum sítio está a responder”, lamentou Manuel M resp local.