As obras de construção de uma escola com 28 salas de aula e oito casas de banho, abandonada, foram erguidas por um privado que falsificou a ficha técnica, atribuindo a “titularidade” ao Ministério da Educação através de uma placa fixada no local. A infra- estrutura foi transformada em “ninho de marginais” e os moradores, aflitos, clamam pela intervenção do Estado.
POR: Milton Manaça
A placa afixada num terreno baldio do bairro Mbondo Chapé, no distrito urbano do Camama, em Maio de 2014, anuncia a construção de uma escola secundária do Iº, IIº e IIIº níveis, em Luanda, propriedade do Ministério da Educação, representou um sinal de esperança para os moradores. Passados cerca de quatro anos, este sentimento foi substituído pela da insatisfação e insegurança. Contrariamente ao que aludem os moradores, após a mesma ter sido alegadamente abandonada há mais de dois anos, a escola não foi construída pelo Estado.
A revelação foi feita a OPAÍS pela administradora do distrito urbano do Camama, Luísa Fonseca André. Explicou que a referida infraestrutura estava a ser erguida por um cidadão que afixou uma placa com falsa informações, com a pretensão de fazer as obras sem ser incomodado pela fiscalização. “Fomos para lá e constatamos que a placa não era oficial. Foi colocada pelo dono da obra para fazer crer à sociedade que estava a ser erguida uma estrutura pública”, disse Luísa André. A história remonta ao ano de 2014, quando indivíduos tidos como desconhecidos, vedaram um espaço de 85 metros de cumprimento e 50 de largura, e no seu interior começaram a erguer o estabelecimento de ensino que mesmo antes do seu fim conta com 28 salas de aulas, oito casas de banho, entre outros compartimentos.
Muito antes de os Serviços da Fiscalização da Administração do Camama embargarem tal obra, a 9 de Janeiro de 2017, tal como as marcas escritas nas paredes ilustram, já os empreiteiros haviam abandonado a obra no início de 2016, mas conseguiram localizar o proprietário, cujo nome não foi revelado à nossa equipa de reportagem. A obra inacabada, supostamente financiada por uma Organização Não Governamental (ONG ML), do tipo rez-do-chão e primeiro piso, contudo, as fundações, os alicerces e os ferros do pilar deixados na parte superior levam a crer que seriam construídos mais dois pisos. A intenção do proprietário da obra, segundo Luísa André, era enganar a sociedade e furtar-se ao pagamento dos emolumentos relativos à licença de construção e outras obrigações, tanto que um dos crimes que lhe foi imputado, é o de transgressão administrativa.
Comissão de Moradores enganados
Em toda a extensão do Mbondo Chapé, não existe instituição alguma de ensino público, pois a educação escolar é exclusivamente exercida por colégios, cujos preços são considerados exorbitantes pelos moradores. Aliás, o distrito de Camama conta apenas com seis escolas (do ensino primário e do primeiro ciclo) facto que agravou a ansiedade dos moradores em terem os filhos a estudarem gratuitamente numa escola do ensino médio, ao se aperceberem da existência da referida infra- estrutura. A placa que anunciava a construção da alegada obra do Ministério da Educação a todos enganou, incluindo os membros da Comissão de Moradores, que tal como os demais cidadãos, ousaram denominá- la como “nossa escola abandonada”. O coordenador do bairro, Mateus António Maurício, e os seus colaboradores directos elaboraram uma nota que remeteram ao Ministério da Educação, no sentido de recuperar o imóvel em benefício da comunidade.
Mateus Maurício alega nunca ter recebido informação alguma, nem mesmo referente ao embargo da obra pela Administração Distrital, e augura que o imóvel seja revertido a favor do Estado, sem avançar com que fundamento legal. “Só queremos que a infra-estrutura seja aproveitada e transformada numa escola pública para não continuar assim”, clama Mateus Maurício. A necessidade de uma escola pública mais próxima de casa foi manifestada também por Francisca Beque, aluna da 10ªclasse, que havia planificado estudar o ensino médio na escola abandonada. “Eu tinha esperança de estudar aqui, mas até ao momento não temos nenhuma informação se vão acabar ou não”, referiu. Todavia, a administradora do Camama esclareceu que tal pretensão depende não só do Estado como também do proprietário da obra. Apesar de desconhecer em concreto a quantidade de crianças em idade escolar fora do sistema de ensino no Camama, Luísa André reconhece que é elevada e que há carência de infra-estruturas para albergá- los. Refira-se que na sua visita recente Francisca Natália, moradora do bairro Mbondo Chapé há 14 anos, foi uma das que testemunhou o arranque das obras de construção da escola abandonada, como ficou conhecida.
Tal como Mateus Maurício, a esperança desta cidadã de 54 anos é que a mesma seja transformada numa escola pública As salas de aula e os outros compartimentos transformaram-se em “parada dos marginais”, aproveitando para consumirem substâncias psicotrópicas e práticas de violações sexuais, segundo o relato dos moradores. De acordo com Francisca, já foi abandonado no local o cadáver de um cidadão de aproximadamente 30 anos, o que contribuiu para o sentimento de medo e insegurança que se apossou dos munícipes. “Aqui passa-se muita coisa. Já encontramos um jovem morto o ano passado e muitas moças que têm sido violadas aqui. Nós temos filhos menores e não queremos isso no bairro”, contou Francisca Celeste. A população diz ainda que nas actuais condições, a infra-estrutura representa um grande perigo para os menores de idade, face aos relatos de supostos casos de violação sexual. Rosa Celestino, quer que se ponha fim ao “desfile dos marginais” naquela rua. Alegou que os seus quatro filhos por ali circulam diariamente para irem ao colégio, razão pela qual apela a uma intervenção de quem de direito. “Essa infra-estrutura não pode continuar abandonada. É necessário que seja devidamente ocupada, porque senão continuará a ser a casa dos bandidos”, disse. Sobre o assunto, a administradora Luísa André, prometeu fazer chegar o caso à Polícia Nacional para que se aumente a ronda no local de modo a inibir a acção dos supostos marginais.
Placa do “Ministério da Educação” continua por se retirar
A falsa placa colocada pelo proprietário em 2014 continua intacta e a interpretação de quem por lá passa pela primeira vez é de que a obra foi abandonada pelo Ministério da Educação. A Administração do Camama diz que no momento do embargo, orientou o proprietário a retirar a referida placa o que não aconteceu até ao momento. “Nós já orientamos o senhor no sentido de retirar a placa, mas se for o caso, o senhor é reincidente. Pelo uso da placa falsa já cometeu um crime e ele sabia bem o que estava a fazer”, rematou Luísa André.