Na posse dos seis cidadãos estrangeiros que se faziam passar por investidores, tendo ficado hospedados desde Novembro último no Hotel Epic Sana às custas de uma empresa angolana, os investigadores do SIC apreenderam um cheque de USD 99 mil milhões do Banco da China.
POR: Paulo Sérgio
O chefe do departamento Central do Serviço de Investigação Criminal, Tomás Agostinho, revelou ontem, em Luanda, que entre dois a três oficiais superiores das Forças Armadas Angolana (FAA) estão incluídos na rede de burladores tailandeses, desmantelada recentemente. Sem especificar se os militares estão na condição de co-autores ou vítimas, o superintendente-chefe explicou apenas que, por gozarem de alguns privilégios, o processo foi transferido do SIC para a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), afecta à Procuradoria- Geral da República.
As investigações preliminares desenvolvidas pelos polícias, antes da transferência do processo, não foram suficientes para aferir as condições e circunstâncias em que os militares se envolveram neste esquema, em que oito indivíduos estão detidos, sendo seis estrangeiros e dois nacionais. Esta medida, segundo ele, deve- se ao facto de este órgão estar investido de competência para instruir processos que envolvam individualidades que gozam de fórum especial, entre as quais, altas patentes das FAA, sem descartar a possibilidade de os peritos do SIC serem solicitados a auxiliar nas investigações. Por outro lado, esclareceu que tais oficiais superiores não agiram nesta condição, porém no âmbito privado, sem especificar se presentemente estão no activo ou na reforma.
No entanto, os seus nomes não constam entre os detidos nos dias 21 e 23 de Fevereiro, uma vez que nestas condições encontram- se apenas Raveeroj Rithchoteanan, Monthita Pribwai, Theera Buapeng e Manin Wanitchanon (tailandeses), Haillé Isaac Million (eritreu), André Louis Roy (Canadiano), Celeste Marcelino de Brito António e Crhistian Albano de Lemos (angolanos). Além daqueles, estão presumivelmente envolvidos mais quatro cidadãos tailandeses e um canadiano, este que serviu de intermediário entre as partes tailandesa e angolana, que no momento da detenção não se encontravam no território nacional. O superintendente-chefe Tomás Agostinho explicou que eles tentaram defraudar o Estado angolano.
Os cidadãos tailandeses chegaram a Angola em finais do ano passado, sob o pretexto de potenciais investidores, simulando dispor de acesso à uma linha de financiamento aberta numa instituição financeira denominada Bangko Sentral NG Philipinas, das Filipinas, no valor de USD 50 mil milhões, sob alegada cumplicidade dos demais. Para sustentar a farsa, apresentaram- se como proprietários de uma empresa denominada Centennial Energy Company Limited, com sede naquele país que já fez investimentos semelhantes no Vietname, Camboja, Myanmar entre outros países asiáticos. Apesar de o chefe do departamento Central do SIC não ter avançado nomes de empresas privadas ou instituições públicas com as quais os presumíveis investidores tailandeses terão mantido encontros, O PAÍS apurou que uma delas foi a Unidade Técnica Para o Investimento Privado (UTIP).
Ao anunciarem, após a assinatura de um acordo entre a referida empresa e a extinta UTIP, a 30 de Novembro do ano passado, que dispunham de tais somas monetárias para investir na criação de parcerias com empresários nacionais ligados ao sector produtivo, os tailandeses despertaram a atenção de dezenas de cidadãos nacionais ávidos por oportunidades como esta. A partir desta data receberam, para a cobertura desta suposta linha de financiamento, propostas de 53 empresas angolanas que haviam sido encaminhadas à referida instituição, embora não tivessem ainda concluído a constituição de uma filial sua em Angola, que seria denominada Centennial Energy Comércio e Prestação de Serviços Limitada, e obtidos a certificação do investimento. Esta empresa tem como accionistas os quatro tailandeses detidos e que pretendiam inserir mais quatro conterrâneos seus que, todavia, não se encontram no país. Tomás Agostinho declarou à imprensa que os investigadores do SIC chegaram a contactar apenas um dos promotores de tais propostas. “O único promotor com quem mantivemos contacto é, já, vítima de uma burla. Celebraram um contrato de intenções para desenvolverem um projecto, no domínio de uma empresa de actividade comercial, visando a importação de cereais”, esclareceu.
Empresário perde 25 milhões de Kwanzas
Ambos acordaram em criar uma empresa, na qual a vítima, cujo nome também não foi revelado, teria 5 por cento das acções desde que investisse 50 milhões de Kwanzas. Acreditando na aparente idoneidade dos investidores que alegaram, na ocasião, ter mobilizado um carregamento de arroz, proveniente da Ásia, a vítima adiantou o pagamento de 50 por cento deste valor, isto é, 25 milhões de Kwanzas. Os investigadores constataram que não existe documentação relacionada com esta encomenda. “O dinheiro foi entregue a eles. Há documentos que atestam a sua recepção e há contratos formalizados entre esta empresa e os supostos tailandeses. Portanto, só a partir dessa amostra podemos tirar ilações sobre o que provavelmente ocorreria, tendo em conta a quantidade de propostas em posse deles”, disse o chefe do departamento Central do SIC. O SIC desconhecia, até ontem, se os autores das demais propostas terão desembolsado também alguma soma monetária ou se chegaram a celebrar algum acordo com os supostos investidores tailandeses.
Supostos burladores viveram à farta a custa de angolanos
Os estrangeiros ficaram hospedados desde Novembro do ano passado até às 15 horas dia 21 de Fevereiro, no Hotel Epc Sana, à custa de uma empresa angolana que era também uma potencial candidata ao acesso a esta linha de financiamento, cuja denominação não foi revelada porque o processo se encontra ainda na fase de instrução preparatória. O superintendente-chefe Tomás Agostinho explicou que as autoridades angolanas chegaram à conclusão que se trata de um crime de burla por defraudação, em função dos resultados das diligências que incitaram para aferir a legalidade e a proveniência do suposto investimento. Além deste crime, recaem sobre os mesmos as suspeitas da prática dos crimes de falsificação de documentos, associação de malfeitores e de branqueamento de capitais.
Tramados por um cheque falso
Apesar de terem cumprido com os trâmites legais estabelecidos para a constituição de empresas, os accionistas da Centennial Energy Comércio e Prestação de Serviços Limitada emperraram justamente no momento de confirmarem o capital inicial declarado nos estatutos, por via de um depósito bancário. Quando se depararam com essa obrigatoriedade, procuraram fazer prova dessa capacidade apresentando um cheque de USD 50 mil milhões, a fim de obterem a certificação da entrada de capitais financeiros e concluírem a constituição da empresa. “O investimento não foi certificado. Faltou a confirmação da componente financeira para a conclusão do processo”, declarou. Em cumprimento ao estabelecido pela Lei de Branqueamento de Capitais, segundo a qual, a partir do depósito bancário de determinados montantes seja despoletado um mecanismo de confirmação, o banco receptor do cheque assim procedeu.
Acionou o Banco Nacional de Angola que, através dos seus congéneres, descobriu que o cheque é falso. Segundo o superintendente-chefe, Tomás Agostinho, o Estado não chegou a celebrar um contrato com esta empresa porque o processo não foi concluído. Estavam apenas em curso os contactos com a entidade competente do Estado para a captação de investimentos. “Portanto, só seria finalizado ao se confirmar que dispunham realmente de tais valores financeiros”. No momento da detenção dos acusados, os investigadores apreenderam, entre vários meios, um cheque supostamente pertencente ao Banco da China, localizado em Hong Kong, no valor de USD 99 mil milhões, a favor de Centennial Energy Company Limited.
Ainda está por se apurar a autenticidade deste cheque. Um motivo pelo qual, consideram que existe entre eles uma forte propensão para o cometimento de crimes de burla, pois não acham normal a emissão de um cheque com este valor. Por enquanto, a Polícia não tem conhecimento se o mesmo grupo já realizou este tipo de acções noutros países. Apenas um dos quatros tailandeses detidos tem antecedentes criminais. No entender dos investigadores, os tailandeses terão escolhido Angola em função de um convite que lhes foi formulado por um dos angolanos arrolados neste processo crime, registado pelo Ministério Público com o número 41/18-04. “O representante desta empresa angolana que convidou os supostos investidores tailandeses tem algum percurso naquela região da Ásia”, frisou, sem descartar a possibilidade de ser também vítima da burla.