Com o prazo de 90 dias, dezenas de famílias receberam ordem de abandonar as casas nas quais vivem há muitos anos, no município da Baía Farta, porque a Administração Municipal quer ver requalificada a área. Sem terem onde ficar, os moradores temem o desalojamento
Por: Zuleide de Carvalho
A administração municipal, por decisão do responsável máximo, José Ferreira, deu à proprietária da porção de terra no bairro Santa Catarina, onde vivem cerca de 100 pessoas, um ultimato: que em 90 dias o espaço deve ter boa apresentação.
Em consequência disto, a dona do espaço informou aos inquilinos de longa data que terão de abandonar as casas, para que ela possa cumprir a directriz da Administração e fazer obras que dêem bom aspecto à rua. As casas em vias de demolição encontram-se à beira da estrada, numa das ruas asfaltadas do bairro Santa Catarina, situado no município da Baía Farta.
Os moradores têm décadas das suas vidas passadas naquele bairro, viram, com o tempo, o avanço da degradação das casas e não conseguiram mudar-se por falta de dinheiro. Os habitantes, atormentados por saberem que têm menos de três meses para abandonar o local, vêem-se sem sítio para morar e mostram-se revoltados com o administrador.
Residente na área desde 1999, Manuel Carlos, de 29 anos, é pescador e lembra que desde que se mudaram do Lobito para Santa Catarina, na Baía Farta, sempre pagou a renda, tendo parado há dois anos por indicação da senhoria, ao reconhecer que as casas estavam a deteriorar-se.
Outra é a senhora Salomé, que disse ter 45 anos, todavia, a sua aparência faz crer que esteja na casa dos 60 anos, está desempregada há 7 anos, sobrevive da solidariedade dos vizinhos que lhe dão alimentos. Sofre de uma mazela na perna direita, há 7 anos, que lhe dificulta a locomoção. Habitando na casa em escombros há 13 anos, nunca pagou renda. Sem saber o que fazer perante a ordem de despejo, com 90 dias para abandonar o seu refúgio, pergunta: “vou ficar onde? Na rua?”
Administrador chama casas de “cubatas”
José Mário, de 23 anos, é outro morador na mesma situação, nasceu, cresceu e sempre viveu nas casas que estão prestes a desabar. Disse que a administração teve um encontro com os moradores, tendo avançado que têm de sair daquele lugar porque dava uma péssima imagem e má reputação ao Estado.
Entretanto, tinha ficado, naquela reunião, a promessa de serem indemnizados, mas houve mais tarde um segundo pronunciamento da Administração que dava conta de que os terrenos para realojar a comunidade, outrora supostamente gratuitos, custam 47 mil Kwanzas cada, dinheiro que os populares não têm.
O munícipe Mário explicou que há idosos e deficientes físicos a habitar naquelas moradias há décadas. Hoje, não têm forças para começar do zero e construir casas em terrenos que não podem comprar. Perante esse desespero, expressado ao dirigente municipal, de acordo com o que narrou, o administrador tê-los-á rebaixado, chamando as suas casas de “cubatas”.
Os lesados contaram a O PAÍS que tiveram ainda três encontros, com a filha da proprietária do terreno e membros da administração municipal, tendo o administrador estado presente em dois.
“Não falo com delinquentes” Questionado sobre os diálogos colectivos que terá tido com os habitantes da área sob ordem de despejo iminente, José Ferreira, administrador municipal da Baía Farta, não aceitou gravar a entrevista.
Apesar disso, prestou um esclarecimento, declarando ser falsa a afirmação dos queixosos. Negou ter conversado com os munícipes em questão, justificando-se dizendo que “não fala com delinquentes”.
Quanto às condições em que os seus munícipes habitam, alegou que “vivem em cubatas”. Logo, pretende “requalificar a área, em risco há pelo menos 10 anos”. Lotes de 20x25m custam 27.500Kz Ireneu Sapupole, enquanto secretário em exercício da Administração, esclareceu que as negociações são exclusivas entre a proprietária do espaço e os moradores, descartando assim a envolvência da Administração. O território que prevêem ceder, tem lotes de 500m2, de 20x25m, a 27.500,00 Akz.
A seu ver, com estes lotes, os populares poderão construir casas condignas, ao invés de continuarem “em cavernas”. Não se sabe, ao certo, quantos cidadãos afectados são, mas relativamente à responsabilização enquanto Estado, o secretário Ireneu disse que “nós, Administração, não exigimos nada a nenhum popular. Demos ao proprietário do imóvel um prazo de 90 dias para que mantenha aquele espaço mais condigno”.