Arrancaram, na Segunda-feira (24.03), as consultas públicas para formar um governo de unidade nacional na República Democrática do Congo (RDC)
Presididas por Désiré Cashmir Eberande, conselheiro especial do Presidente Félix Tshisekedi para a segurança, as conversações, em Kinshasa, deverão durar, no máximo, duas semanas.
Os diferentes actores convidados para estas consultas são a maioria parlamentar, a oposição e a sociedade civil. As autoridades congolesas estão bastante optimistas.
Mas uma parte da oposição está a boicotar as conversações. É o caso do partido Juntos pela República, de Moïse Katumbi, que sublinha a responsabilidade do Presidente congolês na crise actual.
“Quer se trate da questão da oposição armada ou da crise política em que nos encontramos, uma das causas está ligada à ilegitimidade evidente do Presidente Tshisekedi e de todas as instituições eleitorais.
Daí o porquê de o Presidente Tshisekedi ser parte do problema”, afirma Hervé Diakiese, porta-voz do partido. “Quando a casa está a arder, não se constrói união à volta do incendiário, constrói-se união à volta do bombeiro”, acrescenta.
Por seu lado, a nova sociedade civil congolesa pede que os critérios de selecção sejam respeitados e rigorosos, como explica o coordenador nacional Jonas Tshiombela.
“Os imperativos de lealdade, competência e inclusão devem ter precedência sobre todas as outras considerações. Insistimos na lealdade à nação e não aos interesses partidários, na competência como critério incontornável, na participação da sociedade civil e da oposição desarmada e na ruptura com as práticas do passado”, defende.
Evitar repetir erros do passado
O governo de unidade nacional que deverá ser anunciado no final das consultas não será o primeiro na RDC. O analista Omer Nsongolo teme que se repitam os erros do passado e que não se resolva o problema da insegurança.
“Houve um governo de unidade nacional com a coligação entre a Frente Comum para o Congo (FCC) e o partido Mudança de Rumo (CACH), um governo de unidade nacional com a criação da União Sagrada da Nação e o governo de Judith Suminwa pretendia ser um governo de unidade nacional”, recorda o analista.
“Este que está a ser anunciado agora é também um governo de unidade nacional. Se o antigo primeiro-ministro congolês Jean-Michel Sama Lukonde e Suminwa não impediram o avanço dos rebeldes, será que o que sairá das consultas resolverá o problema? Duvido”, sublinha Omer Nsongolo.
M23 continua a avançar
As conversações em Kinshasa ocorrem numa altura em que os rebeldes do Movimento 23 de Março (M23) continuam a avançar no terreno.
O último revés ocorreu na Segunda-feira (24.03), quando o grupo armado anti-governamental voltou atrás na promessa de se retirar da cidade estratégica de Walikale, na província de Kivu do Norte, uma região rica em ouro e outros minerais.
Segundo residentes, os rebeldes e os combatentes da milícia pró-governamental Wazalendo também travaram combates na Terça-feira (25.03) nas províncias do Kivu do Norte e do Kivu do Sul.
Os países da África Austral e Oriental têm feito pressões diplomáticas para resolver o conflito, receando que possa transformar-se numa guerra regional de maiores dimensões.
Na Segunda-feira (24.03), os líderes dos principais blocos políticos da região reuniram-se numa cimeira virtual para tentar fazer avançar um plano destinado a garantir um cessar-fogo na RDC.
Na sequência do encontro, foram nomeados cinco antigos chefes de Estado para “facilitar” o processo de paz: Olusegun Obasanjo da Nigéria, Kgalema Motlanthe da África do Sul, SahleWork Zewde da Etiópia, Uhuru Kenyatta do Quénia e Catherine Samba Panza da República Centro-Africana.
A presidência congolesa afirmou que o novo painel nomeará um mediador para substituir o Presidente de Angola, João Lourenço, que se retirou do papel de mediador na Segunda-feira (24.03), após anos de esforços infrutíferos para aliviar as tensões entre o Ruanda e a RDC.
Anteontem, o chefe de Estado angolano disse que o facto de ter abandonado a mediação do conflito no Leste da RDC “não é nenhum sinal de inimizade com absolutamente ninguém”.
Aumentam atrocidades contra civis
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) alerta, num relatório publicado na Terça-feira (25.03), para um “recrudescimento das atrocidades” contra civis.
Na província de Ituri, região no Nordeste da RDC rica em ouro e que faz fronteira com o Uganda, as deslocações da população estão a aumentar e a ajuda humanitária está a diminuir.
Segundo Emmanuel Lampaert, representante dos MSF no país, o conflito em Ituri está a dificultar o acesso da população local aos cuidados de saúde e aos meios de subsistência. Lampaert apela às partes envolvidas no conflito para que respeitem o direito internacional humanitário.
“Uma das condições prévias é que a coordenação civil-militar seja efectuada com toda a clareza necessária, a fim de preservar a continuidade e o acesso aos cuidados de saúde”, disse. Os ataques dos grupos armados em Ituri provocaram deslocações maciças da população.
O grupo mais activo no território de Djugu é o Codéco, acusado de ter efectuado numerosos ataques a campos de deslocados e a instalações sanitárias.
No relatório, a organização MSF refere que mais de 100.000 pessoas foram deslocadas e cerca de 200 foram mortas em ataques contra civis desde o início do ano.