As instituições públicas, responsáveis pela segurança pública do Estado, levantam muitas questões, que prefiro não as fazer aqui. Pois, um silêncio desconfortável responde à indiferença de crimes por resolver ou arquivados.
A percepção que esta indiferença deixa é de muitos criminosos cometerem crimes, tendo em conta os seus links ou seguranças jurídicas de que gozam. Há pessoas presas, injustamente, por recomendação de quem se julga ter poder.
O que os clássicos disseram e T. Hobbes deu visibilidade, é que «o homem é lobo de outro homem». Em Angola essa máxima tem feito caminho e estruturado o crime no seu mais alto patamar de superioridade nojenta.
Quantos estão presos e esquecidos por incompetência do nosso sistema jurídico? Quantos cometeram crimes, mas não foram responsabilizados criminalmente por motivos que não me sinto à vontade de abordar aqui? A impunidade está na base da insegurança social, e o judiciário não tem sabido ser imparcial quando há gurus ou poderosos envolvidos em crimes que tornaram a nossa sociedade moralmente miserável. A justiça de Deus pode tardar, mas é segura.
Por isso, no livro bíblico do profeta Ezequiel, o profeta reconheceu: ‘Quando a injustiça é demasiada, Deus age em pessoa’. Quando Deus age em pessoa, as consequências são terríveis e horríveis. Não tardará a intervenção de Deus, em pessoa, em Angola.
Pois, a nossa, tem sido uma história inconsolável de crimes que só Deus poderá dar descanso às vítimas, consolando as suas famílias. São tristes histórias de cidadãos assassinados.
Mas os serviços de segurança parecem mais aptos e competentes em vigiar os revús e prender quem fala mal da liderança política, a fazer o que realmente constitui a causa da sua existência, que são de facto dois das três funções do Estado – Justiça, Segurança (conservação) e Bem-Estar.
A morte do Doutor Laurindo Vieira, que até hoje esperamos o desenlace devido, leva-nos a compreender o silêncio ou crime arquivado do assassinato de Mfulupinga Lando Victor.
Esta memória, leva-me a interrogar se desta vez, de facto, os órgãos devidos poderão solucionar o assassinato de dois rapazes Seminaristas teólogos, David Sandambongo e do José Diliqui, para responsabilizados criminalmente os assassinos a família e nós – professores, formadores, amigos e família cristã – pudermos encontrar a serenidade espiritual na justiça feita, ou se teremos de rezar para Deus operar o milagre, já que nos sentimos inseguros nas escolas, nos bairros, enquanto os criminosos se sentem confortáveis em cometer crimes, nos matando impunemente?! Há criminosos que são julgados e condenados pela população, porque a população percebeu que não há justiça por causa da impunidade.
O que me lembra duas perguntas bíblicas incontornáveis, que Deus fez a Caim depois do assassinato de Abel: i) “onde está o teu irmão Abel?” (Gn 4,9); ii) “Que fizeste?” (Gn 4,10). A pergunta i) leva-nos a entender que somos guardiões de nosso irmão.
A pergunta ii) dá a entender que o sangue do irmão assassinado, dado a beber a terra, tem consequências terríveis não apenas para nós, mas também à terra e tudo ao que ela está ligada.
A primeira vez que Deus amaldiçoou a terra foi por causa da desobediência (pecado original) de Adão e Eva. E eis que em Caim esta maldição foi repetida. Daí as perguntas de Deus a Caim terem levado S. João da Cruz a afirmar: “No entardecer da vida seremos julgados sobre o amor”. Sentimonos inseguros por falta de amor ao próximo: “devido ao aumento da maldade, o amor de muitos esfriará” (Mt 24,12).
Amaldiçoamos o solo angolano por 27 anos de guerra, e ainda hoje não aconteceu o luto nacional para reabilitar a dignidade das vítimas, respeitando a memória dos familiares. Por falta deste luto, vivemos uma maldição que vamos ignorando por causa da globalização.
Kevin Rudd, enquanto primeiro-ministro da Austrália, proferiu um discurso de pedido de desculpas em nome do governo no Parlamento australiano, a 13 de Fevereiro de 2008, pedindo desculpas às Gerações roubadas da Austrália pelos erros cometidos no passado: “Pedimos desculpa pelas leis e pelas políticas de parlamentos e governos sucessivos que infligiram dor, sofrimento e perdas profundas a estes nossos compatriotas australianos (…)”.
Nos últimos tempos, o grande impulsionador da reconciliação foi o Papa S. João Paulo II, que pediu desculpas ao mundo pelas culpas da Igreja no passado. Neste processo da cura da memória, S. João Paulo II, a 13 de Agosto de 1985, pediu desculpas, em Yaoundé, aos africanos: «No curso da História, homens pertencentes a Nações cristãs infelizmente nem sempre se comportaram como tais e nós pedimos desculpa aos nossos irmãos africanos que tanto sofreram, por exemplo, pelo tráfico dos escravos».
E no caso Angola, o que faltou para este processo realizar-se? Prezou-se tanto o Partido, que hoje vivemos partidos e com uma terra que vai bebendo sangue inocente. Se não arrepiarmos caminho, não teremos futuro.
Por: Mário Zezano