F oram ontem a enterrar no Cemitério Santa Ana, em Luanda, os restos mortais do cantor, compositor, actor, gastrónomo e artista plástico, Cireneu Bastos, falecido no passado dia 30 de Janeiro, na Clínica Girassol, em Luanda, vítima de doença.
A cerimónia fúnebre do malogrado artista ocorreu às 11 horas e 30 minutos, depois da missa do corpo presente, realizada na Morgue Santa Ana.
No Campo Santo, apesar das diversas canções entoadas na altura, para consolar a família, e outras angélicas, associadas à marcha que acompanhou Cireneu até a última morada, era visível no rosto de cada um dos presentes um lacrimejar pela perda de tão ilustre figura da Cultura Angolana.
Apesar de tudo, familiares, colegas e amigos mantêm-se confiantes na continuidade do legado por ele deixado. Dineth, como era carinhosamente tratado, não era apenas um artista. Era um homem de trato fácil, que carregava sempre no rosto, um sorriso acolhedor e uma energia contagiante.
A sua partida não apaga a luz da sua existência, visto que este permanece vivo na memória daqueles que o amaram, nos ensinamentos que transmitiu e na cultura que ajudou a fortalecer. A sua história não se encerra com a partida para a outra dimensão.
Pelo contrário, continuará ecoando nas vozes, nas canções, nos palcos e nos corações dos que foram tocados pela sua arte criativa e presença. Amigo dos seus amigos, família dos seus familiares, solidário em todas as situações, quer nos momentos de alegria, quer nos de infortúnio, o seu dom especial era transformar as pessoas ao seu redor, sempre mostrando o lado bom da vida.
Este carisma e generosidade de Cireneu Bastos foram marcas registadas, que o tornaram o querido de todos que tiveram o privilégio de o conhecer. O seu lado humano foi confirmado durante o elogio fúnebre feito por um dos membros da família, por sinal, irmão mais novo de Cireneu, que entre lágrimas, destacou as suas qualidades e contributo prestado em torno da preservação, o amor e responsabilidade pela família, bem como a divulgação da nossa cultura por via da arte.
“Hoje, reunimo-nos para prestar a última homenagem a um homem, cuja vida foi marcada pelo amor, dedicação e uma inestimável contribuição à Cultura e à sociedade.
O nosso irmão, pai, avô, tio, primo, padrinho, cunhado, colega, vizinho e artista, Cireneu Bastos, conhecido carinhosamente por Dineth, parte deixando uma lacuna imensurável em nossos corações”, lamentou o irmão.
Quanto pudemos saber ainda da sua família, a partida de Cireneu Bastos não apaga a luz da sua existência, uma vez que ele permanece vivo na memória daqueles que o amaram, nos ensinamentos que transmitiu e na Cultura que ajudou a fortalecer.
Percurso
Cireneu da Cruz de Jesus Honório Bastos, “Man Dineth”, nasceu em Luanda, oficialmente, a 25 de Abril de 1945, pese embora o seu verdadeiro ano de nascimento seja em 1942. Em função da necessidade do seu ingresso no ensino primário a data do seu nascimento sofreu a alteração que se conhece. Cireneu Bastos era filho de Evaristo Honório Bastos Júnior (Cheketa) e de Carolina Rodrigues de Almeida.
Neto paterno de Evaristo Honório Bastos e Nazaré Filipe Honório Bastos. Neto materno de Raul Rodrigues de Almeida e Antónia Braz Nascimento. Como filho de Varão, Dineth cresceu com um forte senso de responsabilidade e liderança, características que manteve ao longo da vida.
Construiu a sua própria família, deixando um legado de amor e continuidade através dos filhos, Duccha, Cátia, Dário e Léu, bem como os seus 11 irmãos que, agora, carregam adiante a sua história.
A sua infância foi dividida entre a Vila Clotilde, Bairro Indígena, Vila Alice e Bairro Marçal, locais que moldaram a sua identidade e visão de mundo. Iniciou os estudos em 1952 na então conhecida Escola 8, situada no Bairro Cruzeiro, nas imediações do K8inaxixi, em Luanda.
Vida profissional
Desde cedo, Dineth revelou-se uma figura de destaque na cultura angolana. O seu talento, paixão e compromisso com a arte tornaram-no um nome respeitado na música, no teatro e na televisão.
Como testemunho do seu empenho em actividades culturais, salienta-se o facto de ter sido um dos primeiros artistas autóctones angolanos a pisar o palco do Cine Restauração que, mais tarde, tornou-se Sede do Parlamento Angolano, um local da Baixa Luandense onde desfilavam renomados artistas do mundo da música.
No universo profissional, desempenhou diversas funções de liderança, incluindo a sua actividade no Supermercado da Prima Idalina Costa, no bairro São Paulo, onde conquistou respeito e admiração.
O seu envolvimento com a Cultura ganhou ainda mais força a partir da década de 1980, quando assumiu a responsabilidade pela logística e confecção alimentar do Grupo Organizações Kizomba, no então Centro Recreativo e Cultural Kizomba, no Bairro Gofo, actual município do Kilamba Kiaxi.
Devido ao seu desempenho laboral como gastrónomo, Cireneu Bastos teve o mérito de ser indicado como delegado das Organizações Kizomba, na província do Namibe, tendo desenvolvido diversas actividades culturais e recreativas na cidade de Moçâmedes, onde permaneceu por dois anos.
No início da década de 1990, retomou a Luanda. Por motivo de instabilidade político-militar, na época, as Organizações Kizomba,encerraram o Centro Recreativo e Cultural, no Bairro Golfo, o que motivou a desvinculação contratual do mano Dineth com a referida instituição.
A partir de então, dedicou-se com maior intensidade à Cultura, consolidando-se como cantor, actor de teatro, cinema e televisão. Nos últimos anos, a sua maior colaboração foi com a Rádio Nacional de Angola, onde se destacou como protagonista e um dos animadores do programa cultural “Poeira no Quintal”, compartilhando testemunhos valiosos sobre a evolução da arte, música popular, teatro e televisão em Angola.
Intervenção da UNAC
Já a Comissão Directiva da União Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC), representada por Eliseu Major, na sua intervenção, destacou a dimensão de Cireneu Bastos, sublinhando que os grandes artistas, mesmo sem cobrirem o mercado discográfico com obras deslumbrantes, conseguem o seu espaço na memória do povo.
Elizeu recordou que Cireneu, enquanto actor de palco, de televisão, em filmes, foi jogradista e esteve no teatro de intervenção, tendo acrescentado que, como humorista, sempre esteve muito bem. “Cirineu era um actor mesmo fora dos palcos.
A arte tornou-se um importante veículo das ideias nacionalistas e o teatro pela sua especificidade, tornou-se uma importantíssima arma, quer na política com os seus disfarces, quer na exploração da nossa realidade etnográfica”, realçou.