O realismo clássico das relações internacionais ensina-nos que o fim último dos Estados enquanto actores primários das relações internacionais é o poder, não importam os meios, mas sim os fins.
Num sistema internacional anárquico onde não há um super polícia, cada um deve maximizar as suas quotas de poder para poder sobreviver. Paul Kagame tem colocado isso em prática na região dos Grandes Lagos, será que é um caso para considerá-lo um verdadeiro príncipe e que pensa como um homem de Estado? Quando a SAMIDRC, missão da SADC substituiu as Forças Regional de Apoio da África Oriental, Kagame terá ficado chateado alegando que não houve um contacto ou diálogo entre as partes sobre os termos que a missão deveria operar na região, não poderia esperar um diálogo prévio quando ele não participa deliberadamente nos encontros, como um sinal claro de desrespeito aos seus pares.
Mas o certo é que ele estava preocupado com a mudança na correlação de forças, porque Tshisekedi reclamava da ineficiência das Forças de Apoio Reginal da África Oriental no auxílio ao combate do M23.
A SAMIDRC missão composta por militares da África do Sul, Tanzânia e Malawi não tem dado conta do recado ou não tem conhecido progresso no teatro das operações.
Terá Angola interesse em abandonar o papel de mediador para reforçar abertamente a SAMIDRC com um contingente militar no âmbito do pacto de defesa comum da SADC? Importa frisar que Angola assumirá a presidência da União Africana em Fevereiro, não acredito que neste momento seria uma boa equação.
Qual seria o posicionamento dos EUA se Angola tomasse a decisão de intervir no teatro das operações fornecendo recursos humanos, bélicos e logístico à RDC? Vale lembrar da equação feita pelos EUA, de Kigali para Luanda tendo o Corredor do Lobito como expoente desta equação, cujo fim último é o controlo da cadeia de suprimentos de minerais estratégicos.
Isto também colocou Angola de mãos atadas e enfraqueceu a sua mediação por causa dos inúmeros interesses e actores exógenos implantados no Congo. Acho que os americanos entendem que ganhariam mais com a R.D.C em paz do que em guerra. E Tshisekedi também sabe quem ganharia mais numa situação de confronto directo com o Ruanda (os abutres).
Enquanto isso Paul Kagame ordinariamente vai materializando a sua estratégia geoeconomica na região dos Grandes Lagos, pilhando recursos no vizinho ao lado.
A título de exemplo no período entre 2022-23, as exportações de ouro do Ruanda tinham crescido na ordem dos 34% segundo o Banco Nacional do Ruanda, como é possível isso num país que não possui minas de ouro? Neste mesmo período, uma pesquisa sarvey de um instituto geológico dos EUA, sustentou com dados estatísticos que as reservas de coltan do Ruanda tinha aumentado na ordem dos 40%.
Por quê razão através das sua proxi (M23) quer GOMA? Não será para depois prosseguir e tomar a grande mina de Rubaya para exploração ilegal em conjunto com os rebeldes? Por quê razão Red Tabará desencadeou um conjunto de ataques contra o Burundi? A resposta é clara e simples, porquê o Burundi fechou a fronteira com Ruanda e assinou acordos com a RDC no plano bilateral para combater os rebeldes na zona leste da RDC.
Num contexto marcado pelos desafios da segurança e geopolítica energética acelerada pelo conflito russo-ucraniano, onde a europa encontra-se fragilizada nesta altura o jogo diplomático e de cintura que o ocidente está fazer é muito forte de modos que Tshisekedi não caia nas mãos dos orientais(Rússia e China), vão apelando contenção ao líder congolês e ao mesmo tempo vão pressionado de forma tímida o afilhado(Kagame), para que ponha termo às hostilidades.
Tshisekedi sabe e espero que não ignore a história, Patrice Lumumba numa situação de desespero para expulsar a Force Publique do antigo Zair tentou buscar apoio aos soviéticos, os Belgas e os Americanos rapidamente acabaram com ele na operação Barracuda materializada pela CIA, correram com Kassavubo e colocaram lá o grande vassalo deles (Mobuto).
E lhe foi dado o sinal em Maio de 2024 naquela tentativa fracassada de golpe de Estado. Paul Kagame não pretende apenas transformar Ruanda num hub da transformação e industrialização dos minerais, também há razões demográficas, suas pretensões expansionistas estão associadas ao crescimento da população do seu país que vai se tornando cada vez mais pequeno em termos territórias e isso desperta o apetite de ter controlo e influência de terras ricas da RDC.
Com Josephe Kabila era diferente aliás Kagame sabia que Jose Eduardo dos Santos estava disposto a tudo para garantir estabilidade na RDC, E que Angola tinha contribuído significativamente na queda de Mobuto, por causa do seu apoio a UNITA, há quem diga que a relação entre Kagame e Kabila era amistoso pelo facto de Kabila ter origens ruandesas, aliás os próprios congoleses tratavam de forma pejorativa Joseph Kabila como Ruandé.
Por quê razão a ONU e UNIÃO AFRICANA não impõe sanções ao Ruanda se existem provas de que o Ruanda tem financiado rebeldes em particular o M23 na região? Precisa de mais provas ou estámos todos de acordo que o multilateralimos está em coma? Enfim, parece-me que os ruandeses vão tendo cada vez mais orgulho do líder deles que está pilhar recursos na R.D.C para satisfazer os interesses do país.
Vão tendo orgulho do presidente deles que tem estado a projectar o seu poder a nível regional, não é atoa que foi um dos primeiros a destacar o seu contingente militar no combate ao terrorismo no norte Moçambique, num sinal claro de demonstração de que é um líder com capacidade de projectar o seu poder além das suas fronteiras, quando a SADC tinha dificuldades financeiras e de meios para operacionalização da Missão de Operação de Paz em Moçambique( SAMIM).
A uma dada altura, a dificuldade era ter meios aéreos para fazer prospecção e geolocalização, onde o Lesoto disponibilizou-se com um meio aéreo, que depois havia algumas dificuldades e nesse momento Angola colocou à disposição o meio aéreo para tal fim, que parece Nyusi não aceitou.
Enfim, termino afirmando que Paul Kagame está a dar lições de como funciona o realismo político nas relações internacionais, pilhando recursos na R.D.C para consolidar a economia, que na verdade é um grande factor de poder.
Por: Tiago Quissua Armando
*Especialista em Relações Internacionais.