Distante dos holofotes da imprensa angolana e sem a presença de governantes angolanos, o Presidente Joe Biden manteve, aquando da sua visita ao nosso país, a primeira de um Chefe de Estado dos EUA, um encontro privado com oito jovens, que trabalham em diferentes ramos, no dia 3 de Dezembro, no Museu da Escravatura, em Luanda.
Entre os vários governantes, membros da sociedade civil, estudantes e funcionários do Museu Nacional da Escravatura, estavam os oito jovens ilustres, convidados diretamente pelo Departamento de Estado (instituição equivalente ao Ministério das Relações Exteriores de Angola) tanto para a cerimónia que Biden presidiria neste local, como para um encontro privado.
Atendendo às medidas de segurança, os escolhidos foram inicialmente convidados formalmente, por email, pela Embaixada dos EUA, no dia 30 de Novembro, pelas 23h20, para assistir ao discurso do Presidente Biden. Um convite que, para to- dos eles, já se revestia de grande honra, conforme contou Nicolau Miguel, oficial de programas da organização não governamental FSVC (Corpo de Voluntários de Serviços Financeiros) em Angola.
Porém, a classificação dos oito escolhidos foi feita no momento em que eram distribuídas as pulseiras às pessoas que partiriam de autocarro do Centro de Ciências de Luanda ao Museu da Escravatura. “Foi-me entregue uma pulseira de cor laranja e não me foi explicada a razão.
Eu, particular- mente, julguei seria para sentarmos na primeira fila, longe de mim, que era aquela a fita, o código, o “selo” para ver face a face e partilhar momentos ímpares com o Presidente Biden”, contou. Ao chegarem ao Museu, os oito desconheciam quem mais tinha fita daquela cor até terem sido agrupados e encaminhados a uma área de visitas, onde tivemos a oportunidade e a honra de se encontrar pessoalmente e manter uma conversa, que classificam de “alargada e valiosa” com o Presidente Biden sobre assuntos ligados ao começo histórico das relações dos povos dos dois países.
“No entanto, surpreendente- mente, ao chegarmos ao local, fomos informados de que fazíamos parte de um grupo selecto de oito pessoas escolhidas para conversar directamente com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden”, detalha a jurista Elisabete Cardoso, uma das quatro senhoras seleccionadas.
A mesma informação é partilhada por Chelsia Suani Dala, fundadora da Alumni Link, uma organização com interesse de fomentar a liderança na juventude angolana, proporcionando envolvimento com organizações sem fins lucrativos. Contou que houve um rigoroso protocolo de selecção dos jovens que tiveram acesso ao evento.
“Os critérios de selecção, não foram mencionados, mas creio que fomos um reflexo do apoio que o Estado Americano tem da- do aos jovens angolanos. Eu já tinha conhecimento do convite para assistir ao discurso no Museu da Escravatura, mas a notícia de que teria um contacto directo com o Presidente foi uma surpresa incrível, revelada apenas um dia antes”.
Para a académica Margareth Nangacovie, uma das participantes, o encontro privado ser- viu também para mostrar também um pouco do que é que a América financia em Angola, quem são as pessoas que beneficiam dos diversos programas de formação e intercâmbio, onde estão e o que fazem, de modo a dar um pouco de visibilidade.
“Explicaram-nos que havíamos de ter esse encontro com o Presidente Biden, que seria só uma espécie de, digamos assim, recepção, de indicação também. Nós somos um grupo que beneficiou de programas de intercâmbio do Governo Americano e que estávamos ali para dar as boas- vindas, digamos assim, ao Presidente”, detalhou.
Cerca de 20 minutos históricos
Antes de proferir qualquer palavra, segundo as nossas fontes, o Presidente saudou-os fazendo continência e, de seguida, apresentou-se: “meu nome é Joe Biden”, como se fosse um ilustre desconhecido para os seus interlocutores que, tomando a palavra, fizeram o mesmo exercício. Nenhum dos nossos interlocutores consegue precisar ao certo o tempo que durou, porém, entre eles há o consenso de que foram, aproximadamente, 20 minutos de conversa bastante produtiva com o 46.º Presidente da Nação mais poderosa do mundo.
“Costuma-se dizer que em boa conversa e boa companhia o tempo voa. Não vimos o tempo passar, devia ter sido uns 15 minutos de conversa privada, com risos, e histórias emocionantes contadas na pessoa do próprio Presidente Biden”, enfatiza Nicolau Miguel.
De modo a inspirar os jovens angolanos, o democrata, que hoje encerra um ciclo da sua trajectória política, cujo ponto mais alto foi assumir os destinos dos EUA, a 20 de Janeiro de 2021, em substituição do recém-eleito Donald Trump, partilhou as suas experiências de vida da luta para o direito dos povos marginalizados da sua comunidade.
Isto é, desde a época do ensino secundário até à sua carreira política activa. Segundo a nossa fonte, o facto de se encontrar num local carregado de um forte simbolismo histórico não passou desapercebido.
Biden e os seus interlocutores abordaram sobre a questão do tráfico de escravos, as vidas que se perderam no mar, as condições em que homens e mulheres saíram de Angola para os EUA. “Foi aí que eu, com a minha voz doce e de forma muito respeitosa e diplomata, disse ao Presidente Biden que a minha filha chama-se Alexandria Virginia.
Aí ele respondeu: ah…, já es- tiveste nos EUA? – Eu disse sim, já lá estive. Foi no Estado de Virginia, cidade de Alexandria, no âmbito do programa de intercâmbio Mandela Washington Fellowship”, detalhou Nicolau. Aproveitando este facto, Bartolomeu Milton, presidente da Associação Pro Bono Angola, aproveitou para pedir ao Presidente Biden para que se possa alargar a quota de angolanos para os programas de formação e intercâmbio.
Em resposta, segundo o nosso interlocutor, o Presidente Biden reafirmou a necessidade de continuar os intercâmbios, não apenas de angola- nos para os EUA, mas de americanos também para Angola.
Desigualdade social e a importância da inclusão em análise
A jurista Elisabete Sá Cardoso, ex-aluna do SUSI Program, em Seattle, nos EUA, considera que o momento foi de uma reflexão profunda sobre questões de desigualdade social, a importância da inclusão e o poder transformador da democracia.
“O Presidente Biden, de forma inspiradora, abordou a relevância da construção de uma lide- rança sólida, capaz de gerar impacto e mudança significativa em qualquer sociedade”, frisou, salientando que pela partilha ficou bastante claro que as experiências que ele teve foram cruciais para sua trajectória e a visão de liderança actual. Isso porque, segundo ouviram do próprio Biden, “essas vivências moldaram sua convicção de que a liderança deve ser exercida com empatia, visão de futuro e compromisso com a justiça”.
De acordo com Elisabete Sá Cardoso, em relação aos jovens angolanos, Biden reconheceu os desafios que enfrentam, especialmente no contexto social e económico. No entanto, fez questão de enfatizar que a perseverança e a união são funda- mentais para a superação desses obstáculos. “Encorajou-nos a continuar a nossa jornada, acreditando sempre no nosso potencial.
Para ele, o futuro de Angola é promissor, e seu progresso será decisivo não só para a África, mas também para o cenário internacional”, sublinhou. Já Margareth Nangacovie ficou com a impressão de que o Presidente Biden aproveitou a ocasião para partilhar um pouco da sua história, da sua ligação com o movimento dos direitos civis e políticos nos Estados Unidos, principalmente com o movimento contra o racismo, então pela valorização dos afrodescendentes na América.
“Ele contou que certa vez, quando ia à escola, percebeu-se que os meninos negros não apanhavam autocarro para a escola e questionou ao meu pai: por que é isso? Algo que sempre lhe indignou, e foi assim que começou a envolver-se no movimento pelos direitos civis na América, até chegar ao ponto dele, ao nível do Congresso, ter feito parte de uma comissão que velou por estas questões”, detalhou a jurista que criou, no nosso país, o primeiro escritório de Advogados dedicado a questões de Direitos Humanos.
Acrescentou de seguida que “foi aí, [nesta comissão] onde o Presidente Biden fez o seu trabalho mais notável, o que nos fez entender. Também acho que o Presidente quis transmitir a sua empatia, a sua preocupação e o seu engajamento político com as questões raciais na América”.
No seu ponto de vista, Biden demonstrou o quanto isso era importante na sua agenda e como a promoção dos direitos humanos era um factor importante na sua carreira. Algo que também ficou um bocadinho evidenciado. “Inclusive brincou um bocadinho pelo facto de estar a chover naquele dia e não sabia se as pessoas lhe haveriam de prestar atenção. Na minha opinião, acho que havia esse receio da parte dele”, frisou.
Margareth Nangacovie confessa que fosse estar muito nervosa no encontro, mas, pelo contrário, o presidente Biden mostrou-se muito afável e transmitiu muita tranquilidade, muita serenidade e normalidade. “Mas é claro que foi uma ocasião excepcional, muito especial, muito bonita, que eu guardo com muito carinho”,sublinhou
Joel: o angolano que já esteve com dois Presidentes dos EUA
Joel Tchombosi, fundador da Fraternidade Albinista, uma associação que busca promover os direitos das pessoas com albinismo enquanto as empodera por meio de iniciativas de capacitação, carrega no seu curriculum o facto de ter tido o privilégio de conversar em privado com dois Presidentes dos EUA.
Além de Bidén, esteve, no exercício da sua actividade laboral, com o Presi- dente Barack Obama, em 2015, durante a Cimeira Presidencial com os Jovens Líderes Africanos em Washington D.C. “Estar diante do Presidente da maior potência do mundo gerou-me um senso de orgulho. Levou- me a sentimentos de motivação para agir e fazer parte de algo maior e, acima de tudo, gratidão”, desabafou, em declarações ao jornal OPAÍS.
Joel Tchombosi, que já participou de uma formação em liderança cívica e transformativa e chegou a estagiar no Centro Nacional de Direitos Humanos dos EUA, isso durante seis meses, diz ter ficado com a impressão de que Joe Biden é um líder empático, experiente e determinado.
No seu ponto de vista, a visita de Biden simbolizou também uma tentativa de diversificação da política externa dos EUA em relação à África, diante de um crescente interesse chinês e russo no continente.