Um mês após um ofício supostamente vindo do Tribunal Supremo, a ordenar o Tribunal da Comarca do Lubango, que colocasse em liberdade o cidadão Walter Raposeiro, que foi condenado pela morte da própria esposa, os familiares da vítima, foram surpreendidos com a notícia da transferência do condenado para uma unidade penitenciaria na província de Benguela.
Em entrevista ao OPAÍS, Gerson Pestana, irmão mais velho de Roxanne Isabel Soares Pestana, revelou que teve conhecimento da transferência do autor da morte da sua irmã no dia 26 de Dezembro do ano passado.
Em função disso, o nosso interlocutor questiona a seriedade dos órgãos que administram a justiça no país, apontando para a existência de fortes indícios de corrupção, que em seu entender contribuem para o aumento de casos de justiça por mãos próprias.
“Gostaria de expressar o meu descontentamento à Justiça de Angola, pois no passado dia 12 de Setembro de 2024 recebi um despacho condenatório, mas passado alguns dias, isso no mesmo ano, tomei conhecimento de um documento do Tribunal Supremo que permitia a soltura de um assassino coisa que até à data ninguém veio a público explicar como o Tribunal Supremo pode ter duas decisões? E agora para meu espanto no dia 26 de Dezembro de 2024 sou surpreendido com a informação de que foi transferido para a comarca de Benguela.
Como assim? Quem decidiu transferir? Porquê para Benguela?”, questiona. Gerson Pestana questiona a actuação dos órgãos de justiça, por não haver, até ao momento, qualquer esclarecimento, da parte dos tribunais, diante de um caso tão mediático como o que envolveu a morte da sua irmã.
“O que leva-me a pensar como cidadão leigo em leis, pois li algumas notícias que o documento sobre o ofício do Tribunal Supremo, segundo as mesmas, este era falso, falso? Um documento do Tribunal Supremo? E agora uma transferência repentina? Infelizmente só me leva a crer que a corrupção está ao mais alto nível da nossa sociedade.
Pois como assim, foi o único transferido? Alguém de direito para nos explicar o que realmente se passa, pois não conseguimos entender as razões de tanta manobra! O porque de duas decisões do Supremo? O porque da transferência? Tudo isso nos inquieta enquanto família da falecida.
Nós, família nos constituímos assistentes e nem assim somos comunicados de tais actos dos tribunais? Gostaria que quem de direito nos convocasse para uma explicação pois temos o direito de saber quem decidiu, como decidiu e o porque dessa decisão”, apelou.
Delegação do Interior na Huíla confirma transferência
Com vista a apurar a informação sobre a transferência de Walter Ribeiro Raposeiro do estabelecimento prisional da Huíla para a província de Benguela, a nossa equipa de reportagem contactou a Delegação Provincial do Ministério do Interior na Huíla, na pessoa do seu responsável.
Em entrevista exclusiva a OPAÍS, o Delegado Provincial do Ministério do Interior na Huíla, Comissário Divaldo Martins, confirmou a transferência de Walter Raposeiro do Estabelecimento Prisional do Lubango para Benguela.
O também comandante da Polícia Nacional na Huíla disse que a transferência resulta de uma orientação da Direcção Nacional dos Serviços Prisionais, no âmbito de um imperativo legal. Por outro lado, o Comissário Divaldo Martins tranquila os familiares, dizendo que não há qualquer espaço para corrupção no seio dos órgãos do Ministério do Interior.
“Walter Raposeiro não foi solto, ele foi condenado na pena de 26 anos de prisão e está a cumprir esta pena num estabelecimento prisional. O Serviço Penitenciário nunca recebeu qualquer ordem do Tribunal para a soltura deste individuo, o individuo neste momento foi transferido, encontra-se encarcerado a cumprir a pena no estabelecimento penitenciário de Benguela, não foi solto, ele continua preso”, esclareceu.
Por outro lado, o Delegado do Ministério do Interior na Huíla, Comissário Divaldo Martins, revelou que tal decisão foi sob orientação da Direcção Nacional dos Serviços Prisionais de Angola, dentro dos parâmetros legais.
“Existe na lei a possibilidade de um recluso cumprir pena em outro lugar, isso está regulamento na Lei 08/08 de 29 de Agosto, essa competência de transferência de um recluso de um lugar para outro, é do Director Nacional dos Serviços Prisionais, queremos aqui tranquilizar a família, que ele não está solto”, assegurou.
Tribunal Supremo mantem-se em silêncio
Depois de Walter Ribeiro Raposeiro ter sido condenado numa pena de 26 anos de prisão, os seus advogados de defesa interpuseram um recurso com efeito suspensivo ao Tribunal da Relação do Lubango, este, porém, manteve a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, mantendo desta forma a execução da sentença condenatória.
Insatisfeitos, os advogados de defesa, nomeadamente André de Jesus e Jacinto Sakandjuele, recorreram desta decisão ao Tribunal Supremo, no processo que ficou registado na Câmara Criminal deste Tribunal com o N° 6276/24.
O Tribunal Supremo, por sua vez, validou igualmente a decisão do Tribunal da Relação do Lubango, num acórdão chegado à nossa redacção, que mantém contra Walter Ribeiro Raposeiro, a condenação de 26 anos de prisão pela morte da própria esposa e outros crimes.
“O douto Tribunal a quo (Tribunal da Relação), assim como o tribunal da Comarca do Lubango, ao longo da motivação da matéria de facto, para além de fazerem uma breve descrição dos vários depoimentos, explicam, de forma racional e lógica, os motivos pelos quais valoraram uns em detrimento de outros, com especial enfoque para os do arguido”.
Os Tribunais elencaram ainda outras provas que valoraram e enunciaram os critérios legais para tal valoração. Não era exigível o Tribunal a quo fazer mais do que aquilo que resulta da motivação, sendo a mesma racional, lógica e assertiva, cumprindo cabalmente o que resulta da lei”, lê-se no acórdão.
O mesmo documento continua dizendo que a decisão sobre a matéria de facto fica suficientemente motivada com a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de se exprimir o teor das declarações e dos depoimentos, bem como a razão crítica do Tribunal para os aceitar e preterir em detrimento de eventuais provas divergentes.
Suposta mensagem do TS gera suspeição A suposta mensagem do Tribunal Supremo, com carácter de cumprimento urgente, tem como proveniência a Secretária Judicial da Sala Criminal do Tribunal Supremo e é dirigida ao Juiz de Direito da Sala Criminal Segunda Secção do Tribunal da Comarca do Lubango, supostamente por ordem do Venerando Juiz Conselheiro Relator, João Pedro Kinkani Fuantoni.
Na mensagem datada de 10 de Dezembro do ano findo, este Juiz Conselheiro Relator manda que se ponha imediatamente em liberdade o arguido Walter Ribeiro Raposeiro, para que este aguarde ulteriores termos do processo em liberdade.
“Por haver nos presentes autos, causa de extinção da medida de coacção, em consequência, fica imposto ao arguido, por força do Código de Processo Penal, as seguintes medidas de coação para que aguarde ulteriores termos do processo em liberdade: 1-Interdição de saída do país; 2-Apresentação periódica às autoridades, devendo apresentar-se mensalmente às 8 horas e 15 minutos ao Cartório do Tribunal da Comarca do Lubango, a partir da data da notificação do presente despacho”, lê-se na mensagem.
A nossa equipa de reportagem contactou o porta-voz do Tribunal Supremo, via telefónica, para conferir a autenticidade da referida mensagem, porém, sem o sucesso esperado.
Entretanto, uma fonte deste jornal, junto do Tribunal da Comarca do Lubango, informou que o mesmo despacho ainda não foi executado, apesar do seu carácter de cumprimento urgente, o que preocupa a defesa de Walter Ribeiro Raposeiro.
Por: João Katombela, na Huíla