A altura dos edifícios não os amedronta, tão pouco a possibilidade de serem apanhados e detidos pelos agentes da ordem. Estar numa cela de polícia, misturado com criminosos comuns (adultos), parece ser algo normal para um grupo de crianças/adolescentes que têm a prática de furtos aos apartamentos como modo de vida.
A inspiração vem do homem- aranha, o lendário “Spider Man” americano, um super-herói, cujas habilidades são imitadas pelos petizes para escalarem prédios, preferencialmente no período noturno, com o objectivo de surripiarem algum objecto valioso ou dinheiro no seu interior.
A acção começa a partir da identificação do apartamento que esteja com as janelas abertas, e daí vão rondando até encontrarem uma brecha em que a circulação de pessoas ou o movimento dos moradores do prédio esteja calmo.
Em muitos casos, os peque- nos homens aranhas optam pelo momento em que todos já estejam a dormir. A agilidade com que se movem ao escalar os prédios parece de crianças que têm íman nas mãos e nos pés, ou molas nos membros superiores e inferiores, pois caso se sintam em perigo, muitos conseguem saltar, por exemplo, do terceiro ou segundo andar abaixo.
Corpo cicatrizado da cabeça aos pés, fruto das rixas com grupos rivais e porretes que lhe foram disferidos das três vezes que foi apanhado e teve passagem pela polícia, é como se apresentava De Huilá, 12 anos de idade, o mais novo entre sete crianças, que este jornal encontrou detido num sábado, nas celas da esquadra 51, do Kilamba, sob acusação de assalto aos apartamentos desta centralidade e do KK 5000.
De baixa estatura, mas que assume ser ágil quando se trata de escalar os prédios, De Huilá juntou-se aos “homens-aranha” do Kilamba há dois anos e, neste período, conseguiu tirar dos apartamentos computadores, telefones, lençóis e corchas.
Inicialmente, começou a escalar apenas o 1.º andar, mas foi ganhando capacidades até que, no segundo ano de “actividade”, os pés e as mãos já tinham habilidades suficientes para chegar ao segundo e terceiro andares, segundo contou. Enquanto De Huilá contava o seu percurso, ao seu lado estava Bad Nucho, que afirma já ter perdido a conta de quantas vezes escalou os diferentes prédios do Kilamba.
O que o adolescente de 14 anos não esquece, porém, é quantas vezes foi parar à cela, sempre que apanhado ou denunciado pelos comparsas. Aliás, afirma mesmo que, das quatro vezes, apenas em uma ocasião foi encontrado em flagrante pelos proprietários, que estavam a descansar no momento entrou no apartamento. Pela rua, viu que a janela da varanda estava aberta e escalou até ao terceiro.
O ‘assalto’ ao 7.º andar do quarteirão J
Nas celas da 51, todos se chamam pelos apelidos, e uma das histórias mais comentadas entre os detidos foi a do Pequeno e Debetá, de 14 e 16 anos, respectivamente.
Os dois, tidos como os mais experientes entre os “aranhas”, pelo facto de serem os que escalam os maiores prédios, alcançaram feitos dignos de um filme de acção de Holly Wood. O primeiro, Pequeno, cujo nome contrasta com os seus feitos, chegou a escalar até o 7.º andar de um dos prédios do quarteirão J do Kilamba, tendo retirado dentre vá- rios pertences, cinco corchas novas e computadores.
Nas suas acções não esquece ainda a cena que protagonizou junta- mente com o seu comparsa, também de 14 anos, Depezé, que no 2.º e 3.º andares conseguiram descer escalando o prédio com botijas de gás semi-cheias de 50 quilos. Já Debetá, tido como o mais experiente, não vê dificuldades nenhumas em escalar prédios 4.º, 5.º, 6.º ou 7.º andares, ao ponto de ser considerado entre os amigos o “aranha” que mais bens retirou de um apartamento, apesar de alegar estar em “actividade” apenas há um ano.
Ele diz não se lembrar quantos prédios já escalou “porque são muitos”, mas se recorda que neste período, entre os bens de maior valor por si furtados, constam computadores Macintosh e telefones, em quantidades que também não consegue calcular “por- que são muitos”, além de 800 euros (em notas de 100), que gastou em “desbundas”.
“Não roubo iPhone por causa do GPS” Nos vários assaltos que já fez, Debetá explica que já encontrou mais de 15 telefones da Apple, os vulgos iPhone, mas que não os levou, com receio de que os mesmos estivessem equipados com a tecnologia do Sistema de Posicionamento Global (GPS).
“Um amigo me disse que foi encontrado na placa com o iPhone que roubou e depois lhe disseram que tinha GPS. Por isso, não roubo iPhone”, disse. Facto curioso é que, apesar de tantos assaltos efectuados, Debetá disse que nunca foi apanhado em flagrante nem pelos donos de casa, tão pouco pelos vizinhos. Das vezes em que foi parar nas celas, como quando conversou com OPAÍS, foi por denúncia dos amigos.
Aos aranhas, este jornal questionou se nunca pensaram em desistir e terem uma vida como outras crianças, a que Debetá respondeu que até já tentaram, mas não conseguem abandonar. “Sempre que estou livre e passo no Kilamba ou no KK sinto que uma voz me chama para ir roubar de novo”, disse o adolescente.
A vontade com que ficam dentro das celas levou-nos a perguntá-los novamente por que se sentem daquela forma num lugar assim. “É normal kota, na segunda-feira, a mãe grande – a responsável do julgado de menores do município – já vai nos tirar”, o que acabou por acontecer, um cenário que demonstra que os pequenos normalizaram a vivência entre o escalar de prédios e celas.
Um aspecto comum caracteriza aranhas do Kilamba: apesar da tenra idade, todos admitem serem consumidores de bebidas alcoólicas e outros tipos de estupefacientes, que dizem ser necessário para dar coragem antes de escalarem os prédios. Aliás, Bad Nucho disse, por exemplo, que nas três ocasiões em que foi detido “a polícia me encontrou no bar com os meus amigos”.