O Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) vai contar com uma verba avaliada em mais de 1 mil milhões de kwanzas para o efeito, conforme consta no relatório do Executivo anexo ao Orçamento Geral do Estado (OGE) deste ano, a que o jornal OPAÍS teve acesso.
Para o presidente da Associação dos Juízes de Angola (AJA), Esmael Diogo da Silva, a desmaterialização dos processos nos tribunais é um caminho inevitável para modernizar e optimizar o sistema judiciário, sendo que já vamos muito atrasados e os desafios são enormes.
O juiz advertiu, em declarações a este jornal, que este processo requer investimento em estrutura, infra-estrutura e em recursos humanos, “aspectos em que os tribunais angolanos são extremamente carentes”.
Razão pela qual defende que qualquer iniciativa nesse sentido deve ser bem planeada para evitar a implementação de soluções paliativas que, em pouco tempo, careçam de novas adaptações e “remendos”.
No seu ponto de vista, precisa-se de compreender que a digitalização é um elemento essencial para a reforma do judiciário em Angola, na medida em que visa tornar os processos mais céleres e acessíveis, além de reduzir o congestionamento dos tribunais e melhorar a qualidade do atendimento ao público.
“É bom saber que há alguma preocupação nesse sentido. Todavia, precisamos dar passos concretos, estruturados, consequentes e mais rápidos para tornar isso realidade o mais breve possível”, frisou.
Esmael da Silva alerta que a dispersão dos serviços do tribunal em vários edifícios é um aspecto a ter em conta porque pode encarecer a instalação da infra-estrutura e comprometer a sua eficiência.
A título de exemplo, citou o caso do Tribunal de Comarca de Luanda, que tem salas e secções a funcionar em diversos lugares da cidade, designadamente, de Crimes no Palácio Dona Ana Joaquina, do Cível no edifício Teixeira Duarte e da Família no edifício da Região dos Quartéis.
Enquanto a do Laboral está no histórico bairro Alvalade, a do Comércio está na baixa da cidade, na emblemática rua Rainha Ginga, e a das Garantias no bairro Maculusso.
Além de tudo isso, possui ainda uma extensão dos serviços em Cacuaco. “Cada um desses locais precisa de uma infra-estrutura informática autônoma, o que se poderia evitar caso funcionassem num mesmo edifício ou existisse afinidade geográfica entre eles, como num campo de justiça, por exemplo”, frisou. Segundo o presidente da AJA, a utilização de tecnologias vai conferir maior celeridade e transparência à tramitação dos processos.
Pois, se por um lado vai criar condições para que actos processuais que hoje levam muito tempo para serem realizados passem a ocorrer de forma instantânea, como as citações e notificações, por outro, as partes podem acompanhar o andamento até a decisão judicial.
“Os advogados e os cidadãos poderão acessar e acompanhar os processos sem a necessidade de se deslocarem até o Tribunal. Vai reduzir também o uso de papel, o que diminuirá os custos da justiça e contribuirá para a preservação ambiental”, frisou.
Para justificar o seu ponto de vista, afirmou que constaram isso ao conhecer a realidade do Brasil e de Portugal, onde a desmaterialização dos processos já é uma realidade. “Podemos constatar que a digitalização dos processos e a utilização de tecnologia conferem maior celeridade à tramitação dos processos”, garantiu.
Processos tradicionais comprometem aspectos essenciais à justiça
De acordo com Esmael da Silva, os processos tradicionais, em papel, comprometem vários aspectos essenciais à justiça, como: a celeridade processual, a eficiência, o acesso à justiça e à transparência. Além disso, a ausência de digitalização exige espaço físico para manusear e armazenar os processos.
Para melhor ilustrar o que se passa, o juiz afirmou que quem visita um cartório de um tribunal, hoje, logo percebe as montanhas de processos sobre as mesas por falta de espaço para guardar.
Uma situação que só aumenta os riscos de perda de processos como dificulta a sua localização, bem como aumenta a probabilidade de ocorrência de erros humanos.
AJA defende que modernização ocorra das esquadras aos tribunais
O juiz Esmael da Silva defende que, se o que está em causa é um sistema integrado, não se pode dar atenção apenas num determinado sector, por entender que todas as partes devem ser consideradas e modernizadas para que um não prejudique o desempenho do outro.
“Portanto, digitalizar os processos desde as Esquadras da Polícia até o Tribunal torna o sistema mais coeso e eficiente”, garante. Para si, isso é fundamental para se alcançar melhores resultados, tendo em conta que há processos que começam em unidades de polícias e só depois de proferida a acusação é que passam para os tribunais.
“Se quisermos obter o melhor resultado numa corrida de estafeta, não adianta colocar dois atletas lentos no início e um veloz no fim, sempre que possível devemos selecionar três atletas velozes sob pena de um comprometer o trabalho dos outros”, exemplificou.
Por outro lado, afirmou que a formação do pessoal é um gargalo importante na estrutura atual, tendo em conta que este sistema não se compadece com funcionários que não tenham afinidade com tecnologia, que encontram dificuldade de ligar um computador, que não saibam ler e escrever ou que tenham dificuldades de interpretar realidades e contextos.
“É importante que os intervenientes do sistema compreendam como ele funciona e quais são os seus fins.” Portanto, a formação do pessoal é fundamental para o sucesso da implementação em um sistema digital, caso contrário, os funcionários podem se transformar no principal obstáculo”, ressaltou.
Quanto aos grandes ganhos que o processo de digitalização poderá trazer, principalmente aos processos que foram alvos de recurso, tendo em atenção a nova estrutura orgânica dos tribunais, a fonte reafirmou que serão inúmeros os benefícios.
“A digitalização dos processos nos tribunais vai trazer uma série de benefícios significativos, como a redução do tempo de tramitação, a facilidade no acesso à informação, reduzirá os custos na medida em que vai dispensar a impressão e retirar da equação o transporte físico de processos de um tribunal para outro”, detalhou.
Acrescentou de seguida que “é claro que tudo isso deve estar associado ao fator humano, bem formado desde o funcionário da Esquadra até o Magistrado Judicial que vai julgar os recursos”.