Éramos adolescentes. Inocentes com a vida e a realidade dos factos. Entretanto, a nós importava meramente o brincar, comer, assistir e dormir. Desse modo, enquanto os progenitores criavam estratégias para moldar nossas consciências conforme seus desejos, a vida prosseguia livremente qual um pássaro, voando à deriva do além.
Embora fôssemos crianças, não éramos imunes à depressão. Infelizmente, nós não percebemos isso. Pelas acções, a nossa tranquilidade era óbvia. A semana natalina estava muito próxima.
No dia 22 de Dezembro de 2006, pelas 18h, na rua que dava acesso às nossas casas, juntamo-nos para uma conversa descontraída, viajando nas várias histórias; mormente de um presumível fim do mundo.
Contudo, os adolescentes, quando conversam, os assuntos nunca terminam. Minutos depois, cada um foi se retirando. Nessa fase, não muito diferente dos dias actuais, as casas ficavam todas pintadas avermelhadas, num tom verdejante e branquinho; as luzes reluziam em grande estilo nas ruas e dentro de quintas. E nas cozinhas? Nestes lugares, exalavam-se aromas de carne, bolos, gasosas e finos, para os adultos.
Há quem punha jogos de luzes nas árvores frutíferas, sobretudo em casas que haviam mangueiras. Estávamos todos conscientes de que isso se fazia sentir em todos os lares do bairro. Pela limitação do saber da situação, nem tivemos noção do facto que na casa do Mendes não havia este cenário Natalino. Ele era tímido. Não gostava de comunicar.
Quase não falava e nem opinava, frequentemente. Fugia levar-nos a casa dele. Miúdo de 16 anos, porém sofria bastante por dentro. Nos dias próximos ao natal, levavamnos às compras.
Habitualmente, o natal para nós começava antes do dia 25 de Dezembro. Em seguida, um dia antes do próprio aniversário de Cristo, decidimos procurarnos, já que nas noites de 24 de Dezembro, ninguém devia dormir.
Afinal, os pais já sabiam da notícia cuja informação dava conta do falecimento de um membro nosso. Eles queriam esconder-nos. Ao aproximar-nos a casa do Mendes, ora estava muito cheio, as lâmpadas não eram comuns, a música, pior ainda, o cenário era pouco acolhedor e, sobremaneira, denunciava, pois tinha mais adultos do que jovens.
Aproximando-nos mais uns metros, os nossos tímpanos foram invadidos por gritos que ecoavam as seguintes palavras: “Eras muito criança para tirar a própria vida.”
Ao tentar entrar, um senhor reconheceu-nos e pediu-nos que voltássemos. Saíamos sem entender nada, mas com a certeza de que o Mendes jamais um dia estaria connosco.
Aquele natal foi negro, terrível e amaldiçoado. Ninguém ousou usar roupas novas, compradas com finalidade de comemorar o nascimento de Jesus Cristo. Não fomos permitidos assistir ao funeral, que estava marcado para 26 de Dezembro, às 10h, no Cemitério do Nambambi.
Ficamos inquietos, porquanto não sabíamos o que esteve na base de um neófito tirar a própria vida numa fase em que os momentos pareciam estar óptimos. Na sentada, como a casa dele ficava mais próxima da minha, decidi ir. Insistentemente, mandei lixar os adultos.
O cenário compunha mais senhores de idade do que crianças ou adolescentes. Eles, com barbas esbranquiçadas quão fossem o pai natal a marcar presença no óbito do nosso amigo, balbuciavam.
Em alguns, os risos eram evidentes, noutros, concomitantemente, a morte sentenciou o prazer de continuar a viver e sonhar. A seguir, um idoso levantou-se, começando a dizer: — Saudações a todos.
Sou o avô do menino Mendes. Na verdade, todos estão curiosos em relação às razões por trás do suicídio do filho. No entanto, ele, antes de fazer isso, naquela noite, deixou algo escrito, declarando: “mãe e pai, eu queria ter o que os meus amigos têm, mas vocês não podem me dar. O Gabriel, por exemplo, dizia-me que a mãe dele tinha lhe dado muitos presentes.
O Alberto e os pais sempre iam com ele às compras, na praça do Tchioco. O Carlos tinha uma bicicleta oferecida pelo pai nestas festas. Nos encontros, era o único que nunca mostrava nada de valor, senão o silêncio.
Nesta semana, ao ir procurá-los, percebi a alegria espalhada entre as luzes montadas em seus lares, mas, quando voltava para minha casa, tudo era escuridão, solidão e tristeza. Isso me deixava abatido, até não querer passar vergonha se um dia eles quisessem me procurar e notar que era miserável. Menti-os sobre as condições que não há cá em casa.
Nesse momento, se eles estiverem aí, saibam que foram os meus melhores amigos. Continuem sendo quem são, feliz natal.” A seguir essas palavras, todos se viraram a mim, murmurando não sei o porquê, talvez por ser o único amigo a marcar presença.
Rapidamente, mal tinham terminado de ler a carta, saí às pressas, fui contar aos outros tudo presenciado por mim. Ficamos, no entanto, comovidos e ressentidos.
Daquela data em diante, em ambientes comuns, nunca mais fazíamos comentários de nada sobre o natal por nunca sabermos se quem entre nós tem as mesmas condições de vida que a nossa.
Por: GABRIEL TOMÁS CHINANGA