Os familiares de Roxanna Isabel Soares Pestana, morta no dia 25 de setembro de 2021, de acordo com o Tribunal de Comarca do Lubango, pelo marido, Walter Ribeiro Raposeiro, levantam suspeitas de existir alguma corrupção no seio dos órgãos que administram a justiça no país, particularmente o Tribunal Supremo, ao qual se atribui a ordem de colocação em liberdade do acusado.
A este jornal, os familiares da vítima, nomeadamente Gerson Pestana e Sónia Mendonça, revelaram que as suas suspeitas firmam- se pelo facto de o mesmo Tribunal Superior, por via da 4.ª Secção da Câmara Criminal, ter publicado um acórdão que mantém a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância.
Gerson Pestana, irmão de Roxanna Pestana, disse que no dia 12 de setembro do ano em curso, a sua família sentiu-se aliviada, quando recebeu o despacho do Tribunal Supremo em que mantém a decisão proferida pelo Tribunal de Comarca do Lubango, mas tal alívio não durou por muito tempo, pelo facto de o mesmo Tribunal Supremo ter supostamente envia- do uma mensagem em que ordena a liberdade de Walter Ribeiro Raposeiro.
“Na realidade, ficamos muito felizes quando, a 12 de setembro, o Tribunal Supremo manteve a condenação dos 26 anos, ficamos contentes apesar de que isso não vai trazer de volta a nossa irmã, mas sentimos que a justiça foi feita.
Mas no passado dia 10 de Dezembro de 2024, quando recebemos a notícia de que o Tribunal Supremo mandou libertar o assassino, ficamos muito preocupados e levantamos aqui questões que são susceptíveis a muitas interpretações: o TS tem duas palavras? O TS tem duas Câmaras?
Quem avaliou a primeira? Quem fez a segunda avaliação? Por que mandaram soltar? São es- tas questões que ficam e nos preocupam, porque estamos a falar de uma instituição de soberania nacional, é o que nos deixa descontentes e muito preocupados com a justiça deste país”, desabafou.
Entre as dúvidas sobre a autenticidade desta mensagem endereça- da ao Tribunal de Comarca do Lubango e possibilidade de existência de actos de corrupção, Gerson Pestana solicita que haja um esclarecimento da parte das autoridades competentes.
“Queremos um esclarecimento, queremos que alguém venha da parte do Tribunal Supremo explicar por que primeiro, a 12 de setembro deste ano, mantiveram a condenação e agora, dia 10 de Dezembro, eles dizem que tem que ser solto imediatamente”, disse.
Por sua vez, Sónia Mendonça, outra irmã de Roxanna Isabel Soares Pestana, afirma que não é possível que haja duas decisões contrárias uma da outra, de uma instituição idónea como é o caso do Tribunal Supremo, por isso, questiona quem estará por detrás de tais decisões, apontando para a possibilidade de existência de tráfico de influências.
“Como é possível um Tribunal Supremo deixar-se corromper a esse ponto? Dia 12 sai um acórdão a concordar com alguns pontos da sentença que foi dada de 26 anos e logo a seguir sai um mandado a pôr o assassino em liberdade, como é possível isso? Não entra na minha cabeça! Quem foi que fez isso, corruptos? Quem foi? Só não entra na minha cabeça como é que um Tribunal Supremo pode ter corrupção a este nível, como é possível?”, questionou.
Sobre o acórdão do TS de 12 de Setembro
Depois de Walter Ribeiro Raposeiro ter sido condenado numa pena de 26 anos de prisão, os seus advogados de defesa interpuseram um recurso com efeito suspensivo ao Tribunal da Relação do Lubango, este, porém, manteve a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, mantendo desta forma a execução da sentença condenatória.
Insatisfeitos, os advogados de defesa, nomeadamente André de Jesus e Jacinto Sakandjuele, recorreram desta decisão ao Tribunal Supremo, no pro- cesso que ficou registado na Câmara Criminal deste Tribunal com o N° 6276/24.
O Tribunal Supremo, por sua vez, validou igualmente a decisão do Tribunal da Relação do Lubango, num acórdão chegado à nossa redacção, que mantém contra Walter Ribeiro Raposeiro, a condenação de 26 anos de prisão pela morte da própria esposa e outros crimes.
“O douto Tribunal a quo (Tribunal da Relação), assim como o tribunal da Comarca do Lubango, ao longo da motivação da matéria de facto, para além de fazerem uma breve descrição dos vários depoimentos, explicam, de forma racional e lógica, os motivos pelos quais valoraram uns em detrimento de outros, com especial enfoque para os do arguido.
Os Tribunais elencaram ainda outras provas que valoraram e enunciaram os critérios legais para tal valoração. Não era exigível o Tribunal a quo fazer mais do que aquilo que resulta da motivação, sendo a mesma racional, lógica e assertiva, cumprindo cabalmente o que resulta da lei”, lê-se no acórdão.
O mesmo documento continua dizendo que a decisão sobre a matéria de facto fica suficientemente motivada com a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de se exprimir o teor das declarações e dos depoimentos, bem como a razão crítica do Tribunal para os aceitar e preterir em detrimento de eventuais provas divergentes.
“Como referimos supra, o que se pretende com a exigência de fundamentação é persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão, o que, no caso dos autos, manifestamente aconteceu, inexistindo por isso qualquer ilegalidade. Também em termos de fundamentação do direito, a decisão em crise está fundamentada dentro destes princípios, pelo que, também concreto, não assiste razão ao recorrente.
Pelo exposto, os juízes Conselheiros que constituem esta Câmara Criminal acordam em: negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam a decisão recorrida, com excepção da aplicação da Lei n.º 35/22 de 23 de dezembro, Lei de amnistia”, acordaram os juízes.
Suposta mensagem do TS gera suspeição
A suposta mensagem do Tribunal Supremo, com carácter de cumprimento urgente, tem como proveniência a Secretária Judicial da Sala Criminal do Tribunal Supremo, e é dirigida ao Juiz de Direito da Sala Criminal Segunda Secção do Tribunal da Comarca do Lubango, supostamente por ordem do Venerando Juiz Conselheiro Relator, João Pedro Kinkani Fuantoni.
Na mensagem datada de 10 de Dezembro do ano em curso, este Juiz Conselheiro Relator manda que se ponha imediatamente em liberdade o arguido Walter Ribeiro Raposeiro, para que este aguarde ulteriores termos do processo em Liberdade.
“Por haver nos presentes autos, causa de extinção da medida de coação, em consequência, fica imposto ao arguido, por força do Código de Processo Penal, as seguintes medidas de coação para que aguarde ulteriores termos do processo em liberdade: 1-Interdição de saída do país; 2-Apresentação periódica às autoridades, devendo apresentar-se mensalmente às 8 horas e 15 minutos ao Cartório do Tribunal da Comarca do Lubango, a partir da data da notificação do presente despacho”, lê-se na mensagem.
A nossa equipa de reportagem contactou o porta-voz do Tribunal Supremo, via telefónica, para conferir a autenticidade da referida mensagem, porém, sem o sucesso esperado. Entretanto, uma fonte deste jornal, junto do Tribunal da Comarca do Lubango, informou que o mesmo despacho ainda não foi executado, apesar do seu carácter de cumprimento urgente, o que preocupa a defesa de Walter Ribeiro Raposeiro.
Despacho do TS resulta de um recurso ao TC
Um dos advogados de defesa de Walter Ribeiro Raposeiro, André de Jesus, minimiza as suspeitas levantadas pela família sobre a possibilidade de haver atos de corrupção no processo, tendo dito que, do ponto de vista legal, não há a possibilidade de haver tais práticas.
De acordo com o causídico, a decisão da primeira instância não transitou em julgado, tem os efeitos suspensivos de que se revestem os recursos interpostos pela defesa, depois da publicação da sentença pelo Tribunal de primeira instância.
“Como sabem, o processo do Walter Raposeiro é complexo, como é sabido, ele foi sim condenado em primeira instância, mas nós, na qualidade de advogados de defesa, recorremos da decisão, recorremos para a Relação, mas ela validou a pretensão de conde- nação da primeira instância, mas mesmo assim, nós recorremos para o supremo”, disse.
André de Jesus disse que o Tribunal Supremo manteve igualmente a decisão do Tribunal da Relação do Lubango, por isso, afirmou, foi interposto um recurso de Habeas Corpus junto do Tribunal Constitucional, que pode estar na base da mensagem que manda pôr em liberdade o seu constituinte.
“Depois de não termos uma resposta satisfatória do Tribunal da Relação que validou a condenação do Walter, nós recorremos para o Supremo, são recursos que nós fomos fazendo com efeitos suspensivos, significando que a condenação da primeira instância, nunca transitou em julgado, o arguido Walter Raposeiro continua em prisão preventiva, porque a condenação da primeira instância validada pelo Tribunal da Relação, depois recorremos ao Supremo e em Setembro deste ano este Tribunal validou também a condenação, mesmo assim, ele continua em prisão preventiva porque nós recorremos para o Tribunal Constitucional com o mesmo efeito, quer dizer que a cadeia recursal não terminou, e nós fomos sempre recorrendo com efeito suspensivo”, revelou. O nosso interlocutor informou ainda que o seu constituinte encontra-se em excesso de prisão preventiva, tendo em conta os recursos interpostos.
Questionado sobre a razão de a mensagem que ordena a liberdade de Walter Raposeiro não ter vindo do Tribunal Constitucional, André de Jesus respondeu que o Tribunal Supremo terá respondido ao pedido de Habeas Corpus.
“Enquanto o processo esteve no Tribunal Supremo, nós usamos outros mecanismos para salvaguardar a situação de excesso de prisão preventiva, o que viola a própria Constituição, entramos com uma alteração da medida de coação e entramos também com um Habeas Corpus, é por via disso que o TS, cônscio do excesso de prisão preventiva, entendeu emitir este despacho para que o arguido estivesse em casa e em liberdade, aguardando os procedimentos posteriores, é por via disso que o TS tomou este posicionamento, que agora ouvimos que é falso, mas como é que um despacho proveniente do TS é falso?
Não foram os advogados de defesa que receberam o despacho, estes foram notificados pelo Tribunal Supremo de que deve- riam dirigir-se ao Gabinete do Juiz de Direito Presidente do Tribunal da Comarca do Lubango, estava a descer um despacho para a liberdade do arguido Walter, foi isso que fizemos”, detalhou.
O causídico confirmou que, apesar deste despacho, o seu constituinte continua preso, porque, segundo disse, o juiz da causa não anuiu ao despacho. “O nosso constituinte não está em liberdade, porque infelizmente o juiz da causa não anuiu a essa orientação superior.
A nós não deve preocupar, mas ao Tribunal, porque não é normal um juiz de direito não anuir a um despacho proveniente de um Tribunal Superior. A nós só resta aguardar que o Tribunal que emitiu este despacho se pronuncie, apresente um outro manifesto para que o arguido efectivamente esteja em liberdade”, assegurou.
POR:João Katombela, na Huíla