“você que tem SIDA , T B , ferida crónica, sonhos negativos, homem e mulheres da noite, desemprego, não consegue alcançar, vem neste domingo e receba a tua cura, em nome de Jesus”, este é o apelo publicado na página do facebook de Manuel Eloim, servo do Profeta David Adão, da Igreja Trono da Graça, em Luanda.
Este apelo foi feito em 12 de Novembro do corrente ano, para uma actividade intitulada “os céus abertos”, que aconteceu no dia 17 do mesmo mês, na referida igreja, localizada no São Paulo.
O jornal OPAÍS tentou o contacto com o Profeta David Adão, para mais esclarecimentos sobre estas curas, mas sem sucesso. São estes apelos de pastores e curandeiros que têm vindo a tirar o sono de todos aqueles que trabalham na luta contra o SIDA.
De acordo com o Relatório de Índice de Estigma e Discriminação em PVVIH, 1016 pessoas, nas seis províncias onde foi feito o estudo (Benguela, Luanda, Huambo, Lunda Sul, Huila, Cuanza-Norte), terão sido influenciadas por práticas contrárias às políticas de VIH pelas comunidades religiosas, e 121 pessoas consultaram o curandeiro.
Algumas práticas contrárias às políticas relativas ao VIH prevalecem nas organizações religiosas. 9% de todos os participantes referiram que receberam informação de que o VIH poderia ser “curado” com orações religiosas, e 2% de todos os participantes do estudo já foram submetidos a tratamento de cura espiritual do VIH num centro religioso, e quase todos estes participantes notaram que tiveram de parar de to- mar antirretrovirais durante este período.
A consulta com um curandeiro tradicional esteve fortemente associada ao esquecimento de doses de TARV (Tratamento Antirretrovirais), à interrupção do tratamento e ao aumento das complicações de saúde. 10% de todos os participantes do estudo alguma vez recorreram a um curandeiro (quimbanda) para intervenção relativamente ao seu estado de VIH.
“Tivemos, inclusive, um professor que morreu acreditando na cura de um curandeiro” O depósito da crença na cura da SIDA aos curandeiros é predomi- nante na província do Huambo, com 20% (39) dos entrevistados registados no estudo assumindo terem consultado o curandeiro.
O número é preocupante, segundo a activista Rosa João Maria, que trabalha nesta província e teve contacto com as PVVIH. Mais do que acreditarem na cura, os que são consumidos por esta “cegueira” – como disse Rosa Maria – buscam influenciar as outras pessoas a seguirem o mesmo caminho.
Não são apenas os leigos na matéria, “tivemos, inclusive, um professor que perdeu a vida acreditando nesta cura”, disse. A história do professor, que entristece a equipa que trabalha com PVVIH no Huambo, começou sem que ninguém se apercebesse, aliás, só foi depois da sua morte que a família do professor ficou a saber que este tinha testado positivo e abandonado o TARV.
“Ele estava a nos dar muito trabalho”, disse Rosa. Apesar de vá- rias vezes terem falado com ele, com os médicos que lhe acompanhavam, este aceitava fazer as consultas, as análises, mas de- pois de estar fora da unidade hospitalar recorria aos curandeiros. Pelo facto de a família não saber o que se passava, no dia do seu enterro, o óbito foi um caos, quase que as famílias lutavam.
Culpabilizavam um tio pela morte. A equipa que o acompanhava teve depois de intervir e explicar que o professor morreu porque tinha SIDA e não cumpria o tratamento. Quando revistaram as coisas dele, encontraram todos os frascos de medicamentos que recebia do hospital. “Caiu numa falência terapêutica”, disse.
A esperança depositada na mistura de alho, aloé vera e mel
A vergonha consome as PVVIH que acreditam nestas curas que chegam a não querer mais encarar a activista rosa Maria, por medo de receberem um sermão. A pessoa chega a sentir que está melhor, abandona o tratamento convencional e, depois, é surpreendido com uma recaída que pode inclusive levá-lo à morte.
A situação é deveras preocupante, que rosa nos confessou ter ganhado a coragem de frequentar a casa do curandeiro, fazendo-se passar por paciente, para entender o que as PVVIH recebem ou o que lhes é falado para acreditarem na “tal cura”. É no município do ucuma.
“Eu vi como ele faz as coisas, o senhor tem todas as condições, faz testes e prepara lá os seus medicamentos. ele se baseava no livro do Dr. Viva, aquele de capa azul. Comecei a fazer algumas perguntas e ele parece que deu conta de que não tinha ido à procura dos seus serviços.
Fiquei a saber que usa uma mistura de alho, xandala (aloé vera) e mel”, conta. esta mistura era dividida em garrafas, todas sinaliza- das, como 1.ª, 2.ª, 3.ª doses, e por aí em diante. Esse curandeiro tem casa no ucuma, tem casa no tchingenji, na Caala, e no bairro benfica, na cidade do Huambo. Houve uma altura em que fez os tais trabalhos, recebeu uma doente numa dessas casas, e esta acabou por falecer. “A polícia recolheu o cidadão à cadeia. Só não sei se permanece preso”, sustenta.
“Isto é um crime por omissão e por comissão”
Duas notas essenciais foram levantadas pelo jurista André Mingas, antes de ir ao cerne da nossa questão, sendo a primeira a questão da transmissão dolosa, que ressaltou a existência de uma punição nos termos do Código Penal, e a segunda tem que ver com o aspecto de saúde pública e segurança.
Assim, o fato de determinados grupos de pastores e curandeiros levarem as pessoas a crer que existem outras formas de cura desta doença, quando existe um tratamento formal e formalizado – que é aquele que as instituições do estado, e não só, conseguem fazê-lo – é necessário chamar aqui o elemento que é o crime por omissão e por comissão.
“É crime por omissão quando? Quando a família, os próprios pastores, sabem que é uma doença que degenera, mas, no entanto, omitem aquilo que é a doença. A omissão vem também na perspectiva de que eles sabem que a pessoa deve cumprir um rigoroso tratamento, mas, no entanto, querem expor a pessoa a um outro tratamento que não é reconhecido pelo estado ou pelas organizações internacionais que regulam a for- ma de tratamento desse tipo de doença”, explica.
Já no crime por comissão, o jurista explica que quem comete é o próprio doente, paciente, sabendo que já recebeu uma instrução por meio dos órgãos de direito que cuidam dessas questões, e vai fazendo, aceita aquela condição (do curandeiro e pastor), pelo que aqui há uma conivência. o pastor, num momento, vai persuadir a pessoa a aceitar que, no entanto, por meio de uma sessão de oração ou de exorcismo, ou, como dizem nas igrejas neopentecostais, que se faça, então, um processo de libertação.
“Nesse caso, o pastor acaba cometendo um crime, se torna o autor moral, onde acaba, então, contribuindo directamente para essa conduta criminal. André Mingas diz ainda que aí há uma dualidade, tanto do próprio pastor, como do próprio paciente, ou das pessoas da família e até os outros membros da igreja, que sabem da condição daquela pessoa e acabam não se posicionando, mas corroborando com aquela dinâmica. o mesmo acontece com os curandeiros.
Curandeiro aliciava pessoas no próprio centro de tratamento
A entrevistada contou-nos um episódio de um curandeiro, num centro de tratamento, que teve de ser escorraçado porque tinha pela mania infiltrar-se no grupo para “recrutar” pessoas para as suas alegadas curas e influenciá-las a deixar o TARV. Estava a ser monitorado e, no seu terceiro dia de “recrutamento”, foi surpreendido por uma equipa do centro, que ameaçou chamar a polícia caso voltasse ao local fazer o que estava ali a fazer (a incentivar o abandono ao tratamento).
“temos aconselhado as pessoas que se encontram nesta condição, de VIH positivo, que até agora a organização Mundial de Saúde não tem outro método para tratar o VIH, senão os anti-retrovirais. A doença não tem cura, mas tem tratamento. Por isso, é importante ser disciplinado e não parar com o tratamento”, aconselha. As pessoas têm que saber, acrescentou rosa, que os pastores e curandeiros que dizem que curam, “Deus cura, sim, senhor.
Mas a bíblia diz que sem fé é impossível agradar a Deus. então, qual é a fé para essas pessoas que vivem com VIH? É ir ao centro, buscar o medicamento, fazer a consulta e tomar. esta é a fé que as pessoas têm que ter”, sublinha. A falta de informação tem sido uma das razões que leva à desistência do tratamento, por isso, a entrevistada aconselha ainda que se procure os grupos, e na cidade do Huambo tem o GAM (Grupo de Ajuda Mútua), onde podem falar mais sobre a doença. Aqui as pessoas desabafam, conversam e adquirem mais conhecimento sobre a doença.