Partindo do princípio de que intelectuais estadunidenses recorreram às ocorrências de 1929 para evitarem maiores prejuízos que, eventualmente, a crise de 2007 causaria e valorizando o conselho dado por Confúcio, filósofo chinês, segundo o qual a experiência é uma das três formas de aprender, voltamos com nova reflexão não apenas por a crise política por que vive Moçambique nos chamar atenção, também por sentirmos necessidade de relacionarmos Moçambique de hoje com Moçambique de pouco tempodepois da independência, no intuito de extrairmos algum juízo de valor.
Como se sabe, este país viveu sob o regime colonial de Portugal até ao dia 25 de Junho de 1975. A independência dos países africanos, de forma geral, e a de Moçambique, de forma especial, resultou, até certo ponto, no manifesto descontente que alguns movimentos anti-coloniais apresentaram face à situação opressora pela qual o povo passava, tendo a sua incipiência com o surgimento da Frelimo, formada em 1962, naTanzânia, através da agregação de três movimentos de luta anticolonial já existentes – a Unamo (União Africana de Moçambique), a Manu (Mozambique African Nation Union) e a Udenamo (União Democrática Nacional de Moçambique.
Conforme Paredes, a Frelimo, dirigida por Samora Machel (Primeiro presidente de Moçambique), com um carácter nacionalista amplo e contando com apoio internacional dos seus vizinhos ao norte do país (Malawi, Zâmbia, Rodésia do Sul/Zimbábwe e Tanzânia) e da antiga União Soviética, constituiu o primeiro e único movimento oficial que levou o país à independência.
Apesar de a esperada independência ser conquistada, o académico Nogueira Pinto aponta que o estilo de governação de Samora Machel enquanto líder do partido fundado em 1962 (A princípio como um simples movimento anti-colonial e, finalmente, em 1977 como um partido) e da nação fundada em 1975 não havia correspondido as expectativas de alguns moçambicanos, especialmente André Matsangaissa e maior parte da população rural e régulos.
Em 2003, a Universidade Eduardo Mondlane emitiu um relatório que nos fez saber que o sentimento de insatisfação era assumido em carácter étnicoregional, através de maior acesso de recursos económicos, centralizados no Estado moçambicano, e no poder da elite do Sul, o que terá sido um dos “factores propiciadores do conflito violento em Moçambique”.
De forma estratégica, Matsangaissa organizou o grupo de descontentes, com vista a fazer frente ao governo da Frelimo. Com forte apoio da Rodésia e dos sul-africanos, este grupo que mais tarde ganharia o nome de Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) formou-se e teve armamentos mais ou menos suficientes para combater com o governo moçambicano.
Todavia, as grandes manifestações da guerra civil em Moçambique começaram quando Matsangaissa foi colocado na prisão, acusado de ter roubado um motor, acusações negadas por Afonso Dhlikama.
A prisão de Matsangaissa permitiu aos seus apoiantes criarem estratégias não só para retirarem-no da prisão, mas também para organizarem um grupo disposto a combater contra as políticas da Frelimo.
Diante disso, fique claro que a revolta de muitos moçambicanos, na tentativa de: a) tomada de controlo do país; b) mudança da política governativa e c) combate às supostas injustiças, se desencadeou numa guerra totalmente devastadora, deixando estimativamente um milhão de mortos e cinco milhões de deslocados, como assevera Luís de Brito.
Buscada a história recente de Moçambique, resta-nos a extracção de juízo de valores, partindo da seguinte pergunta: Que lições este passado oferece aos moçambicanos com vista a ultrapassarem a crise que enfrentam? Na verdade, a pergunta de partida carece, de um lado, de uma resposta neste artigo e, de outro lado, de uma reflexão, a fim de que a verdadeira resposta seja encontrada no íntimo de qualquer cidadão moçambicano, através de acções patrióticas capazes de elevarem Moçambique num patamar de desenvolvimento alto, nas mais diversas esferas.
Tal como dissemos no parágrafo anterior, a verdadeira resposta da nossa pergunta de reflexão deve ser encontrada nas acções patrióticas do povo moçambicano, quer por aqueles que se revêem na Frelimo, quer por aqueles que se revêem em Venâncio Mondlane, o político logoteta, conforme o designamos no artigo anterior. Porém, como, do outro lado, temos alguma resposta que precisamos dar, estruturamo-la a partir de três lições: 1.
Não se espera paz, silenciando quem tem povo: acompanhando com atenção os pronunciamentos de Venâncio, facilmente se percebe que este usa a interjeição vocativa “Meu povo!” para se dirigir aos seus apoiantes, e estes apoiantes, com algum orgulho, assumem a posição de povo de V. Mondlane.
Se isto não for suficiente para reconhecer que V. Mondlane tem povo, então, que nos digam as constantes manifestações. Moçambique precisa perceber que a guerra civil tomou remate, quando se tentou silenciar Matsangaissa, prendendo-o.
Isso causou grande revolta; 2. Não se subestima a força de um povo: admito por hipótese que se o Governo Moçambicano tivesse em consideração a força que tinham os apoiantes da Renamo na construção e destruição de Moçambique, talvez muitas coisas más fossem evitadas.
A própria história da humanidade está repleta de lideranças que não tiveram bom fim por desdenharam a força de um povo.
Quem não se lembra do fim de Nero, no Império Romano? 3. Se não for com paz que se derruba uma ditadura, certamente, não será com guerra: esta lição levou-me a uma frase atribuída ao ex-presidente Robert Mugabe, segundo a qual somente pousando mosca nos nossos testículos é que saberemos que a agressão não se torna o melhor caminho.
Oobjectivo desta lição não é acusar alguma governação como ditatorial, mas convidar todos defensores de uma revolta agressiva a repensarem nas suas posições.
No pressuposto teórico deste artigo, apresentamos, em forma de alíneas, três tentativas que levaram à guerra o povo moçambicano.
Infelizmente, a guerra, mais que melhorar as condições de Moçambique, piorou-a, além de atrasar o desenvolvimento do País. Estas lições levaram-nos a uma segunda pergunta: Como desviar uma crise política pós-eleitoral num país democrático como Moçambique? Diferente de Gene Charp, não trouxemos nas respostas desta pergunta uma estratégia para derrubar uma ditadura, muito menos estratégia de Maquiavel para manutenção de poder e manipulação de um povo oprimido, mas pistas capazes de despertarem uma atitude pacifista e levarem filhos genuínos da mesma pátria a viverem como irmãos, para o bem da Nação, caso não queiram morrer como inimigos, prejudicando o crescimento da Pátria que dizem amar.
Assim sendo, para que se evite mais danos, fruto da crise política que vive Moçambique, é necessário: 1. Um encontro entre as partes, com vista a negociarem o rumo a ser tomado em Moçambique; 2.
Coragem suficiente da parte do Governo para, no caso da victória de Venâncio, assumir e reconhecer isso e estar disposto a a) ceder o poder pacificamente; b) declinar-se, gradualmente, de possíveis negócios que não abonam para o desenvolvimento do país e c) contribuir com o que podem para o desenvolvimento de Moçambique.
No caso de victória, que tenham em atenção as principais preocupações dos manifestantes; 3. Maturidade suficiente da parte de Venâncio e seus apoiantes para que, no caso de victória, sejam capazes de a) reconhecerem todos como filhos moçambicanos; b) optarem por um governo de inclusão, sem reservas, cartão partidário ou preferências; c) considerar as experiências da Frelimo como um ponto forte a ser valorizado (afinal, nem tudo foi errado, até das coisas “erradas” também devem aprender) e d) encontrar meio termo nos possíveis contratos da Frelimo com multinacionais em nome do país, reduzindo maior prejuízo entre as partes. E, nocaso de derrota, aceitarem de cabeça erguida.
Estas necessidades partem do reconhecimento de que ninguém é tão forte que não tenha nada para perder, nem tão fraco que não tenha nada para ganhar.
A ideia de valorizar apenas membros e simpatizantes de um partido político muitas vezes cega determinados líderes políticos, no sentido de não conseguirem enxergar o potencial de grandes filhos da terra que não fazem parte de seus partidos.
Não cremos na existência de uma guerra civil em Moçambique, muito pelo contrário, cremos que se Moçambique continuar com este ritmo não será preciso haver uma guerra fria para o seu prejuízo. Isso é uma guerra, mesmo não sendo guerra fria.
Aceitemos ou não: nem a Frelimo, nem a Renamo, muito menos os moçambicanos no geral ganharam alguma coisa com a Guerra Fria. Aliás, comparadamente, lê-se, em Terra Sonâmbula de Mia Couto o conceito interessante sobre a guerra “[…] é como a cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder”.
Portanto, em vez de a situação moçambicana desencadear-se ainda mais em situações desagradáveis, todos os líderes moçambicanos precisam estar dispostos a perderem algumas coisas para que ganhem outras, principalmente para que a pátria ganhe.
O preço das consequências dos estragos da revolução é muito mais caro em relação ao preço das negociações pela paz.
Por: DOMINGOS TCHITOCOTA SATIVA