É comum nas sociedades africanas, principalmente, apontar-se o dedo aos governantes, acusando-os sobremaneira de serem autênticos ladrões e de se abocanharem daquilo que é suposto ser público. Sempre que alguém vence uma eleição ou é nomeado para um cargo público, poucos são os que acreditam que estes venham a exercer as suas funções com alguma lisura.
Na verdade, sempre que existem algumas novas indicações, é uma questão de tempo para que o nomeado e seus parentes directos – ou até mesmo indirectos – comecem a exibir os primeiros sinais exteriores de riqueza, o que faz com que do lado da sociedade muitos especulem sobre a origem dos mesmos, uma vez que os salários e subsídios não chegam para alimentar tais desvarios.
É nos fundos públicos onde muitos se aliviam para atingir tais desideratos. Só por isso se compreende que entre nós, durante anos, quando alguém fosse indicado para uma função pública, que pudesse ser entendido como uma missão e existisse entre os seus uma autêntica festança, porque, afinal, tinha chegado a sua hora também. Mas, por ironia do destino, não se trata somente de um ‘modus vivendi‘ que pode ser apontado exclusivamente aos governantes.
A nível dos governados, por incrível que pareça, o mesmo grupo que espera dos superiores uma postura de transparência e respeito por aquilo que é público, aumentam cada vez mais as denúncias e até mesmo evidências de que não se consegue respeitar o que é alheio, incluindo os recursos e meios das empresas em que labutam.
A velha lógica de que o cabrito come onde está amarrado vai se enraizando de forma assustadora. Desde as empregadas de limpeza que em muitos locais ali- viam os bens das residências que cuidam, os funcionários públicos que prejudicam o Estado com expedientes cavilosos para ludibriar as contas públicas e até os motoristas e outros técnicos que, cada um do seu jeito, buscam sempre algo para acrescer ao salário que recebem.
Um relatório chocante foi tornado público esta semana. Mais de 50 por cento das receitas das empresas que prestam serviço público de transporte acabam nas mãos de motoristas e cobradores. Ou seja, diariamente, as empresas dividem tudo o que é arrecada- do com os próprios funcionários, ficando ainda assim obrigadas a pagarem no final do mês os respectivos salários e subsídios.
A constatação vem da própria Associação de Transportes Colectivos e Urbanos de Angola que, através do seu presidente, Carlos Carneiro, apresenta estes números sombrios, que demonstram claramente os prejuízos provocados pelos próprios funcionários, muitos dos quais acabam por liderar greves para exigirem melhores condições de trabalho que eles próprios coarctam devido aos furtos constantes que protagonizam.
Há muito que se vai normalizando este tipo de prejuízo, muito por conta da própria sociedade. Não é normal, nem pode ser, uma sociedade em que aquele que dirige uma instituição e não prejudique seja visto como anormal.
Em Angola, por incrível que pareça, tem sido assim durante as últimas décadas. O bom funcionário é, para muitos, um mau exemplo, porque se acredita piamente que o ideal é locupletar-se onde quer que se esteja. Não importa se como empregada doméstica, taxista, funcionário público, gestor de uma peque- na ou grande unidade empresarial.