Entre diagnósticos, dificuldades financeiras e débil assistência médica e medicamentosa, a família Baptista, mesmo com parcos recursos, resiste em busca de uma vida digna para os filhos aflitos de dor e preconceito. Cacuaco.
É neste município de Luanda, propriamente no bairro Boa Esperança, onde vive a família de Lino Baptista. Uma família composta por nove pessoas, onde sete são filhos, sendo que três enfrentam a luta contra uma possível neurofibromatose.
Num bairro em que a escuridão faz morada, a casa é pequena e com apenas cinco metros de largura e dois de comprimento. Sim, com poucas condições, mas o amor, a união e, sobretudo, o desejo de verem os filhos melhor é grande.
Que só restou aos pais esforçar a esperança que em muitos momentos se perde nas dificuldades que parece não terem fim. Naquela noite de reportagem na Boa Esperança, o relógio já marcava 20:00, mas aquela família ainda não tinha feito a terceira refeição do dia, o tão esperado jantar. Aliás, não tinham o que comer.
A mãe, Severina Tchilimbo, com semblante triste e voz rouca, conta as dificuldades de criar sete filhos em meio à precariedade e ao desafio de cuidar de três crianças que desenvolveram tumores faciais dolorosos e desfigurantes.
“Eles dizem para eu esperar, ter calma e paciência”, com estas palavras, diz, regressa para casa depois de um dia inteiro no Hospital Josina Machel. “Mas como ter paciência se a cada dia a dor e o desconforto aumentam”, desabafa a mãe dos pequeninos que deixou escapar uma lágrima no canto do olho.
Os filhos do casal, afectados pela doença, Hilário Baptista de 14 anos, Zeferino Baptista de 11 e Luísa Baptista de nove anos, recolhidos à escuridão para a reportagem, no olhar expressavam tristeza, cansaço e desconfiança. Mas, sempre atentos ao relato da mãe que dizia que os filhos nasceram saudáveis, porém, a partir dos cinco anos de idade começaram a apresentar as deformações.
É nessa tenra idade que os meninos começam ver sua vida mudar. Desde a aparência e noites em claro. Gradualmente, as partes laterais do rosto dos irmãos Baptista começam a inchar e a deformar- se.
O desafio do tratamento na fase da pandemia
Em 2019, Severina e Lino se colocaram na estrada e iniciaram as consultas com os três filhos, Hilário, Zeferino e Luísa. Supostamente, a cirurgia ficou marcada para 2020 no Hospital Pediátrico David Bernardino. No entanto, para a infelicidade dos pais e dos irmãos Baptista, com a chegada da pandemia da Covid-19, tudo foi cancelado.
Volvidos dois anos, já em 2022, com a aparente evolução dos “tumores”, os pais voltaram às consultas com os filhos. Tiveram passagem pelo David Bernardino, Josina Machel, Instituto Oftalmológico Nacional de Angola e noutras unidades sanitárias.
Na busca de avaliação de especialistas, contam que foram requisitados certos exames, mas o alto custo nas clínicas privadas impossibilitou a realização. “Fizemos os possíveis para fazer os exames, mas os hospitais diziam que não fazem. Então tínhamos de ir às clínicas, mas, por não ter possibilidade de pagar, aí paramos”, lamentou a mãe.
Assim, apenas em Maio de 2024, voltaram ao Hospital Josina Machel, para, mais uma vez, fazer jus ao ditado popular que “a esperança é a última coisa que deve morrer”. Movidos, certamente, pelo peculiar amor de pai e mãe, Lino e Severina faziam-se com os três filhos nas fileiras daquele hospital grande, onde passaram por novas consultas e exames. Mas enfrentaram outro obstáculo: a ausência de um cirurgião maxilofacial, essencial para o caso.
“Voltamos a fazer consultas de Maio a Julho deste ano. Inclusive fizemos alguns exames e o hospital tem todo relatório na base de dados. Mas a avaliação seguinte tinha que ser com um cirurgião maxilo-facial. Mas, naquele dia, disseram-nos que estes cirurgiões estavam a trabalhar na campanha de maxilo-facial no Sul do país”. Desde então, Severina e Lino já não mais voltaram ao Josina Machel, limitando-se ao uso de gotas e pomadas prescritas para aliviar o desconforto.
A vida em Cacuaco e as dificuldades diárias
A vida é uma luta diária para Severina Tchilimbo, que vende produtos de limpeza na zunga para sustentar a família, enquanto Lino Baptista, o marido, faz pequenos trabalhos quando surgem oportunidades.
“Nos momentos em que não há dinheiro para fazer negócio também não comemos”, lamentou Severina, que se debate com dificuldades de vária ordem. Nos apenas cinco metros de largura e dois de comprimento da simples casa de chapa, no quarto dormem os pais com o caçula de quatro anos. Os outros seis ajeitam-se na sala que também é a cozinha.
Por outro lado, as dificuldades financeiras também impedem que as crianças frequentem a escola regularmente. Embora Hilário esteja na 6.ª classe, os demais filhos quase nunca frequentaram o ensino formal, estudando por períodos breves e intermitentes. O pequeno Zeferino, vítima de bullying na escola por causa de sua aparência, conta que escondia o rosto com a mochila para evitar os olhares e comentários dos colegas.
“Por isso parei de estudar”, confessa o rapaz de apenas 11 anos. “Precisamos de ajuda. Nós não nascemos assim. Eu queria voltar a ter meu rosto como antes”, disse Zeferino, que também sofre com o peso e a dor do tumor, especialmente à noite.
Sem receber a merecida assistência nas unidades hospitalares, Severina Tchilimbo e Lino Baptista buscaram por apoio, sendo que chegaram mesmo a remeter uma carta à administração de Cacuaco, mas desta não obtiveram alguma resposta.
“É nosso desejo que a família seja submetida a um rastreio adequa- do, cuidado humanizado e especializado”, suplicou o pai, que tem visto pessoas a se aproveitarem da condição dos filhos para angariar dinheiro, mas nenhuma mudança observa nos filhos.
Outro caso de luta
No mesmo bairro, outro pai, António Domingos, aproveitou a equipa de reportagem do jornal OPAÍS para contar a situação que enfrenta com seu filho de 10 anos. Esta criança vive com uma de- formação e inclusive um furo no rosto que dá acesso à boca.
Nascido na província do Bié, aos três anos, certo dia, o menino acordou com a bochecha inflamada. Os pais, preocupados com a condição e choros do filho, procuraram assistência no Hospital Central do Bié. Postos lá, “pensamos que fosse dor de dente.
Mas eles viram que a bochecha do meu filho estava podre e disseram que tinha de ser operada”, conta António Domingos. Conforme o pai do menor, o filho foi submetido à operação, onde lhe foi retido o maxilar da parte esquerda, mas, permanece com um furo no rosto, próximo dos olhos, que diariamente verte um líquido.
Passado algum tempo, foram transferidos para Luanda, de modo a seguir com o tratamento no Hospital Josina Machel. Nesta unidade, ficaram durante seis meses, mas não encontraram solução. “Nos disseram que é kissongo e que o tratamento deve ser tradicional.
Sendo assim, fomos buscar tratamento nessas senhoras, mas paramos por falta de dinheiro. Eu trabalhava como segurança, mas tive de deixar de trabalhar para acompanhar o meu filho”, disse. É mais um pedido de ajuda.
A história da família Baptista e de outras famílias como a de António Domingos é um apelo por assistência. Vivendo na pobreza e sem os recursos médicos adequados, eles clamam por um sistema de saúde mais acessível e por apoio do governo para dias risonhos.
A hipótese de uma neurofibromatose
O cirurgião maxilo-facial Agnelo Lukamba, que já teve contacto com os irmãos Baptista, que apresentam sinais de uma possível neurofibromatose, revelou alguns detalhes sobre o caso durante uma recente entrevista.
De acordo com o cirurgião, embora a condição ainda seja uma hipótese, saídos do Yona, a família já esteve no Hospital Josina Machel – Maria Pia para avaliação e o diagnóstico preliminar, no entanto, sugere a presença de neurofibromatose, uma doença genética que pode causar diversas deformações físicas.
No Josina Machel – Maria Pia, os meninos foram avaliados por uma equipe médica composta, inclusive, por neurocirurgiões do Hospital David Bernardino e com base nos sintomas apresentados, ampliou a hipótese para neurofibromatose.
Conforme Agnelo Lukamba, esta condição é caracterizada por alterações congênitas e uma das manifestações mais notáveis são os nódulos visíveis na pele e de- formações faciais, como a queda da pálpebra, que resulta em flacidez dos tecidos ao redor dos olhos.
“Essas lesões são próprias da neurofibromatose, que, por ser congênita, não tem um tratamento definitivo, mas sim cuidados paliativos que visam melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, explicou o cirurgião. Assim, avança, as intervenções cirúrgicas são frequentemente recomendadas para melhorar a aparência física, o que também ajuda na integração social, uma vez que a condição pode resultar em exclusão devido às deformações visíveis.
Necessidade de diagnóstico confirmado
Apesar das evidências, o diagnóstico definitivo de neurofibromatose ainda não foi confirmado. A condição continua sendo uma hipótese e, para uma avaliação mais aprofundada, é essencial realizar mais exames e estudos.
O cirurgião afirmou a importância de uma abordagem multidisciplinar para garantir um diagnóstico preciso e uma orientação adequada para a família. “É fundamental a presença de uma equipe composta por cirurgião maxilo-facial, oftalmologista, neurocirurgião e até um cirurgião geral, pois a neurofibromatose pode afectar outras partes do corpo, então uma abordagem integrada é crucial para o cuidado completo do paciente”, explicou.
Questionado sobre as idas e voltas estagnadas da família naquele hospital, Agnelo Lukamba confirma a ausência daquela equipe médica do hospital por estarem, naquele período, envolvidos na campanha de consultas e cirurgias maxilo-facial decorrida em sete províncias do país.
“Estávamos envolvidos em uma missão de estado, o que resultou na ausência temporária de alguns especialistas seniores. No entanto, com o regresso dos médicos, poderemos montar uma equipe multidisciplinar para continuar o acompanhamento da família”, concluiu o médico.
POR:Stélvia Faria