Têm noção dos riscos que correm, mas justificam que o pouco que recebem dá para suprir as despesas das casas. Sem equipamento de higiene, como máscaras, luvas e botas, arriscam-se a desentupir fossas de forma artesanal. Jorge dos Santos, do Sambizanga, é um desses jovens, que faz esse tipo de trabalho há 10 anos e, via de regra, o faz na calada da noite, para evitar poluição e incómodos de cheiro por parte da vizinhança.
Com esposa, filhos e netos sob a sua responsabilidade, embora admita ser um trabalho arriscado, Jorge disse que a falta de emprego o obriga a continuar. “Já somos conhecidos no bairro, e quando há necessidade deste tipo de trabalho, somos chamados”, disse.
O trabalho é feito nos bairros periféricos da cidade de Luanda, onde as pessoas não têm condições financeiras para contratar uma empresa de sucção de dejectos. Assim, esta prática prolifera, apesar de o Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiro desaconselhar.
Estes pais de famílias cobram entre 10 e 25 mil kwanzas, mas há fossas feitas de tambores e, para estas, cobram 4 a 5 mil Kwanzas por serviço. Maurício Fonseca, também do bairro Sambizanga, faz esse trabalho de sucção há dois anos.
Além de limpar fossas, lava carros e é chamado para podar árvores. “Com a falta de emprego, fazemos tudo para sobreviver”, sustenta ele, que não tem filho, mas vive com esposa. Tal como no Sambizanga, Cacuaco, Viana e Cazenga, por onde a nossa reportagem passou, os jovens que fazem esse trabalho, via de regra, juntam-se em três a quatro e partilham o lucro.
GPL dispõe de equipamentos especializados para tal
As administrações defendem não haver razões de mortes por negligência na sucção de dejectos, porque o Governo tem disponíveis, em todos os municípios, máquinas e homens para fazer este tipo de trabalho.
Em conversa com o director do Ambiente e Saneamento Básico no município de Cacuaco, arquitecto José Mondo, trata-se de viaturas-cisternas, tractores e motos-cisternas de três rodas, distribuídas pelo Governo para, em caso de necessidade, providenciarem um trabalho especializado aos munícipes. No distrito urbano do Rangel, o seu administrador, arquitecto Pedro Calunga, assegurou terem dois tractores e duas motorizadas disponíveis para este tipo de trabalho.
De acordo com Pedro Calunga, nas ruas de difícil acesso, as equipas juntam duas ou mais mangueiras até atingirem a fossa. Para o uso destes meios, basta que o munícipe solicite à Administração e esta, por sua vez, faz deslocar uma equipa ao local para avaliar se há via de acesso para carro, tractor ou motorizada.
Após a verificação, o munícipe paga na Conta Única do Tesouro 8 mil kwanzas para ser efectuado o trabalho. Já as empresas privadas, em Cacuaco, cobram um valor consoante os metros cúbicos do camião-cisterna, a distância e o tipo de fossa, mas que não ultrapassa os 30 mil Kwanzas.
As empresas de limpeza de fossas são licenciadas e fiscalizadas pelo Governo Provincial de Luanda. Entretanto, tomamos conhecimento que o distrito urbano do Ngola Kiluanje não tem meios para o trabalho de sucção de fossa séptica.
Aqui o trabalho é feito com baldes, por jovens. Mas, segundo o chefe de secção de energia, águas e saneamento ambiental, Sérgio Costa, a administração tem parceria com uma empresa que, para as famílias carenciadas, até não cobram.
Fossa deve estar separada do tanque de água por 15 metros
O arquitecto José Mondo disse ainda que, do ponto de vista técnico, um tanque de água não pode ser feito ao lado da fossa para, primeiro, evitar infiltrações de águas terrestres e, segundo, evitar doenças como diarreias, porque a água perde a composição química. Tecnicamente, a distância entre a fossa e o tanque de água deve ser de 15 metros.
O arquitecto lamenta as mortes de Capalanga, em Viana, tendo assegurado que, “felizmente, Cacuaco tem outra realidade, ou seja, não tem registo de mortes em fossas, apenas alguns casos de desabamentos de fossas, mas sem gravidades”. Entretanto, apesar de estarem disponíveis meios apropriados, as famílias com parcos recursos recorrem a jovens para sucção.
Já o ambientalista Marcelino Francisco adverte que a limpeza com baldes é um problema ambiental e de saúde pública, porque os dejectos são lançados nas ruas e não nos aterros indicados para o efeito. Por exemplo, no bairro dos pescadores, em Cacuaco, devido à sua proximidade com o mar, muitos não usam fossas, fazem canalizações e mandam directo os dejectos para o mar.
O ambientalista defende, por outro lado, o respeito pelo o artigo 39.º da Constituição da República, que é sobre a garantia do bem-estar do cidadão.
“Nosso sistema de esgoto sanitário está desactualizado”
O engenheiro hidráulico sanitário, Francisco Lopes, afirma que o nosso sistema de saneamento básico, concretamente o esgotamento sanitário, está desactualizado e desestruturado, fruto também da ampliação da malha urbana e surgimento de novas zonas habitacionais.
O especialista acha ser importante estruturar a descentralização de toda a cadeia de serviço de saneamento, desde a água potável, os esgotos, a recolha, o tratamento e acondicionamento dos resíduos sólidos. Francisco Lopes referiu que é necessário compreender que saneamento é medicina preventiva.
“Infelizmente, o sistema de saneamento básico, mais concretamente o esgotamento sanitário, está não só desactualizado como desestruturado, os serviços passaram a ser executados de forma aleatória e pouco profissional, o que tem contribuído para a degradação das zonas balneares, principalmente, e todos os corpos hídricos”, sustenta.
Nas zonas periféricas acontece o elevar do manto freático em função da quantidade de fossas rotas que se constroem em cada casa, em cada condomínio, e sem se obedecer a nenhum critério técnico de diminuição dos níveis de contaminação.
Por isso, tanto o solo, a água e o ar que respiramos, segundo Francisco Lopes, apresentam níveis de poluição viral elevadíssimos. “Em função disso, se regista pacientes elevados nos hospitais e centros de saúde por malária, febre tifóide e o tras patologias”, disse. Para o entrevistado, as empresas de sucção de fossas têm feito um trabalho péssimo em relação à conservação ambiental, tendo em conta que têm descarregado a massa fecal doméstica nos canais públicos, que normalmente são reservados para a drenagem.
Entretanto, lamentou o facto de estas empresas não terem alter-nativa devido a mesma desestruturação. Esta mesma água fecal, com vários elementos contaminantes, tem servido para o manuseio para prática de agricultura e lavagem de viaturas, o que constitui um crime ambiental. Para evitar situações menos boas, devem ser tomadas medidas a curto, médio e longo prazos, de acordo com o entrevistado.
As regras de um saneamento seguro, à luz das instruções universais, instruem que os esgotos devem ser colectados e escoados por tubagem separada da rede de drenagem das águas das chuvas, e estas águas de esgoto chegarem a uma estação de tratamento de esgotos para diluir de toda a poluição antes de ser devolvida ao ambiente.
Segundo Francisco Lopes, no caso de Angola, Luanda em particular, tudo se mistura de forma que nas artérias da cidade, condomínios e outros espaços se sente o refluxo dos gases nauseabundos que se acumulam nas tubulares.
Os dejectos devem ser despejados onde uma instituição de direito indicar
Numa Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), em função das suas características e origem, para o descarte de águas residuais urbanas, existe o decreto presidencial 261/11, que faz menção da qualidade do efluente.
O engenheiro Pedro Carvalho recomenda ao cidadão comum que realiza actividade de desentupimento de fossas a usar os equipamentos de protecção individual, regularizar os meios de trabalho e a fazer o descarte nos pontos indicados pela entidade gestora. Para aqueles que trabalham à margem da norma, numa primeira instância, a UTGSL faz um trabalho didáctico, caso seja reincidente, aplique multas ou coima.
De acordo com Pedro Carvalho, do GPL, grande parte das operadoras que realizam este tipo de serviços procuram lucro fácil. Reforçou, por fim, que o trabalho de tratamento de águas residuais não requer uso de produtos químicos, necessita apenas de lamas activadas e injecção de oxigénio.
POR:José Zangui e Stélvia Faria