A razão por trás desta obra está no facto de, segundo o autor, até ao momento não existirem dados concretos e credíveis, devidamente documentados, que abordem com detalhes e veracidade a história e evolução da fotografia, desde o seu surgimento, no tempo colonial, até à era digital.
O livro, de carácter histórico e científico, surgiu do seu trabalho de licenciatura (monografia) no curso de Ciências da Comuni- cação, em 2011, em que abordou a temática sobre a história da fotografia em Angola, fazendo uma narração transversal e extensiva desde os seus percursores aos dias actuais.
A monografia, que arrebatou do jurado a nota máxima de dezoito valores, foi efusivamente elogiada e muito apreciada pelos decentes e colegas do fotojornalista que o impulsionou a registar da melhor maneira possível, isto é, transformando-a em um livro de carácter científico, mas com valor histórico e cultural, já que reporta os acontecimentos que marcaram a sociedade angolana registadas pelas lentes das primeiras câmaras fotográficas que operaram em território nacional.
Em entrevista ao OPAÍS, Nambi Wanderley adianta que de antemão não fazia parte dos seus planos escrever um livro sobre o assunto, entretanto, a pressão dos colegas e sobretudo as recomendações dos seus professores que enalteceram a sua monografia e a consideraram uma das melhores até então já apresentadas fê-lo arremessar as mangas e dar início ao processo de transformação da monografia em um livro.
“Esse livro é praticamente uma réplica daquilo que foi a minha monografia. Depois da minha defesa, onde obtive a nota máxima de 18 valores, os meus professores aconselharam-me a produzir um livro. Dada a importância da temática e as novidades que trouxe, fui impulsionado a transformar a monografia em livro devidamente acabado”, explicou o autor.
Apoio à investigação científica
Outra razão que lhe levou a escrever o livro, segundo explica, foi/é a carência de registos escritos ou bibliográficos que se tem visto no que diz respeito à temática da fotografia em Angola. Na qualidade de docente, Wanderley diz sentir a aflição dos seus alunos que se veem limitados nas fontes de pesquisa quando se trata de fazer um trabalho que visa discorrer sobre a história da foto- grafia em Angola.
“Como docente, eu sinto que há esta falta, porque, quando oriento os meus alunos a fazerem um trabalho de fotografia, eu vejo a aflição deles na busca das fontes, não temos nada escrito, nada registado, então este livro vai servir de base e de instrumento de pesquisa na academia e não só”, considerou.
Além de poder ajudar estudantes universitários angolanos, o autor acredita que a sua obra vai também servir de base de pesquisa para académicos de outros países que queiram aprender ou compreender a história da fotografia em Angola, sublinhando que parte do conteúdo da obra já se encontra disponível na internet devido a alguns pequenos artigos e entrevistas que foi publicando ao longo da compilação do livro.
Preservar a “verdadeira” história.
O autor defende que há necessidade de se publicar obras ou artigos científicos que visam reportar os passos da fotografia (em Angola), de modos que se preserve a história, sob o risco de verem alteradas as “verdades” dos factos ocorridos e que fazem parte da identidade histórica do povo angolano. Entende que, se não existirem registos escritos (através de artigos e/ou livros), “qualquer um virá contar a sua versão e assim o país perde parte da sua própria identidade”, porque “ninguém se preocupou em escrever na altura devida”.
Cauteloso, Nambi assegura trazer na sua obra o testemunho daqueles que viveram e acompanharam o processo de evolução da fotografia em Angola, desde a era antes, durante e pós-independência, assim como os percursores do fotojornalismo angolano. “Eu tenho na obra histórias de pessoas que, quando Angola ainda era província ultramarina de Portugal, já eram fotógrafos, já exerciam esta profissão de forma activa”, revela o autor.
Assegura que nomes como Carlos Guimarães, Mário Rosa, Carmona Somano, Mário Roça, Bernardo Sobrinho, Quintiliano dos Santos, Rogério Tuti, Mário Paulino Damião “Cinquenta”, Mário Nóbrega, Quintiliano dos Santos e outros estão entre os interlocutores cujos testemunhos estão estampados na obra que será disponibilizada aos leitores hoje, a partir das 17 horas.
Com a obra, entre os vários propósitos, o autor quer também trazer à tona o testemunho daqueles que foram os profissionais que acompanharam o processo da evolução e que, na opinião do autor, deviam ser mais valorizados e honrados.
Estimular a valorização dos profissionais da classe
Por outro lado, Nambi Wanderley sublinha que tenciona, com a sua obra, estimular a valorização dos profissionais de fotografia nas mais variadas áreas de actuação. Considera que os fotógrafos em Angola ainda são pouco valorizados nas suas áreas profissionais, sobretudo nas redacções de jornalismo, onde o mesmo entende que os seus colegas “não são tidos nem achados”.
“Infelizmente ainda é uma realidade que se vive nas redacções, os fotógrafos são pouco valorizados”, lamentou. Sublinhou que esta “desvalorização” está também associada à falta de conhecimento claro sobre a importância do papel do fotógrafo/fotojornalista no trabalho em equipa.
Acrescenta que o papel do fotógrafo vai muito além do simples acto de registar o memento por meio da câmara fotográfica, considera que se trata de “um artista e ao mesmo tempo jornalista” que narra o acontecimento através da imagem.
“Aliás, a imagem não mente. Se repararmos, a fotografia (quando bem tirada) por si só já transmite a mensagem e, por isso, o fotógrafo deve ter domínio da técnica de jornalismo, e essa técnica é que faz dele um profissional qualificado, mas a sua valorização no mercado, infelizmente, ainda deixa a desejar”, acrescentou.
Falta de especialização na academia
Outra preocupação manifestada pelo profissional é a falta de cursos de especialização em fotografia na grelha curricular das universidades em Angola. Segundo Wanderley, as universidades e instituições de ensino superior precisam rever esta questão e implementar o curso de fotografia como uma área de especialização (autónoma) e não apenas como uma cadeira dentro do ramo de jornalismo ou da comunicação social.
Justifica que, devido à falta de formação especializada, muitos estudantes saem das universidades com muitas dificuldades de manejar uma máquina fotográfica ou de tirar uma foto jornalisticamente aceite, porque não tiveram uma preparação devida neste ramo.
Entende que é incompreensível o facto de as universidades não se preocuparem em formar fotógrafos especializados quando o mercado vai sendo cada vez mais exigente neste sentido. “A exigência de quem fotografa política é diferente de quem fotografa sociedade, as- sim como cultura ou desporto. Não podemos estar a formar ‘tudólogos’, hoje o mercado precisa de especialistas e é nesta dinâmica que o país tem que caminhar”, defendeu.
Apela, portanto, a posta na especialização para se evitar erros “básicos” aos profissionais e assim ampliar o leque de profissionais qualificados que, na sua apreciação, vai sendo cada vez mais raro de se encontrar no mercado.
Ausência de legislação é outra ‘barreira’
Se por um lado há a preocupação de especificidade no campo de formação, por outro a falta de legislação específica para o ramo da fotografia é outra barreira que o autor aponta como dificuldade da classe. Wanderley entende que há necessidade de existir uma lei que defina os modos de actuação do fotógrafo, sejam eles jornalistas ou não, e os seus direitos.
Explica que, assim como existe um estatuto de jornalista, de advoga- dos, contabilistas e outros, deve existir uma legislação capaz de orientar a actividade do fotógrafo para se evitar “abusos e atropelos” aos direitos dos profissionais.
Neste quesito, cita como exemplo a proibição, que o mesmo considera “empírica”, de fotografar instituições do Estado ou de serviços públicos como esquadras, administrações, postos militares e outras, uma acção que afirma não estar tipificada em nenhuma lei.
“É preciso uma legislação específica da fotografia para melhor guiar o profissional, porque, por exemplo, o que é crime aqui em Angola para o fotógrafo não está claro. Há situações que o fotógrafo vê o seu material apreendido pelos agentes da autoridade, mas não se consegue dizer se fotografar determinada instituição ou entidade constitui ou não crime”, reivindicou o foto- jornalista. Disse que “História e Evolução do Fotografia em Angola” é o primeiro de vários livros que tenciona publicar daqui para frente, a depender dos apoios e patrocínios.
Histórico do Entrevistado
Natural da província do Namibe, Nambi Wanderley Quintino é fotógrafo, fotojornalista, docente universitário e empreendedor no ramo de audiovisual. Com mais de 25 anos de expe- riência, Wanderley, formado em Ciências da Comunicação pela Universidade Independente de Angola (UNIA), já passou por vários órgãos de comunicação social nacionais, entre eles o Semanário Angolense, Jornal Folha-8, Jornal de Angola, jornal A Capital, Jornal OPAÍS, entre outros.
Passou ainda pelas revistas Cara, Tropical, TV e Revista Talentos (onde foi director executivo e editor fotográfico), e posteriormente decidiu apostar no ramo do empreendedorismo, criando a sua própria produtora de audiovisual com o seu próprio nome. Pós-graduado em elaboração de projectos científicos e pedagogia pela Universidade Agostinho Neto (UAN) e mestrando em Direito Forense pela Universidade Jean Piaget, de Luanda. Na docência há mais de dez anos, Wanderley é o primeiro angolano a defender um tema de monografia sobre fotojornalismo no país.