Depois de uma jornada laboral, muitas pessoas se recolhem para um bar ou restaurante para, além de degustar de uma bebida ou alimentação e troca de conversa, desfrutar de um ambiente acolhedor com música ao vivo de forma a descomprimir e recompor as energias.
E, para isso, dezenas de artistas que não encontram espaços na “apertada” agenda cultural de Luanda pulam de bar a bar a fazerem a vida, dando a ouvir boa música aos frequentadores destes espaços. É o caso de Marília Alberto.
Com a voz, guitarra e piano, Marília já soma 18 anos de música de bar, interpretando canções de artistas nacionais e internacionais que levam o público consumidor a uma viagem de pura descontracção diante de uma sonoridade ecléctica.
Segurança, afinação, projecção e estabilidade financeira são os condimentos que os palcos dos bares dão à Marília, hoje conhecida como uma das vozes mais bonitas da nova geração e que aos poucos vai se afirmando na concorrida playlist dos angolanos.
Embora hoje tenha conquistado outros palcos, Marília Alberto considera os bares e restaurantes, onde passou e continua a passar, como escolas que lapidaram todo o seu potencial que hoje é conhecido pelo público que segue e partilha o talento que há nela.
Para ela, as actuações em bares dão brilho à carreira de quem está a começar e constituem subterfúgios para artistas que não têm a oportunidade de se apresentar em grandes palcos, dada a carência de espaços culturais em Luanda.
Conforme referiu, na ausência de salas de espectáculos e de actividades regulares, muitos continuam a afirmar as suas carreiras nos bares, divulgando, assim, os seus talentos e a ganhar a vida financeiramente.
“É evidente que não teremos todos a oportunidade de encher grandes salas. Muitos de nós ficamos pelos bares porque dános habilidades para melhor lidarmos com o público e também ganharmos alguma coisa”, disse.
Uma escola de talentos
Assim como Marília Alberto, muitos músicos têm os bares e restaurantes de Luanda como escolas de treinamento e lapidação de talentos que projectam as suas carreiras para outros palcos.
Em espaços como Chá de Caxinde, Veneza, Miami Beach, Jango Veleiro, Club -S, Palmeiras, Casa dos Desportistas e tantos outros, sobretudo do casco urbano, pode-se ver, com regularidade, actuações de músicos anónimos e conhecidos a despontarem sucessos com a voz, guitarra e piano.
Entretanto, há anos que os palcos dos bares vêm despertando e afirmando sucessos que hoje são conhecidos, ouvidos e dançados pelo público. Músicos como Matias Damásio, Kizwa Gourgel, Nelo de Carvalho, Livongue, Totó ST, Kyaku Kyadaf, JoJó Gouveia, Selda e Konstantino são a prova de artistas que foram feitos nos palcos dos bares e hoje dão cartas à cultura nacional.
O talento que largou tudo para apostar na música de bar
Jojó Gouveia, cantor, que há quase vinte anos fez música de bar, embora hoje já tenha uma carreira consolidada, disse que as apresentações em bares e restaurantes constituem, na prática, uma escola, porque melhora e prepara o artista para uma carreira de sucesso, quer a nível da interpretação quer da performance.
Para Jojó Gouveia, um artista que faz música de bar acaba por estar mais bem preparado para diferentes palcos e tende adquirir uma visão mais ampla dos contratos que for fazendo. “Porque o bar oferece esses condimentos todos.
Sabe-se que um artista não trabalha sozinho. E no bar aprende-se a ter pessoas que tratam da agenda do artista, que lidam com instrumentos e acaba-se por perceber como é que a cena e o mercado funciona”, destacou.
Outrossim, além de interpretar vários autores, no bar, frisou, o artista acaba por criar links com outros músicos que determinam o percurso.
Rendimentos dependem da capacitação
De acordo ainda com Jojó Gouveia, os rendimentos de quem faz música de bar dependem muito da capacidade e capacitação permanente do artista. “Fazer música de bar dá para viver, sim.
O mais importante é que o artista se capacite o bastante primeiro para depois alcançar os rendimentos”, frisou, dando o seu caso como exemplo, afirmando que teve de largar tudo, no princípio da sua carreira, para se dedicar apenas à música de bar.
“Quando notei que o trabalho que eu tinha, na altura, roubava-me muito tempo, tive de deixar para me dedicar apenas à música. E hoje não me arrependo disso”, explicou.
Roxane: “A música de bar exige muito do artista”
Roxane, com mais de dez anos de estrada, é uma das grandes referências da música de bar e considera que tudo que é hoje e conquistou é fruto deste exercício permanente e constante.
Apesar da estrada, do carinho do público e do respeito conquistado, disse que ser músico de bar exige muita responsabilidade, sobretudo quando se está a interpretar músicas de artistas consagrados.
Conforme referiu, fazer música de bar exige muito do artista, por se estar, diariamente, diante de um espaço livre e com julgamentos directos do público. “Isso faz com que o artista dê muito mais de si.
Mas todos que começam no bar acabam depois de ter uma carreira mais promissora, porque adquirem mais experiência. É que são muitas horas de palco a cantar um vasto reportório que depois acabam por criar a própria identidade musical do artista”, apontou.
Para ele, o facto de o artista não saber com que tipo de público terá de lidar no dia-adia, já que os bares e restaurantes são espaços públicos em que aparecem diversas pessoas, isso acaba por exigir muito do artista.
“E com um bocadinho de mais cabeça dá para sobreviver. E eu sou exemplo disso. Sempre trabalhei nisso e consigo resolver as necessidades com o que ganho”, afirmou.
Gelson Castro: “Hoje somos olhados com mais respeito”
Já Gelson Castro, uma das referências do segmento, disse que, diferente dos outros tempo, actualmente as pessoas olham com mais respeito para o músico de bar.
Anteriormente, explicou, o público e proprietários de restaurantes e bares olhavam para os artistas como meros mendigos, gente sem ocupação e curiosos. Mas, hoje, destacou, dada a excelência e a performance que os músicos vão conquistando, as pessoas já olham com mais dignidade, atenção e respeito.
Profissionais
Gelson Castro esclareceu ainda que os músicos de bar hoje têm uma agenda e trabalham com bastante profissionalismo como qualquer outro profissional. “Temos uma playlist muito bem organizada e procuramos fazer uma interpretação com respeito aos consumidores que nos ouvem.
E somos pagos por isso mesmo. Hoje há músicos de bar que não fazem menos de um milhão de kwanzas por mês. Sobretudo quando se tem muitas casas para cantar. Então, considero isso um avanço”, notou.
Aaliyah: “O bar é uma rede de contactos permanente”
Já Aaliyah, a cantora de bar que ficou conhecida por fazer a versão feminina da música “Magui”, de Matias Damásio, disse que, mais do que qualquer outro ganho, a grande vantagem de fazer músicas no bar são as redes de contactos que se criam e a segurança permanente de enfrentar o público. Segundo a cantora, nos bares e restaurantes passam diferentes tipos de pessoas. E, quando o artista é empenhado, tem a possibilidade de
ser contratado para assinar grandes contratos e consolidar a carreira de sucesso que almeja. “O bar é uma rede de contactos permanente. O nosso mercado está cheio de artistas que começaram no bar e que hoje são referências da nossa música.
O próprio Matias Damásio, de quem interpreto uma das suas músicas, também é produto do bar. Então, tudo depende muito da visão do artista e daquilo que se pretende”, frisou.
Lito Graça: “É preciso que se tenha cuidado ao interpretar músicas dos outros para não matar os criadores”
Por seu lado, Lito Graça, cantor, chama a atenção para a necessidade de se respeitar os criadores e autores das músicas que sofrem nova roupagem, quer pelos artistas de bar quer pelos que fazem couverts.
Segundo explicou, nos últimos tempos, virou moda o facto de todos aqueles que querem aparecer no mercado recorrerem aos couverts de músicas dos outros artistas. “Em Angola, estamos a fazer do couvert a regra.
Ou seja, você para aparecer tem que interpretar uma música já conhecida. E com isso estamos a matar os criadores. Vê-se que agora dá-se mais importância às músicas regravadas do que as originais.
E com isso estamos a perder os criadores”, alertou. Todavia, Lito Graça mostrou-se, sim, a favor da música de bar, mas, entretanto, chamou a atenção para a necessidade dos artistas serem criativos e originais e não meros imitadores.
“A maior parte das pessoas que fazem e se prendem na imitação acabam por desaparecer. Portanto, a ênfase às músicas originais é uma das coisas boas que a nova roupagem dá. Mas não se pode ficar pela imitação.
É preciso que os artistas que vão imitar sejam mais criativos e procurem a sua originalidade”, defendeu, acrescentando ainda que “é preciso que se tenha cuidado ao interpretar músicas dos outros para não matar os criadores”.
AUDAC alerta que direitos autorais devem ser pagos pelos proprietários dos bares
Já o director-geral da Autoridade Única dos Direitos de Autor e Conexos (AUDAC), Lucioval Gama, disse que os músicos de bar são livres de interpretarem o artista que quiserem sem necessidade ou obrigação de solicitação de autorização.
Entretanto, a questão da autorização, frisou, deve ser da responsabilidade do proprietário do bar, através do pagamento dos direitos dos autores por via da entidade de cobrança de direitos da AUDAC.
Conforme referiu, a licença de cobrança ou tabela de preço para esses tipos de casos é feita com dias de antecedência e mediante o número de lugares disponíveis no dia do show.
“É evidente que nem todos os espaços hoje têm a cultura de pagar os direitos autoais. Mas temos tido bons exemplos e as entidades vão ganhando consciência na medida em que a própria sociedade vai evoluindo”, disse.
De acordo ainda com Lucioval Gama, diferente dos tempos passados, hoje já existem muitos bons exemplos de espaços que procuram a AUDAC para pagar os direitos autorais, mostrando, assim, compromisso e respeito pelo trabalho da instituição e dos criadores.
“Hoje já temos instituições a pedirem autorização três meses antes do evento. Isso demonstra evolução”, frisou. Outrossim, o responsável fez saber que os valores que são cobrados pela AUDAC, posteriormente, são revertidos para os autores das obras.