Mariana Mbacu, de 93 anos, é uma das poucas testemunhas vivas do ataque ocorrido na localidade do Indungo, há 45 quilómetros a sul da sede municipal do Kuvango, na província da Huíla, ocorrido na tarde do dia 4 de Setembro de 1977, que resultou na morte de 37 pessoas, entre as quais um dos seus filhos, de 35 anos de idade, que se encontrava em gozo de férias
A anciã afirma que, desde que perdeu o filho, que cumpria serviço militar no município do Jamba, e se deslocou a aldeia para gozar as merecidas férias, a vida de cada uma das famílias da sua comunidade que sofreram o mesmo embate nunca mais foi a mesma.
Para si, segundo recorda, o embate foi bem maior, pois mal se havia recomposto da morte do seu primogénito, ocorrido dois anos antes, por motivos de doença. Depois do ataque ao Indungo, as autoridades foram informadas do sucedido a partir do município da Jamba, de onde partiram para aferir o que se tinha passado no local, onde encontraram mais de três dezenas de cadáveres e vários feridos.
Em função do número de mortos, as autoridades preferiram abrir uma vala comum para depositar os 30 cadáveres. Uma acção que não foi do agrado dos familiares, já que os funerais naquela localidade são realizados com base nos seus hábitos e costumes, mas o momento que se vivia, de acordo com algumas fontes, não dava para fazer mais.
Apesar da idade, Mariana Mbacu, que só se comunica na língua nacional Nganguela, é dona de uma lucidez invejável, que lhe confere lembrar todos os detalhes do dia em que o seu filho foi morto nos conflitos políticos que assolou o país naquela altura.
À nossa reportagem, revelou que se lembra que foi numa tarde, quando o seu filho e os seus amigos foram atacados na aldeia por um grupo de homens armados, com armas de fogo e catanas.
“Os nossos jovens, mesmo não tendo armamentos, como os outros, lutaram e foram todos mortos a tiros e catanadas. Ninguém viu onde eles [os agressores] saíram. Foi uma tarde muito triste, entre os jovens estava o meu Kambinda”, detalhou.
Com lagrimas nos olhos e uma voz trémula, a anciã de 93 anos, que caminhava com a ajuda da sua neta, de 42 anos, descreveu como um dos momentos mais triste da sua vida, aquele em que viu o copo do seu filho a ser enterrado numa vala comum.
“Na altura, com a idade que tinha, 58 anos, seria mais fácil receber o óbito de um filho, cujo corpo esteve desaparecido. Ver o meu filho a ser enterrado como se fosse um animal qualquer, quebrou-me o coração e, durante todos estes anos, não houve um dia em que não lembras se”, frisou.
Mariana Mbacu conta que na época proibiram todas as crianças da aldeia passar pelo local em que foram sepultados. “Eu nunca imaginei que um dia pudesse fazer um funeral para o meu filho.
Por isso, eu, que já estou a beira da morte, posso viver estes dias que ainda me restam mais tranquila, porque poderei dizer aos meus filhos mais novos, aos meus netos, bisnetos e tataranetos que o vosso tio foi enterrado naquele local e assim poder ser visitado”.
Depois de terem sido entregues as urnas contendo os restos mortais das vítimas dos conflitos políticos, acompanhadas com as respectivas certidões de óbito, em cerimónia decorrida na cidade do Lubango, se realizou um velório colectivo no sector de Indungo, de acordo com as normas tradicionais locais.
As autoridades tradicionais escolheram de forma propositada o local para o sepultamento dos restos mortais, de acordo com Fernando Kabinda, que participou da remoção dos cadáveres.
O familiar de uma das vítimas explicou que o local escolhido foi o mesmo em que as vítimas foram mortas em 1977.
Entretanto, para que a honra destas pessoas seja um facto, os seus familiares pedem que seja construído um memorial no local, de modo a perpetuar a bravura dos seus filhos, bem como a realização de outros investimentos em equipamentos sociais.
Participação da CIVICOP
Para conferir dignidade aos mortos, os familiares das vítimas e os habitantes daquela localidade solicitaram, através de uma carta enviada à Comissão para Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, datada de 15 de Outubro de 2020, a realização de exumação das ossadas dos seus entes queridos.
Sanda Morais, do Departamento de Biologia Forense e ADN do Laboratório da CIVICOP, foi o responsável pela identificação genética das vítimas dos conflitos armados, em que se incluem as vítimas do Indungo, no município do Lubango. A especialista fez um pequeno resumo sobre os trabalhos desenvolvidos.
“No dia 24 de Junho de 2024, este laboratório recepcionou peças ósseas provenientes de uma vala comum da localidade de Indungo. No mesmo mês, colhemos amostras biológicas dos familiares que perderam os entes queridos no conflito que assolou a localidade e as amostras foram enviadas para o laboratório”, frisou.
A especialista explicou que depois de analisadas, obtiveram os perfis genéticos que foram comparados entre si e registaram compatibilidade genética. Pelo que, conseguiram comprovar cientificamente que os familiares a quem retiram as amostras biológicas são realmente parentes dos restos mortais que foram enviados para o laboratório. “Isso culminou na identificação dos restos mortais”, explicou.
POR: João Katombela, na Huíla