Francisco Abílio Lumbamba é um dos mais respeitados empresários agrícola da região sul de Angola. Em entrevista ao jornal OPAÍS, o empresário fala da necessidade de uma maior aposta, seriedade e valorização da produção nacional, defende por mais abertura dos bancos às divisas e de mais apoio ao empresariado nacional, de formas a concorrer ao mesmo pé de igualdade com os estrangeiros, que considera terem, lamentavelmente, o monopólio na importação de muitos produtos que é consumido internamente
A aposta na produção nacional tem sido dos assuntos que tem centrado debates no país. Considera que já esta- mos a marcar passos nessa direcção?
Estamos, mas ainda de forma muito tímida e com alguns erros que devem ser corrigidos e melhorados.
Por quê?
Porque temos alguns passos já dados, mas que efectivamente carecem de melhoria e envolvência de todos na sua discussão.
Quais os principais contratempos que inviabilizam a produção nacional efectiva?
Um dos principais empecilhos é a falta de financiamento com juros bonificados. Portanto, não há ninguém que vai fazer uma produção, principalmente na agricultura, com juros altos. É impossível, porque ou não vai conseguir pagar, ou então não termina de fazer o projecto para o qual ele se endividou.
Há aqui falta de sensibilidade de quem define as políticas públicas neste caso?
O problema não está até com o Governo. Está com os bancos. Não se pode dar dinheiro de graça às pessoas. Nós tempos de ir aos bancos emprestar dinheiro e, depois de trabalharmos, devolvermos os valores. Mas só que deve haver juros bonificados.
Aqui também se aplica a questão aos industriais?
Sim, naturalmente. Por exemplo, há a redução de impostos para os investimentos industriais. Quando se monta uma fábrica, há um perdão de imposto dentro de um prazo, mas depois, o empresário tem de continuar a pagar os impostos até para contribuir na gestão do país, porque é com os impostos que o Estado paga o polícia, o enfermeiro, o professor e outros sectores não produtivos.
Mas existe no país uma série de programas e políticas públicas de fomento à produção nacional. Esses programas não têm tido impacto desejado?
Os programas existem. Mas o grande problema é a falta de fiscalização e acompanhamento destas políticas.
Como assim?
Por exemplo, o Executivo determinou uma série de produtos para que não sejam mais importados ou que se agrave sobre eles a taxa de importação, por termos, internamente, capacidade de produção. Mas, ainda assim, esses produtos proibidos continuam a ser importados. E, depois, estes mesmos produtos têm um financiamento com uma taxa de juro muito baixa.
É uma afronta que algumas pessoas fazem ao Estado?
Não sei, mas pode ser. É só ver que o Estado proíbe ou agrava a taxa de importação de produtos que temos localmente e, ainda assim, as pessoas importam. E a concorrer connosco que ainda produzimos à base do combustível. E o combustível é caro, não é barato.
Considera que Estado deve ser implacável com essas pessoas?
Eu não sei o que deve acontecer. Mas quem decide sabe o que deve fazer.
A nossa produção agrícola familiar acaba por ficar asfixiada ao meio desta afronta que se faz ao Estado?
Acho que não. O meu entendimento é que a nossa agricultura familiar dá resultados positivos. E isso desde o tempo colonial. A nossa agricultura familiar deu sempre o seu máximo. É com ela que hoje temos um volume elevado da produção nacional.
As fazendas, hoje, espelhadas em tudo quanto é lugar, representam igualmente um activo importante para a produção nacional?
Não temos fazendas que chegam ao nível para poderem sustentar a população que nós temos.
Mas não é esse o entendimento que se transmite, pelos menos a julgar pelas publicidades à volta destas fazendas. Estamos diante de um cenário a ser pintado por oportunistas?
É como tudo. Hoje todo mundo fala da produção nacional, mas são poucos os que fazem. Mas é preciso que se criem mais políticas para que a agricultura saia mais e que se tenha um investimento suficiente.
Mas já há um avanço nesses aspectos se compararmos com os anos anteriores, não?
Temos que trabalhar mais para que o ministério da Agricultura tenha mais autonomia, e isso tem muito a ver também com as questões de orçamentos.
“Precisamos criar um catálogo da produção nacional por cada região”
O salto que o OGE tem vindo a dar de ano para ano para a agricultura ainda não o satisfaz?
O dinheiro dado para a Agricultura ainda não chega. Temos estado a ouvir de certas pessoas que o dinheiro que é dado para a agricultura é uma manta curta que, quando se tapa a cabeça, os pés ficam de fora e vice-versa. E isso faz com que as coisas não funcionem de acordo com aquilo que nós pensámos. Portanto, apesar de todos esses impasses, nós devemos continuar a apostar na agricultura. É que se nós também não apostarmos na agricultura não teremos outra hipótese.
Por altura da planificação e discussão dos orçamentos para o OGE ligados ao sector da agricultura, vocês os homens do sector têm sido ouvidos?
Não basta planificar os orçamentos para a produção nacional. É preciso que se acompanhe os projectos.
Não há esse acompanhamento?
Acho que falta mais acompanhamento.
Em termos práticos, o que isso significa, por exemplo?
É planificar, direccionar e fazer o acompanhamento consoante as necessidades. Por exemplo, não podemos gastar semente de produção de milho numa província do norte, tipo Zaire ou Uíge, ou gastar semente de mandioca na Huíla, Cunene ou Namibe. Temos que separar as províncias consoante a sua área de produção. Por exemplo, o que é que se produz no Huambo? Feijão, milho e outros. O Cunene produz Massango. Então, de acordo com essa fatia e especificidade por cada região, é que tem que se alocar os recursos e devidamente acompanhados para que se tenha os resultados esperados à sua produção.
Está a defender que deve haver um catálogo da produção nacional por cada região?
Sim, exactamente isso. Precisamos criar um catálogo da produção nacional por cada região. Os produtos devem ser catalogados e acompanhados.
De que forma é que devia se fazer essa catalogação?
Por um programa macro e devidamente estruturado entre o Executivo e a sociedade civil, incluindo as próprias famílias. É preciso que se faça uma auscultação pública para saber o que cada região produz para se aplicar os valores consoante as necessidades. Agora, se dermos as mesmas sementes para toda a gente, é a mesma coisa que atirar semente num terreno infrutífero. Então, para que isso não aconteça, temos de catalogar os produtos por cada região.
Considera que estas falhas todas se devem ao distanciamento existente entre quem produz e quem define as políticas públicas?
Isso tudo passa por aquilo que disse em instante. É preciso acompanhar. Quando se acompanha, dificilmente se cometem erros básicos. Por exemplo, quando se pretende apoiar os empresários, é preciso que se vá ao campo ver o que cada um faz e só assim é que se pode partir para a cedência. Se não houver isso, o que vai acontecer é o que temos visto. No papel, muitos dizem que têm fazendas de 50 mil hectares. E depois de receber o financiamento, vêse que afinal só tem 50 hectares e que o resto de dinheiro compra carros e outras coisas desnecessárias. E tudo isso se define na falta de acompanhamento.
E há muitos exemplos neste sentido?
Muitos, infelizmente. E quem perde com isso somos todos nós, porque os dinheiros que essas pessoas recebem são dos contribuintes, que é o dinheiro de todos nós.
Este desalinhamento e falta de acompanhamento fizeram com que, de alguma forma, os bancos se fechassem para a produção nacional, não disponibilizando divisas?
Acho que sim, basta ver que todos nós estamos com dificuldades de divisas há já algum tempo.
Quais são as implicâncias desta falta de divisas para os homens do campo?
Muitas que têm levada à desistência da produção nacional. Por exemplo, para eu fazer uma boa produção de cebola, é preciso serem adicionados outros produtos e que nós aqui não temos internamente. E, para isso, eu tenho de comprar fora. E, para tal, preciso de divisas. E estamos a ter casos de esperar até seis meses para a disponibilização de divisas. E quando elas chegam já a época de produção da cebola passou. E o estudo de viabilidade é produzir para vender. E não vendendo, começo a ter dificuldades de pagar o banco.
E qual seria a saída para todos esses problemas?
A saída de todos esses constrangimentos passa, fundamentalmente, em nos fecharmos um pouco. Como se diz, fazer a guerra para acabar com a guerra.
“Os estrangeiros controlam tudo. É uma grande desvantagem”
Fala-se de uma certa máfia, sobretudo com a introdução de estrangeiros no negócio da importação, o que fragiliza a produção nacional. Compactua com essa visão?
Sem dúvidas. Posso dizer que, nesse momento, nós como angolanos sentimo-nos devorados. Se eu mandasse um estrangeiro para entrar aqui no meu país, tinha de trazer investimentos. E investimento não é para abrir cantina. Tem que ser um investimento que garanta empregos para os angolanos e que traga inovações.
E como desconstruir isso?
O grande problema que se passa aqui no nosso país é que quem importa as mercadorias são os estrangeiros. E quando os produtos chegam, aquilo funciona como uma máfia. Até os canais de distribuição também é tudo entre eles. Por exemplo, se eu quiser comprar um saco de farinha de trigo num estrangeiro, não vou pagar o mesmo preço que entre eles se compram. E caso eu queira produzir pão, não vou conseguir tirar lucros, porque o preço que compro é superior aos lucros. E toda a gente sabe disso. Por isso é que temos hoje ainda o pão que comemos nas mãos dos estrangeiros. É uma máfia que precisa ser desmantelada. E isso não está só no pão, há também noutros produtos, como o próprio arroz.
Mas por que as autoridades fazem ‘vistas mortas’ diante desta máfia instalada?
Não sei. Mas eu aconselharia o Estado a impor regras.
Até que ponto?
Se o dinheiro é mesmo dos angolanos e as dívidas saem dos nossos bancos, então não custa nada o Estado criar uma empresa que passa importar produtos e dar aos angolanos para que nós concorramos da mesmo forma e pé de igualdade com os estrangeiros, porque eles têm dinheiro e isso acaba por nos colocar em desvantagem.
Essa desvantagem é asfixiante?
Muito. Sem comparação. Você anda de Ondjiva à Santa Clara e vês que todas as lojas são de estrangeiros. Se estiver um angolano, é porque é trabalhador do estrangeiro. Porque eles controlam tudo. É uma grande desvantagem.
Como é que chegamos até esse ponto de os estrangeiros controlarem a nossa economia e consumo?
Eu penso que há uma janela aonde eles entraram e que nós, angolanos, não conseguimos descodificar isso. É a única forma que tenho de dizer, porque, vejamos, se o dinheiro é nosso e o país nos pertence, como é que estamos a ser dominados pelos estrangeiros? É um absurdo, mas é o que acontece. Vamos dar um exemplo: vai à Via Expressa, em Luanda, e das quantidades de lojas aí estendidas, vê lá se um angolano tem uma loja. A minha pergunta é, como é que os estrangeiros foram comprar todos os terrenos? É porque certamente alguém os vendeu. E em todos os cantos do país isso está assim.
Que perigos podem advir disso?
Vários perigos. É um perigo à nossa soberania. Sem dúvidas. Portanto, quando um estrangeiro fica com o nosso poder económico, é um atentado à nossa soberania. Qualquer dia acordamos e estaremos novamente nas mãos do colono. E isso no país deles não acontece. Você, angolano, vai à China e vê se consegue comprar um terreno. Nunca.
Mas nós aqui estamos a dar tudo que temos. Por isso é que os chineses fazem o que querem. Não levam dinheiro ao banco e escravizam os angolanos. É por isso que a nossa economia está como está. Hoje, se você quiser comprar dólar, tem que ir ao Mártires comprar nas mãos dos estrangeiros. Ou seja, o angolano virou estrangeiro na sua própria terra. Isso é uma vergonha autêntica. E isso tudo revela a falta de um controle eficaz.
“É no mato aonde sai a comida e com visão pode gerar muitos postos de emprego”
A aposta séria na agricultura poderia ser um escape para a redução dos níveis de desemprego que o país enfrenta actualmente?
Sem dúvida alguma. As pessoas, sobretudo os jovens, só gostam de trabalhar nas grandes cidades e não querem ir ao mato. Mas é no mato aonde sai a comida e com visão pode gerar muitos postos de emprego. Mas todos preferem ficar na cidade e nestas grandes cidades as empresas estão a encerrar as portas por causa da situação económica, que é fraca. Então, o Governo, que não é de todo culpado, tem de incentivar as pessoas a irem ao campo. Isso também é uma forma de investimento no próprio angolano e na geração de empregos.
Mas hoje já há muitos jovens a apostar na agricultura, não?
Infelizmente não. A maioria da juventude não gosta do campo. Prefere ainda as cidades e a trabalhar nos bancos, na Sonangol, na AGT e noutros sítios que dão dinheiro rápido. Campo mesmo de verdade nada.
Como atrair os jovens para o sentido inverso?
Com uma aposta séria do próprio Governo, até, como já disse, como uma das formas para a redução dos níveis de desemprego. Isso já acontece noutros países. Portanto, você vai ao Brasil, África do Sul ou Botswana vai ver jovens no campo. Mas, se você regressar para a Namíbia, aqui perto de nós, vai ver os brancos nos campos e os negros a desfilarem nas cidades. Isso também acontece connosco aqui em Angola. É tudo igual.
A crise não está a servir para tirarmos lições acertadas?
Infelizmente não. E não porque aqui o Estado habituou mal as pessoas a receberem de graça. Mas o Estado não tem condições para continuar a dar de graça. E quando parar de dar, as pessoas revoltam. E é essa a realidade que estamos a viver actualmente.
O que o leva a pensar que o Estado dá coisas de graças aos cidadãos?
Muitos factores. Por exemplo, o próprio KWENDA. Que necessidade o Estado tem de dar dinheiro de graça aos pobres ou aos mais desfavorecidos? Está errado. Devia-se ver outros mecanismos.
Do seu ponto de vista, qual seria a melhor maneira de o Estado ajudar aqueles que não têm nada, sobretudo nesse período de crise?
Ao invés de dar dinheiro, o Estado devia dar condições às pes soas para produzir e elas próprias fazerem as suas riquezas. Agora, dar dinheiro àquela toda a gente não faz sentido. Mesmo que fosse comigo, vou lá e recebo de graça. Mas isso não cria riqueza. Gera preguiça e dependência. Portanto, para mim, programas como o Kwenda deviam ser para pessoas de 90 ou 80 anos. Essas não conseguem fazer nada. Agora jovem com 30 ou 50 anos vai receber o KWENDA para quê? Não tem importância, porque esse dinheiro um dia vai acabar. E quando acabar vão ser os primeiros a revoltarem contra o Governo.