Hoje, já não nos sentamos à sombra de uma mulemba, a árvore sagrada que testemunhava as nossas conversas ancestrais. Já não chamamos ao Imbondeiro o nome pelo qual nossos avós o conheciam, preferimos agora o estrangeirismo de “baobá”.
O tempo mudou, e nós mudamos com ele. Sentamo-nos diante de telas brilhantes, ou seguramos nas mãos dispositivos que, quase na velocidade da luz, nos trazem todas as informações do mundo.
E foi exactamente numa dessas telas, de um smartphone que me deparei com a inspiração para um diálogo com os poetas ou profetas da nossa nação. Percorrendo as linhas da história e da literatura angolana, dois poemas, em especial, chamaram minha atenção por sua relevância intemporal.
Um deles, “Havemos de Voltar”, de Dr. António Agostinho Neto, o outro, “Quando a Terra Voltar a Sorrir”, de Dr. Jonas Malheiro Savimbi. Respeito profundamente estas duas figuras, ambas cruciais em momentos distintos da nossa história.
Contudo, ao observar o momento actual da nação, não pude deixar de imaginar um diálogo entre eles e, por que não, comigo mesma, Ribaptista, em uma troca poética que pudesse transcender o tempo e as circunstâncias.
No poema “Havemos de Voltar”, Agostinho Neto evoca a nostalgia das “terras vermelhas dos cafezais em flor”, das “praias banhadas pelo sol tropical”, das “montanhas, rios e lagos” que compõem o cenário de uma Angola que ele tanto amou e lutou para libertar.
As palavras de Neto não apenas reflectem a esperança de um retorno físico a essa terra, mas, acima de tudo, a um estado de espírito que evoca a liberdade e a dignidade de um povo. Mas, como Ribaptista, não posso deixar de questionar: Que retorno é esse que nos espera? As terras continuam vermelhas, os cafezais ainda florescem em alguma parte, mas os rostos, as almas, mudaram.
Voltaríamos ao que foi um dia o orgulho da nação? Ou estaremos fadados a reviver apenas memórias fragmentadas, sem jamais poder tocá-las com a intensidade que o passado parece nos exigir? Olhando em frente, vejo que as promessas de Neto são ainda, em grande parte, promessas não cumpridas. A nação que ele imaginava libertada, digna e próspera, está ainda por se concretizar.
Sim, “havemos de voltar”, mas ao quê, exactamente? A um sonho que ainda precisa ser realizado, ou a uma realidade que nunca esteve ao nosso alcance? No outro lado deste diálogo imaginário, encontramos Jonas Savimbi com seu poema “Quando a Terra Voltar a Sorrir”.
Savimbi fala de um futuro onde “a terra voltará a sorrir” e o povo cantará de alegria, onde “ergueremos a bandeira da justiça” e “a paz será nossa companhia”. A mensagem é clara: a luta pela liberdade e pela justiça não é apenas um desejo, mas uma promessa de um amanhã melhor. E aqui estou eu, Ribaptista, reflectindo sobre o sorriso prometido por Savimbi.
Quando, afinal, essa terra voltará a sorrir? O povo, que agora se senta à sombra das incertezas, verá esse sorriso surgir nas suas vidas? As promessas de um futuro mais justo e pacífico parecem, muitas vezes, apenas isso – promessas. O sorriso da terra foi adiado, a esperança adiada, enquanto continuamos a esperar por um futuro que parece nunca chegar.
Em resposta a essas reflexões, Neto retorna com palavras que ecoam com uma espécie de resignação esperançosa. Ele fala de um retorno “com os nossos olhos secos, com as nossas mãos limpas”, como se a luta pela liberdade já estivesse concluída, e tudo o que resta é a consolidação da vitória.
Mas será que os olhos realmente secaram? Será que, de tanto chorar ou de tanto esperar, acabaram por perder a capacidade de derramar lágrimas? A vitória que Neto profetizou, essa que ainda vemos como promessa, parece distante para aqueles que continuam a lutar por uma vida justa e digna.
O brilho nos olhos de quem lutou e venceu pode ter sido ofuscado pelo peso das desilusões acumuladas ao longo dos anos. A nação que deveria ser o palco do retorno glorioso, ainda está a reconstruir-se das ruínas das expectativas falhadas. Savimbi, por sua vez, fala de cura, de cicatrizes que serão apenas memórias e de uma união que será o pilar da nova nação.
Mas como podemos falar de cura quando as feridas ainda estão tão abertas? Estas feridas, Jonas, ainda sangram nas ruas, nos bairros, nas almas do nosso povo.
A terra, que deveria sorrir, parece ainda se lamentar, e a união que tanto desejamos parece cada vez mais uma miragem. Em meio a esse diálogo poético, surge a questão: não é o povo o maior bem de uma nação? Neto e Savimbi, cada um à sua maneira, parecem concordar com essa premissa, mas a realidade de hoje questiona a veracidade dessa afirmação.
Se o povo é, de facto, o maior bem, porque ainda vemos tanta dor, tanta desigualdade, tanta incerteza? Como Ribaptista, proponho que não nos contentemos apenas com poemas ou profecias.
Que façamos das palavras acção, que transformemos a nostalgia em compromisso, a promessa em realidade. Que a luta pela dignidade, justiça e paz seja contínua, não apenas um sonho distante.
Neste diálogo entre o passado e o presente, percebo que o maior bem de uma nação – o seu povo – ainda clama por respostas. O retorno às terras vermelhas, o sorriso da terra, ainda são sonhos que esperam ser realizados.
E enquanto isso, as palavras de poetas e profetas ecoam, lembrando-nos do que foi, do que é, e do que ainda pode ser. Não são apenas poemas, são crônicas vivas, são profecias de uma nação que ainda busca seu caminho para sorrir novamente.
E nós, herdeiros dessas palavras, devemos assumir a responsabilidade de concretizar os sonhos de Neto e Savimbi, garantindo que a Angola que eles imaginaram se torne, finalmente, uma realidade para todos nós.
Por: RIBAPTISTA