A precedência é, no protocolo, uma técnica de organização de actos que consiste na atribuição, à cada participante de um evento, do lugar correspondente ao seu estatuto ou posição social.
Segundo o Dicionário Geral da Língua Espanhola, VOX, “a precedência é a parte do protocolo que estabelece a ordem entre os participantes de um evento, geralmente as autoridades.”
Por sua vez, Blanco Villalta escreve que “a precedência é o ponto crucial e a base do cerimonial.” No contexto do poder legislativo, onde encontramos um corpo de legisladores eleitos pelo povo, a precedência adquire conotações próprias que importa, aqui, elucidar. Saliente-se que, no caso da Assembleia Nacional de Angola, trata-se de 220 Deputados.
O Parlamento tem, entretanto, uma complexa teia de órgãos próprios aos quais estão ligados um conjunto de cargos e funções. Por isso, apesar da determinação da precedência parlamentar não ser um exercício fácil, ela é, ainda assim, possível de ser feita. A nível do Protocolo de Estado angolano não existe, até ao momento, uma lei especial sobre a precedência.
Entretanto, mesmo se existisse essa lei, a precedência parlamentar é um assunto que tem particularidades quer do ponto de vista da organização do parlamento, quer do ponto de vista dos hábitos e costume parlamentares. Além disso, a precedência parlamentar não é estática, ela pode variar em função dos eventos, actos e solenidades.
Por exemplo, um Deputado pode ser, cumulativamente, Presidente de um Grupo Parlamentar, Membro de uma Comissão Parlamentar e Membro de um Grupo Nacional de Acompanhamento a uma dada Organização Interparlamentar.
No Grupo Parlamentar, esse Deputado terá a máxima precedência e presidirá o acto, mas, na Comissão Parlamentar, perderá tal precedência e presidência em relação ao Presidente dessa comissão.
Entre os vários critérios de precedência aplicados no protocolo, destacam-se o cargo ou função, a antiguidade, a idade, o género, o território, o alfabeto, a numeração e a matéria ou assunto.
Na Assembleia Nacional impera a precedência em função do cargo que os deputados desempenham nos seus múltiplos órgãos: Mesa da Assembleia Nacional, Conselho de Administração, Grupos Parlamentares, Comissões Parlamentares, Grupo de Mulheres Parlamentares, Grupo Interparlamentar Angolano, Grupos Nacionais e Grupos de Amizade.
Porém, a precedência não se cinge apenas no sentido de hierarquizar e dar primazia aos Deputados que exerçam cargos ou funções nos orgãos acima citados.
Esta é uma precedência de direito porque tais cargos ou funções resultam sempre de um determinado acto normativo. Existe, também, a chamada precedência de cortesia e de bom senso, cuja aplicação permite tornar os eventos mais inclusivos e harmoniosos. A título e exemplo, pode ser dada precedência ao Deputado mais idoso, apesar de ele não exercer um dado cargo.
O mesmo sucede na atribuição de precedência a uma Deputada em detrimento de um Deputado (critério do género) ou ao Deputado mais velho em detrimento do Deputado mais novo (critério da idade).
Também pode ocorrer dar-se precedência aos antigos Presidentes da Assembleia Nacional tendo em conta a cronologia do exercício dessas funções (critério da antiguidade).
Além disso, o bom senso manda que, em qualquer tipo de acto ou evento, seja fundamental reconhecer e destacar determinadas figuras. Tal acontece, no contexto parlamentar, nos casos em que a precedência dada a um Deputado é determinada pelo que o mesmo representa ou representou fora da Assembleia Nacional.
Este é o caso dos Antigos VicePresidentes da República e dos Antigos Presidentes da Assembleia Nacional, conforme ocorreu durante a legislatura passada com os Deputados Manuel Vicente, França Van-Dúnem e Roberto de Almeida.
Outro caso similar é o dos Presidentes e Vice-Presidentes de Partidos Políticos que não detenham cargos ou funções na Assembleia Nacional, conforme acontece, actualmente, com os Deputados Adalberto Costa Júnior e Luísa Damião.
Portanto, estabelecer precedências exige, igualmente, flexibilidade visando criar harmonia e bem-estar entre os participantes num dado evento. Digamos que, por tocar no ego das pessoas, a precedência sempre foi um assunto polémico. Relatos bíblicos apontam que até mesmo Jesus Cristo teve dificuldades para lidar com a precedência.
Ao ser instado pelos filhos de Zebedeu para que, quando estivesse na sua glória, os deixasse sentar um à sua direita e outro à sua esquerda, conforme narrado por Mateus e Marcos, Jesus remeteu habilmente a polémica ao Pai: “Não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou esquerda. É meu Pai quem dará esses lugares.” (Mateus 20:20- 24, Marcos 10:35-40).
Na definição da precedência parlamentar, aquando dos eventos, é importante não esquecer a máxima segundo a qual a precedência não se confunde com a presidência. Nem sempre quem preside um acto tem precedência.
A Presidente da Assembleia Nacional, por exemplo, é membro de uma comissão parlamentar. Ao participar numa reunião dessa comissão, o Presidente da mesma preside a sessão, o que não significa que ele tenha precedência sobre a Presidente da Assembleia Nacional.
De igual modo, aquando da Sessão de Abertura do Ano Parlamentar, a Presidente da Assembleia Nacional preside a sessão, não obstante a presença do Chefe de Estado. Isto não significa, porém, que a primeira, enquanto anfitriã, tenha precedência sobre o segundo.
Trata-se, pois, de uma excepção a regra e tem fundamento constitucional no princípio da igualdade e separação de poderes. Entretanto, aquando da Sessão de Abertura do Ano Parlamentar, a Presidente da Assembleia Nacional cede o lugar de honra, na mesa da presidência, ao Chefe de Estado.
Ela o faz em razão da deferência (critério da cortesia). O mesmo procedimento ocorre aquando das sessões solenes realizadas em alusão à visitas de Chefes de Estado Estrangeiro.
A Presidente da Assembleia Nacional, conforme emana das regras de bom anfitrião, cede o seu lugar de honra aos Ilustres dignitários, tornando o evento mais pomposo.
É importante, ainda, falar sobre o peso do critério numérico (ordem numérica) na definição da precedência parlamentar. Sendo o parlamento integrado por Deputados oriundos de várias formações políticas, a distribuição, entre estes, dos cargos existentes, é feita tendo em atenção o número de assentos parlamentares que cada formação tiver obtido nas eleições.
É aquilo que, no jargão parlamentar, se denomina por princípio da proporcionalidade. Este princípio estruturante da organização e funcionamento da Assembleia Nacional, acaba tendo reflexos imediatos ao nível da precedência parlamentar.
Consequentemente, a começar pela própria Mesa da Assembleia Nacional, a precedência obedece o referido critério numérico/ proporcionalidade, nomeadamente: Presidente da Assembleia Nacional, Primeiro Vice-Presidente da Assembleia Nacional, Segundo Vice-Presidente da Assembleia Nacional, Terceiro Vice-Presidente da Assembleia Nacional, Quarto Vice-Presidente da Assembleia Nacional, Primeiro Secretário da Mesa da Assembleia Nacional, Segundo Secretário da Mesa da Assembleia Nacional, Terceiro Secretário da Mesa da Assembleia Nacional e Quarto Secretário da Mesa da Assembleia Nacional.
Logo, é o número ou proporção de votos obtidos que determina a afectação de cargos e funções na Mesa da Assembleia Nacional, entre as formações políticas, com todas implicações protocolares a que já nos referimos. Isto é transversal aos demais cargos e funções políticas aqui já apontados.
Dissemos, antes, que a precedência pode igualmente ser determinada pelo critério da matéria ou assunto. Isso ocorre, no contexto parlamentar, aquando das reuniões conjuntas das comissões parlamentares.
Nessa ocasião, a presidência da sessão cabe ao Presidente da comissão parlamentar competente em razão. Suponhamos que o assunto em pauta seja o Orçamento Geral do Estado, presidirá a sessão a Comissão de Economia e Finanças, tendo a sua Presidente precedência sobre os Presidentes das demais comissões parlamentares envolvidas.
Em todo caso, já em nota conclusiva, os serviços da Assembleia Nacional têm aplicado uma precedência parlamentar assente no costume. É uma lista que consolida o que vem sendo a longa prática parlamentar sobre este assunto. Embora essa lista represente um avanço, o ideal é que a mesma seja formalmente consagrada por via de um acto próprio da Assembleia Nacional.
Por outro lado, é fundamental que Angola aprove um diploma que regule a precedência do Estado, uma antiga reivindicação da Associação de Profissionais de Cerimonial e Protocolo de Angola (APCPA).
Esse diploma traria a tão desejada certeza e segurança jurídica necessária para o exercício da actividade daqueles profissionais.
Por: LÁZARO VICENTE
*(Mestre em Gestão e Organização de Eventos, Protocolo, Cerimonial e Relações Institucionais; Antigo Vice-Presidente da Associação de Profissionais de Cerimonial e Protocolo de Angola; Membro Correspondente da Academia Internacional de Cerimonial e Protocolo)